domingo, 8 de outubro de 2006
A piscina do sagrado
“Sonho proteína
Leite condensado
Caio na piscina
Do Sagrado”(*)
Avalanche de informações, embates na rua, na tv – quem lê tanta notícia? e mais tantos reclames que rondam a cabeça, assim a cabeça roda num mundo cheio de alarido. São Tiago me proteja, ouço, calado e cabisbaixo, seu exemplo na igreja dos santos e dos mártires – há muito barulho no mundo, ruído, roído, o espaço pequeno em volta da mesa, a mesa tão rara, a conversa real sumida, puída – queria castrar o adjetivo e não posso ou preciso do facão do Mourão, da esgrima do Tolentino, da pena o Lima – eu, estou agora só, diante da (minha) Nossa Senhora de Aparecida à beira da cama, e só assim consigo conciliar sono e descanso e paz, e repouso, depois do beijo da mulher amada quando é tarde e o corpo arde – rima sem solução, raimundo, raimundo aquele do vasto mundo, em busca da rima e pobre de inspiração.
Tem o homem esse buraco no peito, por isso mesmo não basta “nomear todos os animais dos campos e todas as aves do céu” – é preciso que tenha a seu lado, “osso dos seus ossos, carne de sua carne” para se sentir inteiro, ah, os filhos de eva, somos todos nós, ora bradamos: queremos o retorno ao sagrado. Ah, a cosmogonia, ah a biblioteca de nossos sonhos, ah, divino altar, onde o sacrifício de Cristo é rememorado, do nascer ao pôr-do-sol…se o sagrado nos falta, aproximamo-nos, céleres de um abismo. E a idéia, donde vem, e a inspiração que contem?
– “De Deus é que vem a idéia”, prega Levinas. E hei de um dia encontrar-me pronto para compreender, como sonham entender no versículo: “de seu ventre brotarão fontes de água viva”. Ah, a poesia sem medo da ciência, a poesia que se faz calda, na moeda do pensar, a poesia de um são Jorge de Lima. Eis uma fonte d´água fresca que reconforta:
“Debruça-te sobre tua voz para escutá-la:
tua voz existiu antes de tua forma.
Se o alarido do mundo não te permite entendê-la,
vai para o deserto,
e então a ouvirás com a inflexão inicial das palavras do Verbo
e com a fecundidade do Gênese ante o Fiat do Pai.
Ouve a tua voz sobre a montanha para que o divino eco
atravesse os milênios
e reboa dentro de ti que é o tempo de Deus!
…
“Ouve a tua voz entre as massas humanas
que como o mar se tornarão fecundas
e espalharão a palavra do Livro
pelas águas e pelos continentes.”
Oh, desejo supremo de ser ventríloquo do divino Pai Eterno. Oh, desejo santo, desejo de santificar a vida – há santos entre nós e não os enxergamos – Ah, Bendito seja o desejo de Sabedoria: “para que a poesia tenha a tua marca, Senhor”.
A idéia de Deus, do Deus em mim, não fui eu quem a inventou e não assisti ao congresso em que os filósofos se reuniram para criar a idéia de Deus. Eu digo com Jung que “naturalmente é impossível provar a Sua existência. De que maneira – pergunto em meio às águas da piscina do sagrado:
– “De que maneira uma traça que se alimenta de lã da Austrália poderia demonstrar às outras traças que a Austrália existe?”
E por isso consigo o sono azul na azulíssima piscina do sagrado. Azul é a cor de teu manto, minha Mãezinha, azul é o mundo que sonho na paz e na doçura. Eu te saúdo, ó Rainha, para dormir em paz, no silêncio da paciência que não pede demonstrações.
+++++
Fontes: Péricles Cavalcanti, Levinas, Jorge de Lima, Carl Jung, S.João 7,38.
Escrito e publicado em 08/10/2006, no Verbeat, às 10:49 | Poesia Brasileira, Religião | Ouse dizer! (0)