Poesia Metafísica (3)


John Donne

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DIFÍCIL DIZER ALGO RELEVANTE, agora,
neste século em que o mundo se mostra às avessas,
de ponta-cabeça; difícil quando o que temos é apenas…

“um….mundo
Fora dos eixos,
como de nascença, manco…”

QUANDO o amigo te anuncia solene o veredicto dos ‘especialistas’:

“Não publique versos, principalmente não os publique em linhas destacadas, i.e., versos alinhados como versos foram compostos, paridos, suados, tirados à fórceps da idéia do poeta…que os tirou de alhures, do éter, do Todo…
É como se anunciasse a morte de Elizabeth Drury ou de Laura, a Donne ou a Petrarca. Penso:

“….o corpo é nada, morto o coração,
A não ser que te nutras (banquetear-te, não!)
Do alimento transcendente – a Religião.”

As pessoas não lêem. Não se interessam por versos… E, afinal, todos queremos ser lidos, todos queremos audiência.
Um dos males do século é a audiência. O desejo dela. A ausência.
O inopinado desejo de possui-la, mesmo que ao preço do estupro mental.
Se cresces assim, à caça de tal público…segreda-me Elizabeth:

“….Por mais que cresças, cresces apoucado e seco.”

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Oi! Se ainda estás por aqui, a ler…és dos poucos, daqueles 3 que valem 300! –

NÃO PERTENCES, CERTAMENTE, ÀQUELA FATIA DO PÚBLICO ÁVIDO PELO RUÍDO DO MUNDO, ÉS – QUEM SABE? – UM “LEITOR PETULANTE” – NEM TÃO DISPOSTO AO “QUEIMAR DE PESTANAS” DE BIBLIOTECAS ANTIGAS, MAS À CUSTA DE UM TEMPO LONGE DA TV, JÁ TE IMBUÍSTE DO DEVER DE IR ADIANTE, LER, ENTENDER, PELO SIMPLES GOSTO DE FAZÊ-LO, SEM TER QUE GANHAR ALGO COM ISSO.
FUGISTES DA AULA DE “VENHA CONQUISTAR MULTIDÕES” (DO MARKETING DE PIRÂMIDE) – DOS QUE CONSTRÓEM APLAUSOS AOS MILHARES E ERVILHAS NOS CÉREBROS DOS LEITORES…

VEM, POIS, COMIGO POR 5 MINUTOS ler trechos de um poema de JOHN DONNE*:

NOSSA AMBIÇÃO É O MUNDO DE DEUS DESFAZER;
DO NADA ELE NOS FEZ, E ORA NOSSO PRAZER
É AO NADA VOLTAR, E ESSE É O NOSSO EMPENHO:
TUDO RÁPIDO, COMO ELE FEZ, DESMANCHAR,

E ATÉ DOENÇAS NOVAS PARA NÓS FORJAR,
E A NOVA MEDICINA – INDA PIOR ENGENHO.
E O HOMEM, DESTE MUNDO VICE-IMPERADOR,
COM FACULDADES E DOTES A SEU DISPOR –

QUE, SE EM INFERIORES SERES SÃO ENCONTRADOS,
LÁ ESTÃO A SEU SERVIÇO, SÃO SEUS DELEGADOS,
P’RA QUE OS SUBJUGUE E REDUZA À SUA VONTADE,
PARA PROVEITO SEU, À DOMESTICIDADE –
ESTE HOMEM QUE DEUS AMOU, SEM NEM ESPERAR
QUE ELE SE ERGUESSE, POR ELE À TERRA BAIXOU,

ESTE HOMEM TÃO RICO – DEUS TUDO LHE QUIS DAR –
OH! QUE INSIGNIFICÂNCIA, QUÃO POBRE FICOU!
SE ELE FOI ALGO, AGORA TUDO ESTÁ DESFEITO;
OU MESMO SE AJUDADO A CURAR O MAL FEITO,

A ALGUMA COISA SALVAR, NA SEPARAÇÃO
DA QUE PRANTEAMOS, FOI-SE-LHE O CORAÇÃO.
ESSA, POR SÁBIOS ANTIGOS PROFETIZADA,
QUANDO DAVAM À VIRTUDE O TRATAMENTO ‘ELA’,

ESSA, CUJA VIRTUDE ERA TÃO REFINADA
QUE, PARA MODERAR A FORTE MENTE DELA
ASSUMIU O SEXO FRACO, E QUE ISENTAR
PODIA, DO VENENO E DA MANCHA DE EVA
SEUS PENSAMENTOS E ATOS, E PURIFICAR

TODAS AS COISAS POR UMA SANTA ALQUIMIA –
ELA, ELA MORREU; E MORTA; E PENSAR NISTO
MOSTRA QUE COISA À TOA É O HOMEM, E SEM VALIA –
E ASSIM APRENDES BEM COM A NOSSA ANATOMIA:

SABES, O CORPO É NADA, MORTO O CORAÇÃO,
A NÃO SER QUE TE NUTRAS (BANQUETEAR-TE, NÃO!)
de alimento transcendente – a religião.

sê mais que homem, ou serás menos que inseto.
tal como a raça humana, está também o mundo
fora dos eixos, como de nascença, manco;
quando ainda não finda a obra que deus criou,
veio a corrupção, e os melhores depravou:
primeiro, alguns dos anjos sucumbiram ao mal,
e o mundo, ainda no berço, sofreu uma queda,
desandou-se-lhe a mente – e o todo se quebra,
rompendo as juntas da estrutura universal.
A parte mais nobre sentiu-a logo, a humana;
presas à maldição do homem, feras, plantas –
desde a primeira hora o mundo decaía,
um anoitecer foi o princípio do dia,
e, ora, as próprias primaveras e verões
são quais rebentos de cinquentonas malsãs.

Nova filosofia de tudo duvida,
o fogo, como elemento, é coisa abolida
perdeu-se o sol, e a terra. e a inventividade
humana p’ra achá-los não tem capacidade,
e o homem confessa que este mundo está gasto

Quando por todo o firmamento, entre os astros,
ele procura mundos novos; tem consciência
de que este esfacelou-se, voltando a seus átomos –
tudo em pedaços, foi-se toda a coerência,
toda justa provisão, toda relação:

rei-súdito, pai-filho, esquecida hierarquia,
e não há mais homem algum que não se iguale
a uma fênix, pois ninguém mais haveria
daquela espécie de que ele é, senão ele.
e deste mundo agora é esta a condição…

(…)que a doença deste mundo, não se devia
buscar em seus humores ou em dada parte,
Pois, se o sabes corrompido no coração
Já sabes que a febre alastrou-se e se reparte
por toda a substância, não há mais salvação.
e só tens um caminho – não acomodar-te
ao mal do mundo, para não ser dele parte.

Pois do mundo o lado imaterial mais sensível
sofre os dardos do tempo, a chaga corruptível,
foi-se a beleza do mundo, em consumição.

(…)
o verso é um meio-termo: o céu guarda as almas,
o túmulo, os corpos; o verso, a glória encerra.

 Link para o poema de Donne, em inglês, na íntegra.

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(*) John Donne – Anniversary – 1st. (Primeiro Aniversário) – Anatomia do Mundo – poema da série Anniversaries (Aniversários) em que o poeta metafísico inglês celebra em forma de Elegias os anos post-mortem de sua musa inspiradora – Elizabeth Drury – uma “espécie de Laura de Petrarca” e a cuja morte o poeta J. Donne atribuía “o desconcerto do mundo”. Mais poemas de J. Donne em inglês.

3 respostas em “Poesia Metafísica (3)

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