A gênese de um livro (II)

Os decapitados*
(c)Adalberto de Queiroz

Eles vêm ao acaso de todos os cantos do mundo – serão os algozes
Atenderam o chamado, às dezenas, depois às centenas; ao fim, milhares
Tantos assim que por último não havia onde as cabeças depositar-lhes.
Os homens que ali sacrifícios realizam, do deserto eram flores ferozes.

As nossas armas eram usadas, disparadas sem balas; as canções rasgadas.
Interessavam-lhes as cabeças cortadas por primeiro, como a morte requisitara:
Na bandeja de prata da blogosphera as ofertavam – uma a uma expostas: cortadas.

Eles se chamam Omar, Abu, Amihl, Hamel, e Ayman, Abu Du’a, Sirajuddin, Saeed – e se escondem sobre o mesmo capuz negro.

Caçam com ferocidade a Joseph, João, Mateus, Lucas, Marcos, Marc e a Jacques Hamel…

– O que fizeram ao João, o Batista, que no deserto de mel silvestre e gafanhotos
Se alimentava? a cabeça cortada ofertaram a Salomé – e hoje ela está vestida de
Senhora de grande poder – Herodíades sob jóias; sob um véu negro engastadas.

A bandeira negra, ao som de cavalos disparados – as kalashnikovas automáticas
mortais – post-modern cimitarras: a profecia de João, o Batista, como vergasta
– entre a Cruz e o Crescente opostos na areia de sangue genuflexos, afogados.

A ferocidade da caixa-grade de Pound – loucura de deus afásico;
um funâmbulo, sob a corda bamba do século mau e seu clamor
de sangue sem sal – o grão de mostarda escondido no alforje.

Afásico, acidentado, imobilizado na noite de Tomás – o Tranströmer
todos “Os carrascos vão buscar pedras, Deus escreve na areia.”

Sim. Só há mesmo um livro de areia e o deserto interior e feroz dos homens –
pedra de tropeço de outros homens – sem mel, nem sal, nem pomba salvadora.

++++
Fonte: Caderno de drafts de poemas, 2017. 07.02.17.

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A esperança se esvai ?

Eis-nos no 17º. ano do século XXI — que começa triunfalmente confuso e brutal…Parece que o 17º. ano deste século mau quer superar, em estupidez e barbárie, a seu antecessor.

— os acontecimentos indicam que sim: a esperança se esvai, mas resta-nos a Esperança!

E se grafei aí acima o substantivo com letra minúscula é que há uma quase certeza que esta nada tem a ver com aquela Esperança de que nos fala o Cristianismo.
Relembro aqui de alguns mestres da nossa tradição católica:
No ponto zero: Ernest Hello:

Digo-vos: há na vida do homem e na vida da humanidade momentos em que a razão perturba-se…Nesses momentos, de conturbada razão e em que muito sangue é derramado, é ainda mais apropriado e necessário que voltemos nossos olhos para a esperança e desta à mãe de toda esperança – a Esperança com E maiúsculo: Cristo.

  1. Charles Péguy – a filhinha frágil – “petite espérance

“Ce qui m’étonne, dit Dieu, c’est l’espérance. Et je n’en reviens pas.
(…)
“L’Espérance est une petite fille de rien du tout.
Qui est venue au monde un jour de décembre de l’année dernière.
Qui joue encore avec le bonhomme Janvier.
C’est cette petite fille pourtant qui traversera les mondes.
Cette petite fille de rien du tout.
Elle seule, portant les autres, traversera les mondes révolus.

2. Léon Bloy:

Mais quoi! c’est un atome d’espérance pour contrapeser um mont de terreurs!

3. Antônio Carlos Villaça, lembrando Jacques e Raïssa Maritain, em carta a Urbano Medeiros, 1989.:

“A grande dimensão que caracteriza o homem é o futuro. A nossa dimensão verdadeira é o futuro. E, assim, somos seres da Esperança. A espera se faz Esperança. E tudo é futuro, em nós…”

4. Georges Bernanos:

Fé: 24 horas de dúvida, menos um minuto de esperança.