DIANTE DO ALTAR em púrpura, meu coração se desfaz em água a mais limpa, no sal de meus dias e minhas fraquezas.
A mesa posta e a fração de pão me transportam para o tempo de minha avó.
É um tempo tão distante, medito às vésperas de cantar um Santo, Santo é o Senhor, Hosana nas Alturas…
Meu coração é um quintal cheio de árvores e na sombra da tarde, – em que minha avó comia manga com faca -, meu coração sossega na certeza da fruta-conde que amadurece silenciosa.
Deus nos fala no silêncio… – diz o vigário em seu entendimento, também saudoso de seus mortos.
Desvio o olhar aquoso de seus olhos para o rosto de Nossa Senhora da Boa Esperança, Rainha da Paz.
Saudade do campo santo, de onde não vejo minha avó há tantos anos, saudade da infância do mundo, quando o primeiro Adão chorava em silêncio no vazio das noites a distância da avó.
Finados, saudades de sinos que não soam mais, saudando os defuntos. Neste Finados meu coração ainda ouve suas badaladas silentes e há de sonhar com o mar de Pernambuco inundando a noite do só.
Finados, ouço Murilo dizer:
“O oceano sentou-se no lajedo.
Vem, estrela dançante sobre as covas,
Vem, lua de milênios, morna e oca,
Tudo vem para nossa biografia.”
É hora da comunhão e eu me ponho em fila, pés arrastando sobre o lajedo frio, buscando a lembrança que o Encarnado nos deixou.
Saudades do tempo em que o rádio se calava dos seus ruídos comezinhos e era quase só a música do Silêncio, no entanto, agora alguém percute um instrumento em seu louvor, Divino Pai Eterno…
Finados, ecoa Murilo
“Nesta noite somando espaço e tempo,
A humanidade, desde o pai Adão,
Ante mim ressuscita grandiosa,
Apesar da sua estranha pequenez”
Finados, lembrança da vida que o Menino de Nazaré na manjedoura breve inaugura…
+++++ Fonte – Mendes, Murilo. Poesia Completa (“Sonetos Brancos”), Ed. Nova Aguilar, pág. 452-3. Para meditar mais.“Nossa forma futura e eterna se desenha
Através a fumaça azul da guerra atômica.
Elementos mais fortes que os do mundo
“O espírito da vida em si contém
Desde já que os façamos explodir
Antes do amarelo apelo da trombeta.”