Posts curtos – poema a Ursulino Leão

Destacado

Da série “Gênese de um livro”

O burrico

A Ursulino Leão.

 

Platero e eu” é história antiga
de quando os animais falavam;
quem contou foi Ursulino –
por Leão de sobrenome, mas
d’alma de cordeiro cativo.

No dia de seu octogésimo ano,
nós, seus leitores brindados
co’a história de um burrinho
queimado e malhado na testa;
burrinho de pernas rajadas
e de alma bíblica completa.

O burrinho da crônica além
de clone do jumento do Cristo,
milênios antes em Jerusalém –
nos encantava com seu dístico:

Dá-nos u’a “nesga de satisfação
na caligem dos nossos pesares”

Do burro xucro de meus dias
aprendi que escoicear o vento
inseparável companheiro cria
aos pobres, aos fracos intentos
de nossas bocas de infantes
um mundo de hosanas e vivas.
Platero e eu; eu e Platero
congresso de vida refazemos

E saio da história do amigo
desejoso de saudar o Cristo
com as palmas na mão agito
o hosana ao Filho Bendito.

Tudo por conta de um jumento
que, como de Balaão o animal,
enxerga, previamente ao seu dono,
figura do Anjo a libertar-lhes do Mal.

 O adeus do burrico é um gemido:
“uma nesga de satisfação
na caligem dos nossos pesares…”

(*) Ursulino Leão e euPlatero e eu“, título do romance de Juan Ramón Jimenez, Edição dos Livros do Brasil, sem data, desenhos de Bernardo Marques e tradução de José Bento. O livro foi tema de crônica de Ursulino Leão no jornal O Popular, Goiânia,  sob o título de “O Burrico e o meu (80°.) Aniversário”, depois reproduzida no livro de crônicas “GYN”, lançado pela Editora Contato/Kelps, 2015, p. 65/6.

Ursulino Leao e eu

Foto 1 – Com Ursulino na Casa Altamiro (1); e em visita a sua residência – (2).

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A gênese de um livro (2017)

VIII – Farsante (I)

“Assim é que eu deveria ter escrito, dizia consigo.
Meus últimos livros são demasiado secos,
teria sido preciso passar várias camadas de tinta,
tornar a minha frase preciosa em si mesma,
como este panozinho de muro” –  
Marcel Proust.

Tempo não há de refazê-lo
a este livro duro e insone
a este pão, insosso, ei-lo!

Ainda pão, sem forma ou forma
própria, alimenta ao que tem fome
de poesia ou beleza, que importa!

Além da forma pronta de um nome,
deseja o moto próprio, chave da porta
à saída do inferno onde se encontra.

Também o bardo a chave busca
sozinho à deriva; afogado em ar.

E na enésima camada de tinta fresca
sofre com a secura do que dissera –
coxo solto em perdido paraíso
cego vagando o Éden imaginado

Seus brancos ossos, a Fera fixa:
– tempo não há de dizê-lo, Hélas!

Mas insiste, desafinado farsante –
pé-quebrado do verso, as falhas
o ferem de morte no instante.

./.

 

A gênese de um livro (drafts de poemas, 2017)

Poema.

A gênese de um livro (V)

Poema de hoje, 04 de março de 2017.

Este poema (ainda em rascunho) nasceu da releitura de Daniel, 4, sob a inspiração de Robert Graves. Creio que posso chamá-lo de “meu Nabucodonosor”, mas preferi intitular de “A Queda (I)” – intuindo que outras versões virão e continuações, pois o mito é tremendo.ilustra-nabucodonosor
Clique na figura ao lado para ler o poema.

A gênese de um livro (IV)

A taça dourada*

O sol não brota; ele se mostra
com tudo o que a noite esconde.
Sol em minha janela e sua fronde
de pinheirinho molhado; amostra

de desejo e fonte de toda paz;
do que tenho merece graças dar
o que não tenho aragem sagaz
da chuva que cai a nos molhar.

A chuva que caiu ontem à noite
aqui deixou à mostra nosso lar:
se o pesadelo agride feito açoite,
vem a manhã a fronte nos dourar.

Dourado-esmeralda é o seu rosto,
sol, estrela maior, insofismável
do mestre a lembrar bem disposto
que a vida é sempre incontornável.

A taça onde do vinho nos servimos
um dia ao mar o rei de Tule a atira;
bebe-se com ardor por toda a vida,
perdido o amor, no mar ela suspira.

Assim o sol que à janela forte bate
irá se pôr à montanha docemente,
como a vida da chuva se ressente
na morte o ser eterno tem o embate.
./.

(*)Poema em draft do livro em preparo (2017).

A gênese de um livro (III)

Canções americanas (2)

Ah! azevinheiro em minha janela
mas meu coração não está mais lá;
estreita era a cama – nós dois nela,
mas meu amor está amarrado lá.

Mas meu amor está amarrado lá
onde a grama está sempre verde
o silêncio permite ao nightingale
cantar sem que o deserdem.

Cantar sem que o deserdem
o poeta deseja desde Homero;
sem Calipso o verso tecer-lhe
com saudades partir austero.

Com saudades, partiu austero
sobre o mar do Caribe e além –
só desejava um passarinho
do cerrado que o acordasse
de madrugada
de volta ao domo donde provém.

./.

Plantation, Fl, 15.02. GYN, 23.02.17

A gênese de um livro (II)

Os decapitados*
(c)Adalberto de Queiroz

Eles vêm ao acaso de todos os cantos do mundo – serão os algozes
Atenderam o chamado, às dezenas, depois às centenas; ao fim, milhares
Tantos assim que por último não havia onde as cabeças depositar-lhes.
Os homens que ali sacrifícios realizam, do deserto eram flores ferozes.

As nossas armas eram usadas, disparadas sem balas; as canções rasgadas.
Interessavam-lhes as cabeças cortadas por primeiro, como a morte requisitara:
Na bandeja de prata da blogosphera as ofertavam – uma a uma expostas: cortadas.

Eles se chamam Omar, Abu, Amihl, Hamel, e Ayman, Abu Du’a, Sirajuddin, Saeed – e se escondem sobre o mesmo capuz negro.

Caçam com ferocidade a Joseph, João, Mateus, Lucas, Marcos, Marc e a Jacques Hamel…

– O que fizeram ao João, o Batista, que no deserto de mel silvestre e gafanhotos
Se alimentava? a cabeça cortada ofertaram a Salomé – e hoje ela está vestida de
Senhora de grande poder – Herodíades sob jóias; sob um véu negro engastadas.

A bandeira negra, ao som de cavalos disparados – as kalashnikovas automáticas
mortais – post-modern cimitarras: a profecia de João, o Batista, como vergasta
– entre a Cruz e o Crescente opostos na areia de sangue genuflexos, afogados.

A ferocidade da caixa-grade de Pound – loucura de deus afásico;
um funâmbulo, sob a corda bamba do século mau e seu clamor
de sangue sem sal – o grão de mostarda escondido no alforje.

Afásico, acidentado, imobilizado na noite de Tomás – o Tranströmer
todos “Os carrascos vão buscar pedras, Deus escreve na areia.”

Sim. Só há mesmo um livro de areia e o deserto interior e feroz dos homens –
pedra de tropeço de outros homens – sem mel, nem sal, nem pomba salvadora.

++++
Fonte: Caderno de drafts de poemas, 2017. 07.02.17.

A gênese de um livro (I)

Esqueça o Poema (1)

Poemas de esperança (V)

V

                       “Toute lune est atroce et tout soleil amer” (Rimbaud)

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Se toda lua é atroz; se todo sol, amargo
o que seria de ti, oh triste caminhante
desse destino com o peso do desencargo
trazido às costas? sulcas o solo e avante

 

segues com afinco em busca do alvo
um dia após o outro, sem olhar pra trás.
És o que não importa com o Outro; salvo
se este vau alguém te auxilia a cruzares.

 

Inerte em frente a ti, o obstáculo vil –
o Amor acre, acerbo, solidão marmórea
em tudo desconforme ao teu ardil …
é preciso que sigas – o mundo o exigiu
e tu não queres ser a esposa de Ló.

 

A massa ignara força-te a ficar irado;
agastado reages e esqueces do que és,
do que foste – não há nenhum barco –
ébrio que seja, a tomar; estás embarcado

 

em seco. Et pourtant, a jornada é louca
como dantes e nada mais és que um
dos perdidos do século mau – és uno
 entre muitos afogados na amálgama;
em plena desordem – a caminho do Nada.

./.
Drafts poemas novíssimos, JAN/2017.

Poemas de esperança (memorial)

Goyaz (1)

No outono da vida o sol do cerrado
seca as mesmas sementes — sol a pino:
sementes de abóbora comidas assadas
coisas de antanho com igual desatino.
Cajá-manga devorado com sal, à sexta hora
o gosto arcaico na boca desata sonhar —
feito pamonhas ao leite ou torta de amora
vem só o torniquete do acerbo no maxilar.

Minha avó comendo manga com faca
nas tardes de outrora, parece retornar;
uma sombra morna no sonho que sou.
Igual lembrança aperta de mansinho
a segunda costela à sinistra do sono
e traz o pousoso passado ao ninho.

Poemas novíssimos. Goiânia, 26.01.2017