Os decapitados*
(c)Adalberto de Queiroz
Eles vêm ao acaso de todos os cantos do mundo – serão os algozes
Atenderam o chamado, às dezenas, depois às centenas; ao fim, milhares
Tantos assim que por último não havia onde as cabeças depositar-lhes.
Os homens que ali sacrifícios realizam, do deserto eram flores ferozes.
As nossas armas eram usadas, disparadas sem balas; as canções rasgadas.
Interessavam-lhes as cabeças cortadas por primeiro, como a morte requisitara:
Na bandeja de prata da blogosphera as ofertavam – uma a uma expostas: cortadas.
Eles se chamam Omar, Abu, Amihl, Hamel, e Ayman, Abu Du’a, Sirajuddin, Saeed – e se escondem sobre o mesmo capuz negro.
Caçam com ferocidade a Joseph, João, Mateus, Lucas, Marcos, Marc e a Jacques Hamel…
– O que fizeram ao João, o Batista, que no deserto de mel silvestre e gafanhotos
Se alimentava? a cabeça cortada ofertaram a Salomé – e hoje ela está vestida de
Senhora de grande poder – Herodíades sob jóias; sob um véu negro engastadas.
A bandeira negra, ao som de cavalos disparados – as kalashnikovas automáticas
mortais – post-modern cimitarras: a profecia de João, o Batista, como vergasta
– entre a Cruz e o Crescente opostos na areia de sangue genuflexos, afogados.
A ferocidade da caixa-grade de Pound – loucura de deus afásico;
um funâmbulo, sob a corda bamba do século mau e seu clamor
de sangue sem sal – o grão de mostarda escondido no alforje.
Afásico, acidentado, imobilizado na noite de Tomás – o Tranströmer
todos “Os carrascos vão buscar pedras, Deus escreve na areia.”
Sim. Só há mesmo um livro de areia e o deserto interior e feroz dos homens –
pedra de tropeço de outros homens – sem mel, nem sal, nem pomba salvadora.
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Fonte: Caderno de drafts de poemas, 2017. 07.02.17.