DO VERSO DE FERREIRA GULLAR
há lições a serem retiradas (da) e cotejadas com a realidade atual…(FGullar recebeu o prêmio Camões, 2010, foto sem (c) indicado
O livro “Dentro da Noite Veloz”, poemas de 1962-1974, é de 1975. O poema-título é de 24.07.69. Era a fase do poeta em oposição ao regime militar – estamos, portanto, diante daquele típico livro de combate…
“Dentro da Noite…” traz poemas diversos em que, mesmo tendo a poesia como arma de sobrevivência, não deixa de conter o estilo de José Ribamar Ferreira (Ferreira Gullar) que o levará à maturidade poética e como pensador e crítico da Cultura que chega a ser considerado “o rei” da poesia brasileira contemporânea (Piza, 1999).
‘Está fora
de meu alcance
o meu fim
Sei só até
onde sou
contemporâneo
de mim.’
Mesmo que o guerrilheiro argentino “Che” Guevara apareça como protagonista do poema datado “dentro da Noite”, o poeta não se esconde na militância – abdicando do verso que forjará o seu estilo com o passar dos anos…A doença do esquerdismo juvenil parece não perdurar na maturidade do poeta.
O poeta preso na Vila Militar (1969) pensa na liberdade como “sons de uma porta que bate”, de “árvores sob as nuvens; não havendo como não ver em Poesia com a marca do tempo, do combate temporário, a poesia dita datada – como se só o tempo presente parecesse interessar ao poeta: “A poesia é o presente” – diz. Ou quando, impotente diante da estarrecedora realidade da ditadura, o poeta clandestino (e depois exilado em B. Aires) (con)cede diante da realidade aterradora um mínimo para a estética ou para a poesis, preferindo “o neo-concreto” – corrente literária que por fim será um dos ícones:
“o poema, senhores,
não fede nem cheira”.
O Ferreira Gullar maduro é o poeta que, por mais uma vez, se bate contra a ditadura – agora a ditadura do PT, dos governantes de agora, prováveis parceiros de outrora…
E se antes denunciava a fome em seus poemas das décadas passadas, hoje alerta que “Lula comprou os pobres do Brasil”, pela barriga…mercadejando com a Fome dos Outros.
Gullar mostra-se antenado com o momento brasileiro e alerta-nos para os riscos da “táticas bolivarianas” postas em prática pelo governo do PT, como também o fez corajosamente a poetisa mineira Adélia Prado.
“Os intelectuais estão ausentes… os ditos artistas, intelectuais de esquerda…essas pessoas se calaram”.
”Os que faziam o panegírico
do PT, não tiveram a humildade de dizer: ERRAMOS!”
O País está naquele estágio em que Jean Braudillard chamava de
“transparência do Mal”…
Ele, o Mal, está por toda a parte, em todos os poderes da República, na vida do país.
O meu propósito aqui é apenas situar o leitor dentro do contexto da citação que faço abaixo (e não resenhar o livro do poeta Gullar, não sem dizer que para mim, este não passa de um livro ‘datado’ e menor dentro da obra inteira de Gullar. O poeta maduro está entre os que dona Adélia conclama a não se calarem diante da “transparência do Mal”…
Desejo, pois, agarrar-me a um trechinho do poema “Dentro da Noite…”, da noite real em que vivemos, da noite em que domina a insônia e os pesadelos motivados, ambos, pelo trágico desaparecimento de Eduardo Campos, candidato à Presidência da República. Diz o poeta ao final de “Dentro da Noite…”:
A vida muda como a água em folhas
o sonho em luz elétrica
a rosa desembrulha do carbono
o pássaro, da boca
mas
quando for tempoE é tempo todo tempo
mas
não basta um século para fazer a pétala
que um só minuto faz
ou não
mas
a vida muda
a vida muda o morto em multidão”
(F. Gullar, Rio, 24/7/69).
Aí está o tão famoso verso e seu contexto – “A vida muda o morto em multidão”.
Fiquei me perguntando, ao longo dos dias posteriores ao acidente que vitimou Eduardo Campos (13.08.14):
– Qual o papel do cadáver na política ? De quantos cadáveres de políticos se nutre a eleição de oportunistas de todos os matizes ?
Há no verso de Gullar uma resposta imediata – a do poeta, diante da história vivida. Há no Gullar maduro a mesma e continuada resposta da revolta contra os desmandos da esquerda de que ele sempre participou; provavelmente não tendo como ‘protagonista’ dos versos de outrora os mesmos nomes citados na juventude. Em artigo recente, o poeta age como crítico da (anti)Cultura política.
Em “Arte de enganar os pobres“, Gullar afirma que o PT pratica o “neopopulismo“, termo cunhado para “distigui-lo de outro, de décadas atrás, originário da direita, como o de Perón, na Argentina, e o de Getúlio Vargas, no Brasil; o atual, que Hugo Chávez intitulou de socialismo bolivariano, como o nome está dizendo, quer ser socialismo, isto é, de esquerda.”
Ainda dissecando a “transparência do Mal” praticado pelo PT e seus asseclas, o poeta disse com firmeza ao jornal português O Público que a tática do PT é a de “comprar os pobres do Brasil”, na linha mesma do raciocício de “Arte de enganar os pobres”.
Parece uma atitude do inconsciente coletivo, ao sabermos do acidente que vitimou Campos e seu staff mais próximo, pensarmos nos demais “cadáveres” de políticos: de Getúlio, passando por Tancredo, ao ainda insepulto jovem socialista Eduardo Campos. Bem o separe o leitor nos termos, pois que há “cadáveres políticos” e “políticos-cadáveres” (cadáver de político). Os que tocarão a alça do esquife de Campos serão “cadáveres políticos”? Os políticos cadavéricos que se insurgeme em salvadores da Pátria brasileira cavam sepulturas para o futuro dos seus compatriotas?
Quão largo é o cemitério desses cadáveres, que a todo dia fazem como os personagens de Érico (Antares) a sair do cemitério e assaltar a bolsa e a imaginação dos que continuam vivos-mortos?
Conclusão – Vivo, o imaginário político dava a Campos um grande potencial concorrencial. O PT o temia; agora o “endeusa”. De adversários renhidos, passaram a “aliados” e admiradores. Morto, qual será o papel de Eduardo Campos ? Mudará a vida em multidão para os que carregarem o “cadáver do político” que, mesmo insepulto, não está bem vivo para a Política? A caixa de comentários está aberta a meus seis leitores. © Beto Queiroz.
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