Projeto Poesia Falada (JORGE DE LIMA)


POEMA 22
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Veio um dia, de qualquer solidão,
o raro amigo – duplo de mim – o poeta.
Eu já o havia pressentido e esperado
mas ninguém tinha me dito que era ele.
Entretanto é um homem tatuado,
de sinais invisíveis e rituais.
Seus olhos são tão claros diante dos meus
e seus gestos são tão homólogos aos meus gestos,
que ele deveras é a minha semelhança.
O seu corpo esguio é crivado de facetas cristalinas
e de pequenas pálpebras que ficam abertas noite e dia.
Em vão a metade deste ser
quis resistir à sua dupla fascinação;
mas quedou integrada em si própria,
como carne real irrigada de luz.
Por isso, nunca paramos nas tentações de passagem.
E ainda somos, como no Início, verdadeiramente selvagens.
Pois nos desdentamos indiferentemente
nos orvalhos noturnos,
e nas flores que conseguem brotar sobre as neves eternas.
Frenquentemente amedrontamos com ressurreições sucessivas
os que caminham distraídos no ocaso.
Uma inflexão de nossa voz repercute em Mira-Celi;
mas quem negará que as nossas vozes não são as vozes de nossos seguidores?
Pois se ouvem neste recanto do parque
gritos que nos precederam,
ressoando séculos atrás de nós.
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De “Anunciação e Encontro de Mira-Celi”, em Poesia/Obra Completa-vol 1, Ed. Nova Aguilar, p.522/3.

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