Virgílio (1)


“Então tu és Virgílio, aquela fonte
que expande de eloquência um largo rio?”
– perguntei-lhe, baixando humilde a fronte.

“Dos outros poetas honra e desafio,
valham-me o longo esforço e o fundo amor
que ao teu poema votei anos a fio.

Na verdade, és meu mestre e meu autor;
ao teu exemplo devo, deslumbrado,
o belo estilo que é meu só valor”.

São palavras de Dante no Canto I do Inferno (Commedia, depois reintitulada por Boccacio de Divina Comédia), resgatadas da introdução de Nogueira Moutinho à tradução brasileira das BUCÓLICAS (Virgílio), feita por Péricles Eugênio da Silva Ramos (“Virgílio, o pai do Ocidente”).

“C´est le plus grand génie que l´humanité ait jamais produit, inspiré d´un soufle vraiment divin, le prophète de Rome” – afirmou Paul Claudel.

PUBLIUS VERGILIUS MARO (70 a.C/19 a.C.). “Os grandes poetas anunciam-se muito cedo” – diz John Macy. O primeiro trabalho de Virgílio foram as Éclogas ou Bucólicas, poemas da vida campesina, lendas imitadas de Teocrito e impregnadas do amor do poeta pelo norte da Itália onde então vivia. Foi ele que anunciou o nascimento do Cristo – segundo a crença corrente entre os cristãos primitivos e confirmada ao longo da vida da Igreja.

As Geórgicas…são um canto da vida rural, dos campos, do gado, das árvores. Justifica-se a ideia de Mecenas, o protetor dos poetas, de encorajar Virgílio a descrever a vida rural de modo a induzir o povo à volta aos campos.” (John Macy, traduzido por Monteiro Lobato).Virgilio_Verso

“Naquele assunto o gênio do poeta se achava em casa, mais à vontade ainda do que na Eneida. Virgílio amava a terra tão profundamente como o seu mestre Hesíodo e conhecia de contacto pessoal a vida do campo. As cenas que pinta mostram-se ainda hoje frescas como o eram há dois mil anos. Seus rouxinóis gorgeiam tal qual o de Keats.
Livros sobre poesia grega e latina

“A Eneida foi de algum modo uma empresa patriótica. O herói do poema, mais que Enéias, era a própria cidade de Roma.
[…]
“Num tempo como o nosso em que a Poesia não passa de mero recreio é impossível compreender a recepção que os romanos deram ao poema de Virgílio. Naqueles versos se expressava o verdadeiro ideal do povo. Graças a isso e à perfeição da forma, a Eneida superou tudo quanto a literatura latina produzira até então.

“Virgílio não viveu o bastante para conhecer a grande obra que havia feito. O poema só foi publicado depois de sua morte. Diz a história que ele se mostrava tão mal satisfeito da obra que a queria destruir, só não o fazendo graças à interposição de amigos e ordem de Augusto. Como esse imperador fosse o herói final do poema, tinha razão para zelar pela filha do seu mais notável súdito. Se Virgílio vivesse um pouco mais teria sido coroado e colocado logo abaixo do imperador. Seu túmulo tornou-se um santuário – e havemos de concordar que nenhum poeta mereceu tanto.”

Muitos anos depois, Hermann Broch escreveu o romance “em que se projeta por inteiro” (A morte de Virgílio, 1958), traduzido no Brasil pelo mestre Herbert Caro.

“Hannah Arendt, no magistral ensaio que escreveu sobre Broch, diz que a tragédia central de sua (dele) vida foi sua luta para não ser poeta. Neste sentido, A morte de Virgílio é uma grande capitulação. Nele, Broch rende-se à poesia. À poesia que ele transforma em cosmogonia, cosmologia e humanologia.”

[…]
“…o monólogo no livro de Broch é “como um comentário lírico – comentário, no preciso sentido musical do termo: no seu texto a poesia contraponteia com a poesia. Esse contraponto exigiu, inclusive, de Broch, o uso da intertextualidade, como a absorção, no corpo fremente de seu poema, de tópicos das Geórgicas, das Bucólicas e da Eneida, numa interação que permite apresentar a consciência de Virgílio, em estado de criação contínua, em perpétua ação criativa. “Um poeta é um homem que possui a dádiva de dominar a loucura e guiá-la” – diz Broch, numa passagem de seu poema (romance) sobre Virgílio.
“É essa possessão órfica, elevada aos mais intenso grau lírico que vai levar agora, através da Morte de Virgílio, o leitor brasileiro ao pórtico do alumbramento”
(Franklin de Oliveira, “Entrada no alumbramento”, introd. à ed. brasileira de “A morte de Virgílio, Broch, edit. Nova Fronteira, 1982).

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