A conversão de Murilo Mendes ou: “Retrato Da Amizade” (1)


MURILO MENDES o Poeta Brasileiro de Roma – livro de Maria Betânia Amoroso
é livro de erudição e muito informativo.

Os fãs do poeta mineiro (e cosmopolita) temos em Betânia uma fonte riquíssima de informações sobre a vida, a viagem, as amizades, os amores e a invenção muriliana.

Apesar de manter um certo jargão acadêmico, “vício do cachimbo da pesquisadora universitária“, o livro é muito bom.

Amorosa viagem com  "o Poeta Brasileiro de Roma"

Amorosa viagem com “o Poeta Brasileiro de Roma”

DESTA FEITA, venho para registrar meu encantamento com a leitura do livro da professora Maria Betânia e a grande curiosidade não resolvida sobre o sobrenome da Autora que pode ter (ou não) a ver com meu amado Alceu.

Tamanho é meu entusiasmo com o estilo de Betânia Amoroso que já encomendei à Estante Virtual outro livro dela, Betânia: “Pier Paolo Pasolini“, sobre, evidentemente, a vida e obra do cineasta, poeta e polêmico escritor italiano.

O livro que tenho em mãos e que leio com entusiasmo foi gestado em longa pesquisa, realizada em parte na Itália (entre 2001/09), período em que Betânia Amoroso ouviu, leu e viveu (imagino, pela paixão que o texto transmite) Murilo e suas memórias.

Por ora, fiquem com o belo texto sobre a conversão de Murilo Mendes, de outra safra de Maria Betânia (os artigos), encontrado em academia.edu -, pois ainda não me considero preparado para uma resenha completa do livro, digamos que ainda estou percorrendo o caminho nesta viagem com (e sobre) “O Poeta Brasileiro de Roma”.

 

 O RETRATO DA AMIZADE, artigo de Maria Betânia Amoroso.

1
O retrato da amizade/do amigo
Por Maria Betânia Amoroso, Unicamp – (*) Material com direitos autorais fonte citada obrigatória (ver link consultado em 28/12/14)

Para quem leu as Recordações de Ismael Nery escritas por Murilo Mendes não é difícil concordar que as duas palavras que melhor as sintetizam são as mesmasescolhidas para o título desta apresentação: amizade e retrato.
Ismael Nery, pintor (entre outras atribuições) paraense, que viveu quase toda sua vida no Rio de Janeiro, morrera, aos 33 anos de idade, 14 anos antes da elaboração dessas lembranças. Por um período de cerca de 13 anos, Murilo Mendes e Ismael Nery foram amigos muito próximos. Não se tratou de uma amizade em termos comuns.

Davi Arrigucci Jr. no prefácio às Recordações anota:
Este livro singular é depoimento sobre uma rara e fervorosa amizade entre dois artistas. O
clima de amorosa exaltação que se cria desde as primeiras linhas poderia parecer esquisito, não se
tratasse de Murilo Mendes escrevendo sobre Ismael Nery. Entre eles, o insólito vira regra.
E Murilo 
talvez pudesse justificar-se com as simples palavras de Montaigne diante do inexplicável de uma grande
amizade, como a que o ligou a La Boétie: porque era ele; porque era eu.(1)

Sem dúvida alguma, há uma extrema excentricidade nessa amizade e nesse retrato mas, como já observou Arrigucci no mesmo prefácio, para além da vida de dois indivíduos através dela nos chega a imagem da vida intelectual carioca católica dos anos 20, 30 e 40, de um Brasil que faz suas contas para se ajustar à Modernidade.

Nesta minha participação a este encontro, gostaria de fazer alguns primeiros comentários de modo a trazer para o primeiro plano algumas particularidades da amizade entre Murilo e Ismael. Tomo como sinal e síntese dramática de tal amizade a cena da conversão de Murilo Mendes durante o velório de Ismael Nery que sempre me intrigou muito. Mesmo que de modo precário já que minha pesquisa sobre esse tema acaba de começar, gostaria também de extrair do retrato escrito por Murilo algo como um contarretrato, um autorretrato não escrito, que seria uma espécie de esboço da história da sua conversão ao catolicismo. Parto daquele grande evento da tradiçãocatólica, aqui fundamentalmente em vestes de gênero literário justamente a cena ou relato da transfiguração do velho homem em homem novo pelo efeito da conversão e procuro por cenas, descrições, poemas de Murilo e de Ismael, quadros e desenhos de Nery que possam de algum modo comentar sobre ela.

Talvez ler as Recordações de Ismael Nery como li seja devido ao mergulho dado, ultimamente, no universo dos intelectuais católicos cariocas, da primeira metade do século XX, tendo Murilo Mendes como figura de destaque. Andei lendo também os artigos que escreveu para o jornal literário Dom Casmurro ao longo de 1937 e me deixei surpreender por um Murilo Mendes polemista, combatente em prol das idéias
católicas, tanto como doutrina, como orientação política para um Brasil moderno. Por conta disso, fui me aproximando de outro importante universo de referência de MM, o de intelectuais e artistas franceses convertidos ao catolicismo . São as idéias sobre a vida intelectual, portanto, a área à qual me filio mais naturalmente ao falar hoje para vocês.

Há um número considerável de relatos de conversão escritos por intelectuais franceses laicos do final do século XIX e início do XX. Esses relatos assumem uma importância muito grande quando há, como havia na França no período, uma batalha campal pela modernização da Igreja na qual os grande nomes da vida cultural eram peças fundamentais. Esses textos, aos olhos da Igreja, são testemunhos de autoridade
com auto teor de convencimento. Ao lado disso, agora pensando na situação do catolicismo brasileiro das primeiras décadas do século XX, também em luta por uma presença maior na cena cultural e política do país, foi possível constatar que entre nós esses relatos foram bem menos comuns, embora os tenhamos, como enumera Antonio Carlos Villaça no seu pioneiro “O pensamento católico no Brasil”.

A literatura brasileira é pobre de documentos dessa natureza. Dos nossos grandes convertidos intelectuais – Jackson de Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima, Hamilton Nogueira, Joaquim Nabuco, Júlio Maria, Felício dos Santos, Gustavo Corção, Paulo Setúbal, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cornélio Pena, só três nos escreveram o relato, a história da sua conversão: Joaquim Nabuco, em Mysterium Fidei, 1893, Paulo Setúbal, em Confiteor, 1935, e Gustavo Corção, em A descoberta do outro, 1944. (2)
Não é totalmente correto afirmar que não há registro da conversão de Murilo. Alguns flashes da cena são muito citados, como a memorável descrição de Pedro Nava em “O círio perfeito”.

Foi Nava quem contou com mais vagar o que aconteceu a Murilo diante do amigo morto, Ismael Nery. No volumes seis das suas Memórias, nos relata a cena da conversão. Depois de ter descrito a doença de Nery e a presença constante de Murilo, ao lado do amigo,narra o momento da fulguração. O alter-ego de Nava, o narrador Egon, ele também médico como Nava, diz ter desistido de ministrar uma dose de gardenal a Murilo porque o que, naquele momento, acontecia era mais complexo…O que ele está é sendo arrebatado num êxtase e o que estou vendo é o que viram os acompanhantes na estrada de Damasco quando Saulo rolou do cavalo e foi fulminado pela luz suprema. Exista ou não essa luz e esse fogo –
neles ou na sua impressão o Murilo acabou de encadear-se.(3)

A conversão de Murilo, segundo Nava, é inicialmente confundida com uma crise nervosa, mas para o escritor mineiro tratou-se de uma fulguração, nos moldes da conversão exemplar na tradição católica, a cena da queda do cavalo do soldado Paulo, na estrada para
Damasco. A cena, entre outras coisas, tem a função precisa de, aos olhos dos amigos, marcar uma mudança substancial da personalidade de Murilo. O convertido é outro homem. Diz Nava:

Quando três dias depois ressurgiu para os homens, tinha deixado de ser o antigo iconoclasta, o
homem desvairado, o poeta do poema piada e o sectário de Marx e Lenine. Estava transformado no ser
ponderoso, cheio de uma seriedade de pedra e no católico apostólico romano que seria até ao fim de sua
vida. Descrevera volta de cento e oitenta graus. Sua poesia tornara-se mais pura e trazia a mensagem
secreta da face invisível dos satélites.(4)

LEIA MAIS no link.

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Fontes:
(1) Arrigucci Jr., David. “Entre Amigos” (Prefácio) em Recordações de Ismael Nery, São Paulo: Edusp; Giordano, 1996, p.9.
(2) A. C. Villaça, O pensamento … op. cit., p.108.
(3) Pedro Nava em Círio Perfeito, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983, pp. 276-283 e pp. 313-319. A
lembrança de tal descrição está em Murilo Marcondes de Moura, Murilo Mendes. A poesia como
totalidade, São Paulo, Edusp/Giordano, 1995, p.43, n.58.
(4) Pedro Nava, op.cit. p. 319.

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