Três poemeus da safra ’16


Dor (1)

Dizer da dor que não sente o quer-que-seja:
Só fingimento; é falta grave com a alma da gente;
De toda a gente que sabe o que é sofrer.

Da dor se diz pena, pain, ache o que dizer –
Da dor n’alma, sofrimento do que não ama.

Só dói em mim quando não expresso…

****
Folha em Branco. Blanche. Blank...Vida!COMPOSIÇÃO (1)

Vivia de escrever ilegível, hierático –
Rabiscos sem uso, brilho ou serventia.
Ansiava psicografar; fluir com o dia.

À noite a palavra disparada na mente;
Sem retoques: a mão incontida sobre
A página em branco: nenhuma máquina
Ativa; sem teclado, tábua, hieróglifo.

Nu feito santo ao desabrigo do frio.

****

Gatos-na-Sebastiana_Valparaiso.jpgCOMPOSIÇÃO (2)

Como vivia de escrever ilegível, um dia –
Um incêndio: desejo de automática escrita
No mais cômodo do achado maior perigo.

À noite os gatos pardos; o suor o inunda –
A mão sucumbe ao peso da composição
Não há limites, rimas, iâmbicos achaques.

Só; feito um gato sem o feromônio da poesia.
****

As almas da floresta desprezam o desenho preso e acorrentado ao papel congelado e irrepetível. As almas da floresta brincam entre duas perspectivas a do observado  e a do observador As almas da floresta enigma filosófico da criação, deliberação consciente do artista na sua necessidade visceral de diminuir a distância  para se poder ver As almas da floresta desenham fenômenos da natureza redesenhando suas leis As almas da floresta emergem como uma entidade singular  em movimento e expansão em busca da própria consciência. © Vilma Machado

(c) Ilustr. Vilma Machado.

COMPOSIÇÃO (3)

 

Todavia, em escrever ainda insistia – noite
E dia; suor e luta dispendia sem fim. Busca
de pobre sonhando com a cereja no bolo
Faminto – nem sequer cêntimo de farinha.
À noite o céu da boca do poema está vazio.

O pão quotidiano lhe faltou ontem; hoje
Entanto, miolo do pão da poesia: palpável.
Molhado ao leite do raciocínio límpido.
Aurora clara anuncia leite e pão de verdade;
E o chocolate dissolve-lhe a ideia de poesia.

****
Fonte: (c) QUEIROZ, Adalberto. Cadernos de Sizenando (poemas – 2), 2016.

 

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