Malagar: lugar de cultura situado a quatro dezenas de km. de Bordeaux, França, perto de Langon (Saint-Maixant), é desde 1843 propriedade da família Mauriac, cujo filho mais ilustre foi o prêmio Nobel de Literatura François MAURIAC (em 1952). Hoje, a propriedade se transformou numa casa-museu por iniciativa do governo da Région Aquitaine, que segundo a feliz frase de Jean Mauriac “a sauvé Malagar et l’a ressuscité“.
Mas o que realmente um verbete como este diz à emoção?
– Devo, pois, contar a você como tudo começou…
Era eu apenas um moço sonhador e sem dinheiro no bolso, sonhando com a França e vivendo na mais bela cidade do sul do Brasil: a gloriosa séde do G.F.Porto-Alegrense – nos tardios 70, quando estudante da A.F. (Aliance Française) ganhei um livrinho como o melhor aluno do N-3 – 9h/12h (“avec les compliments de l’Alliance Française de Porto Alegre“).
Seu título – Thèrese DesQueyroux – o nome da personagem que até parecia com meu nome de família (Queiroz), mas não o li de pronto, confesso!
Era uma questão de oportunidade e de domínio da lingua, só no prefácio sublinhei mais de 50 palavras e expressões, antes de desistir da leitura, que só dominei uns dez anos depois.
Esse livrinho quase de bolso haveria de fazer parte de toda a compreensão que tive nos meus cinquent’anos por artimanhas do destino ou por galicismos d’alma (o pecado, a culpa, a ilusão da santidade) que só Santa Teresa D’Ávila (ou S. João da Cruz) pode(m) explicar. Mudei-me de casa umas tantas vezes, segui um catecismo gramsciano antes de estudar (e adotar) o Catecismo da Igreja Católica, desde então vivi em algumas cidades, fui tentado em duas universidades, bebi bons vinhos, lutei, fiquei irado muitas vezes, votei e pedi votos, revoltei-me, e me entusiasmei, desisti de algumas causas, perdoei, esqueci, vivi…
Fiz de meu melhor refúgio o celeiro de livros em minha casa au-rez de chausseux, onde cuido da meu jardim. Assim que deparei novamente com Mauriac pela pena de um escritor notável que me levou a encarar o desafio de ler não só Mauriac, como todos os escritores ditos Católicos Franceses dos anos 50 (como reporta em sua história o sr. Otto Maria Carpeaux – designando o movimento da chamada “nova literatura católica na França como “bloco impressionante, embora não homogêneo”).
Pois bem, literatices à parte, fui no ano passado a Malagar. Por obra e mão de uma amiga francesa que conheci na Internet, estávamos no comboio de Bordeaux rumo a Malagar eu e minha Sherazade, com o casal francês amigo (Maité et Jacky).
Há uma série de fotos no Multiply para os amigos dos meus amigos e de minha mulher que podem ser vistas como registro desta visita, mas em minha mente, trago as recordações de visitar esta casa-museu como um príncipe em Bordeaux.
Respeitado, mimado, un vrai enfant gaté, ali estava eu no automóvel de meus amigos em direção à propriedade da família Mauriac como se sentia Jean M. respondendo à segunda pergunta da importante enquete que compõe este livro:
– La nature des liens? C’était de l’amour.
Seu pai havia escrito sobre Malagar:
– “Malagar é uma pessoa para mim.”
Mas esse amor por Malagar que veio tarde na vida de François Mauriac (pois que Saint-Symphorien foi o primeiro amor de sua vida em termos de propriedade) e veio intenso, como as paixões tardias. Ali escreveu menos, mas se apegou à propriedade de forma a que hoje tenha sido escolhida como o museu Mauriac. O visitante ali pode assistir a videos, participar de uma visita guiada, comprar livros e vinhos (não tão surpreendentes!) e viver momentos do grande romancista.
Em Malagar, depois de pisar citações e folhas sobre a relva, foi como se reencontrasse meu chapéu de palha, que fora recebido como presente em Aix-en-Provence e perdido na viagem da Provence a Bordeaux. Esquecido alhures, eu o revi numa estante da casa-museu em que o chapéu das caminhadas de François Mauriac era como se me devolvesse (sem direito a fotos) a alegria do presente de um amigo. O escritor católico e o judeu amigo se juntam na minha melhor lembrança – 0 que me presenteara nos arredores de Aix-en-Provence com um chapéu que este cristão havia de esquecer ao longo da curta viagem de carro até Bordeaux e o escritor católico que tem sua memória guardada numa casa-museu, respeitado seu panamá em um nicho que não pode ser fotografado.
Se Mauriac possui um museu porta aberta ao mundo, como é esta propriedade de Malagar, outro escritor do mesmo período e de igual qualidade (G. Bernanos) não possui senão a memória desordenada em Barbacena, mas seu lugar cultural e afetivo está nos corações e mentes dos leitores de todo o mundo, mas este é um post sobre Malagar e Mauriac e isso é outra estória.
+++++
Fontes:
Fotos do Multiply de Maité Ladrat , textos de “Malagar”, de Jean Mauriac, Ed. Sables, 1998. (Entrevista com Eric des Garets).
Para saber Mais: Faça uma Visita virtual ao Domaine de Malagar.
Uau…quanto lembrança junta, Zadig.
Caro Beto, apesar de pouco comentar por aqui, virei leitor do blog por meio de nossa amiga em comum Monica e seu Et Alors… Resolvi fazer um convite para você e não sei se topará, mas seria curioso, tamanha sua cultura e conhecimento.
Forte abraço para você e beijos para o bebê que logo você verá…hehe
+++++
Obrigado pela visita, João.
Desafio aceito. Em breve, publicarei o post sobre o assunto.
Amitiés,
BetoQ.
CurtirCurtir
Pingback: 5 escritores e 5 destinos diversos « Adalberto de Queiroz
Pingback: 5 escritores e 5 destinos diversos « Adalberto de Queiroz