Quem é Georges Bernanos?


Termino com entusiasmo a leitura de “La Joie”, romance de Georges Bernanos, sempre me perguntando por que este importante escritor francês do século passado tem apenas um romance traduzido no Brasil e tão poucos comentários.
coletânea georges-bernanosAfinal, me perguntam jovens e até cinquentões acadêmicos, quem é Bernanos?

– Bernanos é um escritor francês do século XX, que fez parte do movimento chamado “nova literatura católica na França” – bloco impressionante, embora não homogêneo – na designação de Otto Maria Carpeaux.

Bernanos nasceu em 20 de fevereiro de 1888 em Paris, filho de pai de origem espanhola, mas “francês desde o início do séc. XVII, fixados na região da Lorraine”.

Para resumir em poucas palavras o que foi sua formação religiosa e moral, nas palavras do próprio autor:

– “Fui criado no respeito, no amor, mas também na mais livre compreensão possível. Na minha família católica e monarquista, sempre ouvi falar muito e livremente, com frequência e com dureza de monarquistas e de nós católicos”.

Leitor precoce de Balzac, Zola, Barbey D´Aurevilly, sir Walter Scott, Hello e Drumont – Bernanos se engajou desde cedo na causa monarquista e na Action Française (AF) – sem jamais se sentir confortável em qualquer das classificações políticas habituais (direita, esquerda, monarquista, republicano etc.).

Segundo seu filho Jean-Loup, ele foi sempre “profundamente católico e a sua maneira, ao mesmo tempo, anti-clerical e anti-conservador”. Um exemplo claro disso: em sua vida, nômade por excelência, Bernanos reagiu fortemente à repressão franquista à ilha de Majorca (onde morou por um período, em um dos seus inúmeros endereços em toda a vida) e, se isso o aproximou da esquerda, foi crítico da direita do pré-guerra de 45. E depois, após a vitória aliada, o ´sucesso` da esquerda francesa lhe parecia insuportável e o deixava em desconforto. Quando deixa a França, mudando-se para Majorca, ele próprio afirma:

– “Pude observar a que profundidade o veneno totalitário pode corromper as consciências católicas e até mesmo as consciências sacerdotais”.

Tendo um dos seus livros condenado pelo papa Pio XI, por influência dos católicos espanhóis, Bernanos deixa a Espanha em 37 e volta à França onde encontra um “clima de derrota e ruína das consciências” que o faz prever a derrota militar iminente. Há o que ele chama de tripla corrupção – nazista, fascista e marxistaonde não havia nada preservado daquilo que aprendera a respeitar e amar. E por isso, Bernanos, deixa a França.

Bernanos vem para o novo continente – primeiro para o Paraguai e depois para o Brasil, fixando-se em uma fazenda em Minas Gerais. Nessa fazenda isolada, o escritor católico influencia toda uma inteligência cristã que o ouve aqui, apesar do aparente isolamento em Paracatu e Cruz das Almas, e envia artigos para jornais franceses, até com prejuízo para a sua criação literária.

Falando com um jovem e dileto amigo que me perguntava porque só podemos encontrar um único livro (Diário de um Pároco de Aldeia, Paulus, 2000) seu traduzido em português, fico meio sem resposta.

– Talvez porque os ditos escritores católicos pouco interessam hoje ou, por outra, e talvez certamente, há um complô contra os escritores moralistas e que por sua literatura não contribuem para a ´revolução gramsciana` em vigor na mídia brasileira. Vide o exemplo de toda uma inteligência católica não lida, não divulgada, não comentada, até diria expurgada do noticiário.

Esse escritor nômade, que enfrentou as adversidades de sua vida, fixa-se em Cruz-das-Almas, que me encanta com sua obra de ficção diz de si mesmo:

Para mim, a obra de um artista não é nunca a soma de suas decepções, sofrimentos e dúvidas, do mal e do bem de toda sua vida, mas de sua vida ela própria, transfigurada, iluminada, reconciliada. Sei bem que não se prova nunca do vinho novo desta reconciliação consigo próprio, senão quando a colheita é feita – como a dor física que pode se prolongar muito depois de terminada a sua causa – e assim, tendo acontecido essa reconcialiação, fruto de um esforço imenso, nós continuamos ainda a desejá-la. Porque nossa felicidade interior não nos pertence mais do que a obra que ela motiva: é preciso que nós tenhamos nos doado, à medida que morremos vazios, que morremos como natimortos (…) antes de despertar, de um `seuil franchi´ na doce piedade de Deus, como de uma manhã fresca e profunda.
+++++
Fonte: “Georges Bernanos: Romans“, Edit. Librairie Plon, 1994, Prefácio de Michel del Castillo, nota biográfica de Jean-Loup Bernanos.

19 respostas em “Quem é Georges Bernanos?

    • Caríssima:

      Obrigado por divulgar o museu de Bernanos de Barbacena. Todas às vezes que vou lá tenho, difilculdades em conhecer os horários de funcionamento. Tentei uma vez e estava fechado e na cidade quase ninguém se dá conta de sua existência. Na estação Rodoviária sequer consta do roteiro turístico da cidade, pelo que percebi. Poderia me dar umas dicas?
      Sinceramente muito obrigado.

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  4. Merci de votre visite, Juan Asensio.
    J´ai visité votre site. C´est vrai que pour les francophones il y a pas mal de textes sur la literature en general et sur Bernanos particulierement.
    Je suis en train de lire votre essai “Bernanos, la guerre, Satan, la critique” paru dsur Stalker.
    J´ai beaucoup aimé cela: “Il faudrait méditer des années avant d´oser écrire une seule ligne sur G.Bernanos”. C´est vrai que cet homme géant de la Foi a écrit “sous la dictée da la petite fille Espérance”.
    La guerre a fait que Bernanos prénait la décision de vivre auilleurs et le Brésil l´a reçu comme un fils. Il a vecu à Barbacena (Minas Gerais) où il a trouver “son petit coin, son foyer, pour y cuver sa honte da sa malheureuse France”… et il a fait pas mal des amis chez nous. Sa vie et sa literature ont influé sur toute une géneration d´ecrivains brésiliens. Aujourd´hui ça dure, parce que deux livres de Bernanos sont toujour lues (et aimés) par la nouvelle géneration: “Sur le Soleil de Satan” et “Le Journal d´un Curé…”
    Merci de votre visite et pardonnez moi mes fautes de Français.
    Amitiés,
    Beto.

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  5. Bonjour, je vous en prie : je serais heureux si je pouvais m’exprimer dans votre langue comme vous le faites dans la mienne !
    Une question : quel est, selon vous, l’auteur brésilien qui a revendiqué Georges Bernanos avec le plus de sérieux ?
    Autre chose : en France, l’oeuvre de Georges Bernanos n’est plus vraiment citée, hélas…
    Mes amitiés.

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  6. Mon cher J Asensio,
    C´est dommage que la France ait oublié un si important fils…
    Nous, par contre, nous aimons Bernanos. Il a laissé très grands amis chez nous, que sont la majorité disparu déjà.
    Il y avait par exemple un très influent écrivain chez nous (catholique, mais aussi reconnu chez les infidèles), son nom Alceu Amoroso Lima; il y avait d´autres aussi grands que Alceu: Álvaro Lins, Virgílio de Mello Franco, Augusto F. Schmidt, Jorge de Lima et d´autres amis.
    J´ai un rêve de répendre ces éditions très vieilles pour que la jeunesse brésilienne puisse mieux connaitre l´oeuvre de Bernanos…
    Ciao.
    Beto

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