Saudades de Merquior (i)


RETIRO da estante meu exemplar de “ARTE E SOCIEDADE EM Marcuse, Adorno e Benjamin”, jose_guilherme_merquiorde José Guilherme Merquior (1).
O livro é datado de julho de 1979, Porto Alegre. Reabrir o volume me transporta aos estudos de Comunicação, na URGS. Lembro-me de muitos professores de ideologia marxista, mas me lembro de alguns poucos conservadores. Livro JGMerquior
Um deles foi fundamental em minha vida acadêmica, ao me emprestar um livro definitivo (“Castelo Interior e Moradas”, de Sta. Teresa d’Ávila), o qual nunca tive a chance de devevolver ao proprietário – professor Silvio Duncan, de saudosa memória. Na Fabico (Fac. de Bibliot. e Comunicação) e pela mão de outra professora de quem esqueço o nome, mas não o agateado dos olhos, conheci J.G.Merquior e a necessidade da arte.
Bem, mas agora é hora de falar um pouco sobre o livro em epígrafe e não da doutora da Igreja…
O contexto dessas notas é que comecei a seguir o Seminário de Filosofia do professor Olavo de Carvalho, justamente na aula 232, justamente referente ao estudo da escola de Frankfurt.

A discussão começa com um texto de Robin-Philips sobre Herbert Marcuse,  ‘o renegado’ se olharmos a escola do ponto de vista de um “retorno ao futuro” – , mas “o membro mais conhecido do movimento por causa de sua capacidade de se comunicar com a juventude de forma eficaz. O movimento hippie o adotou como seu guru intelectual, e Marcuse, por sua vez, abasteceu a geração mais jovem com um fluxo constante de propaganda destinada a santificar os impulsos rebeldes da juventude. (Foi ele quem inventou o slogan ‘Faça amor, não guerra’)”.

SE Marcuse teve o maior sucesso entre os jovens dos tardios ‘60, e logo depois sua teoria meio que virou pó, outro é o caso de Walter Benjamin e mesmo de Theodor Adorno permaneceram e diversificaram suas abordagens (música para Adorno; a presença do transcendental – os anjos em Benjamin(1), p.ex.) .
Eu, como todo bom aluno (submetido ao treinamento universitário de esquerdismo) dos anos ‘70, escrevi um trabalho de curso sobre as relações entre Capital e Trabalho, a partir da perspectiva Marcusiana da dicotomia “Eros x Tânatos” – princípio do prazer x princípio de realidade. Uau!  Coisa mesmo para ser rasgada, como o fez tanta gente com os poemas cometidos em sua juventude.

Folheando o livro, acho um recorte amarelado de um artigo de Merquior, no DM, Goiânia, de 1984, que remete à discussão no seminário, sobre a negatividade nos Frankfurtianos e a influência desses no mundo do trabalho nos EUA e alhures (onde houver um doutrinador acadêmico neo-hegeliano ou marxista, será sempre uma lavagem cerebral contra a ordem estabelecida – e dentro desta contra o Trabalho). No próximo post, vou postar o artigo inteiro, por ora, recorro à citação do trecho abaixo, com destaque para a interpretação mais pontual do trecho em que Merquior  aponta no “revolucionarismo” do nosso tempo uma marca especial – “a peculiaridade da nossa época é que a mentalidade ‘humanística’ da intelligentsia radical sonha pôr a técnica da revolução politica a serviço do ânimo de revolta boêmia”.
Eis uma maneira de compreender os revoltosos do badernaços de classe média, desde a “chienlit” parisiense dos ’68, passando pelos hippies norte-americanos em seu delírio californiano, com seu horror ao trabalho (em geral e, principalmente, em suas formas tradicionais), chegando aos inúmeros professores “hipnotizados” pela teoria da negatividade de Marcuse em escolas de ponta nos EUA.

Mais recentemente, quase 50 anos depois, entre nós brasileiros parece que Marcuse continua a ser o que J.G.M. suspeitava em 1979: “…Marcuse é hoje o nome da moda, o profeta, mais citado do que lido, dos simpatizantes entusiásticos das ‘revoluções culturais’. Pois é…” – e ei-los os hipnotizados por Herbert Marcuse (et caterva) em abundância entre nossos docentes das Universidades públicas brasileiras, capacitando os jovens nas ideologias esquerdizantes do revolucionarismo; passando por parte do clero católico e sua adesão à “Teologia da Libertação”; e, daí, até chegarmos às figurinhas carimbadas dos “black-blocs” – filhos bastardos do revolucionarismo; com o agravante de que estes, recrutados na classe média brasileira e/ou dentro da burocracia estatal, constróem barricadas de  uma espécie de “revolta boêmia”, de modo bem mais etílico, mais destruidor e (aparentemente, bem remunerado) – diferente do que o fizeram Baudelaire e Wagner, em tempos mais românticos.


Na sociedade, cujo horizonte é a progressiva robotizacão de todo trabalho pesado ou meramente rotineiro, muitos jovens e intelectuais clamam contra a ‘civilização repressiva’ e condenam como irremissivelmente alienantes as disciplinas mínimas necessárias ao funcionalismo da produção cao avanço da ciência. Esse paradoxo tem de ultrajar o moralista mas não tem como intrigar o sociólogo, que o compreende sem justificá-lo. A burguesia vitoriana enfrentou dois grandes modos de protesto e dissidência: o revolucionarismo das massas sem conforto nem voto e a revolta boêmia, do artista romântico ou ‘decadente’.
“Wagner e Baudelaire, que participaram das barricadas de 1848, mas depois se tornaram pais fundadores do decadentismo europeu, – 
encarnam perfeitamente esses dois cismas ideológicos.
“A peculiaridade da nossa época é que a mentalidade “humanística” da intelligentsia radical sonha pôr a técnica da revolução politica a serviço do ânimo de revolta boêmia. Porém, o despertar desse sonho é um verdadeiro pesadelo – o tenebroso colapso das liberdades. onde quer que direito ie economia tenham sido arruinados por urna monocracia ideológica.
“Por isso, entre nós, o sentido do progresso não reside mais na poesia apocaliptica das revoluções, mas na prosa das reformas objetivamente equacionadas e democraticamente executadas.


A chamada escola neohegeliana de Frankfurt, segundo J.G.M., foi originariamente composta de Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse e Siegfried Kracauer; a ela se incorporaram depois Erich Fromm [este, uma surpresa pra mim, que senti a falta de Habermas! na lista de Robin-Phillips], Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Wilhelm Reich, Georg Lukács e muitos outros.
Estes homens estavam desiludidos com a sociedade ocidental e os valores tradicionais”, diz Robin Phillips, no artigo “O Ilusionista”
(texto-base da aula 233 e seguintes do Seminário de Filosofia do professor O.C.).

Lukács, que ajudou a fundar a escola, disse que o seu objetivo era responder a seguinte pergunta: ‘Quem nos salvará da civilização ocidental’? – (R.P.)

A partir do estudo de Hegel e chegando a Marx e Freud, o grupo funda o que passa a se denominar de “pensamento negativo”. O propósito final deste grupo era o de “realizar um grande encontro histórico” entre “a essência criadora do homem” e (se assimilando) ao pensamento do negativo”. Criação, imaginação e negatividade, contra o que sria a cultura dominatnte; e partiram, assim “tão bem armados” ideologicamente, para a recusa do existente; ou como diz o professor-filósofo Olavo de Carvalho: “…negando tudo para estabelecer algo que nem eles mesmos sabiam o que poderia ser…Um mundo onde o bem só poderia existir sob a forma invertida (i.e., negativa e destrutiva)”. Talvez, por isso mesmo, Lukács tenha afirmado (cfme. Robin-Philips no artigo citado) que “a destruição revolucionária da sociedade” era a “única solução”

image

No meio dessa deserto de negatividade e desejo de desconstrução-aniquilação, no entanto, salvam-se belos textos entre os membros da Escola de Frankfurt.
É a conclusão a que chegam Olavo e Merquior, este depois de perguntar
“…que aplicação estética pode-se fazer de uma tal posição de negatividade?” – responde: “…alguns membros da escola escreveram textos notáveis sobre arte; nenhum deles deixa de interessar-se pelo terreno artístico.

Kracauer tem “ensaio penetrante”(sic) sobre cinema – “From Caligari to Hitler”; Theodor Adorno tem a sua tão conhecida “Filosofia da Música Moderna” (além de “Dissonâncias”), em que o jazz e até os ritmos brasileiros tem seu lugar. O leitor interessado encontrará em J.G.M. todo um capítulo referente à estética do pensamento de Adorno (e também uma crítica desta e da estética de Lukàcs), que vale muito a pena ser lido –
da pág. 46 a 96 (ref. 1, abaixo).

A parte II do livro de Merquior ( “AS-ABW” ) – contém seis seções dedicadas a Walter Benjamin. Não é sem razão que Benjamin foi da tríade de frankfurtianos o que mais me interessou. JGM aprecia alguns aspectos interessantes do pensamento Benjaminiano, a saber a variante que WB fez da noção hegeliana de “alienação”; tratou do conceito-chave de sua estética (dele Benjamin) – o conceito de “alegoria”; analisou a “forma específica do método crítico dele, o ensaio, e seus pressupostos ontológicos”; dedicou-se “à sua interpretação da arte moderna”; diferenças entre a estética de Benjamin e a de Adorno; e, por último, analisa o “fundo filosófico” de seu conceito de História.

Registro de Merquior sobre W. Benjamin:
Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, seis anos antes de Marcuse e onze antes de seu primo Adorno. Suicidou-se em 1940, para escapar à Gestapo, a quem acreditava que a polícia espanhola o iria entregar. Ligado ao grupo de Adorno e Horkheimer desde o fim dos anos 20, WB só passa a integrar o “Institut für Sozialforschung” – órgão centralizador da “escola” de Frankfurt, quando este se transfere para a França, devido à chegada do Nazismo ao poder. Seu primo Adorno foi o responsável por publicar postumamente vários dos ensaios de WB.
Merquior considera que Benjamin “foi, sem dúvida, a personalidade mais sofisticada e a cultura mais polimorfa dos componentes da escola”. Ele não emigrou para os EUA, como Adorno, Marcuse e Horkheimer, esses refinados burgueses judeus, europeus que, na América, encontraram guarida para suas idéias e terreno fértil para criticar a cultura que os recebera.
“Como converter o mundo teológico judaico numa ideologia da revolução?” – questiona Olavo de Carvalho. Encontrar Deus e a missão profética de Israel suscita algo de esperança. Nada sobrou na desconstrução desses agentes, nada sobrou aos frankfurtianos (exceto a Benjamin, ouso dizer): nem um povo eleito, nem uma esperança (pois não há mais como se apoiar nos proletários, nem judeus), mas sobrou para “eles mesmos” – os negativistas frankfurtianos (“nós mesmos”…).

Aquele grupo em particular (como representantes de um povo profético vazio), possuía também “uma missão profética que se orienta pela crítica radical de tudo” (O.C.). E continua: “eles enxergam-se a si próprios como destruitores de tudo…” Uma insanidade pensante, diria este blogueiro.
Mas, afinal, então, “qual o fundamento psíquico dos membros dessa escola?” retomo a pergunta do professor Olavo. Como excelente argumentador, o professor utiliza o mesmo preceito Nitzscheano de buscar o fundamento psíquico, emocional, de buscar a motivação emocional por trás das idéias desta Escola da Negatividade, para atacá-los: “para eles da escola de Frankfurt o centro do pensamento é a destrutividade, a negatividade – onde a destruição aparece como a única forma do Bem; um mundo onde o Bem só pode existir sob a forma invertida”.
Olavo usa  um bisturi para encontrar este aspecto doentio nos frankfurtianos, apontando um estado de espírito psicologicamente afetado nos membros da ‘escola’.
Daí, pois, que Olavo conclui que o sucesso dessa escola se dá em meio a um sem-número de grupo insatisfeitos – nos EUA e alhures (do particular ao geral, do pessoal ao coletivo), porque “a insatisfação geral se vê muito bem atendida pelos pensadores da escola de Frankfurt, que têm o que dizer à linguagem geral de todas as insatisfações”.

A suivre…na parte II deste post.
+++++

Post-post: Uma observação importante no prólogo deste livro (intitulado “duas palavras”), dá a dimensão do esforço crítico de J.G.Merquior.
O que fez (neste e em outros livros) e nos deixou como legado o crítico J.G.M foi
 (um enorme) “esforço reservado à disciplina da inteligência – e não a esse ‘brilho superficial’ que o Brasil tem o péssimo hábito de reverenciar como ‘genialidade’… Dizia J.G. Merquior. E mais: “…Na maioria dos casos, esse tipo de ‘genio’ consiste no que o inglês chama de ‘jumping to conclusions’, isto é, na alegre corridinha do espírito rumo às conclusões precipitadas, saltitando para a proclamação a-crítica de sedutoras ‘ideias gerais’, sem se dar ao incômodo de verificar nem qualificar coisa alguma…”
[J.G.M., na introdução ao livro comentado no meu post, R. de Janeiro, 1969.]


Fontes:
(1) MERQUIOR, J.Guilherme. “Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin (ensaio crítico sobre a escola neohegeliana de Frankfurt)”. R de Janeiro, GB., Tempo Brasileiro, 1969. Curriculum de J.G.Merquior – site da ABL.
(2) Robin Phillips, Artigo “O Ilusionista” (texto-base da aula 233 doSeminário de Filosofia do prof. O.C.).
(3) BENJAMIN, W. “Anjos Necessários”, já comentado em post anterior.
Confira no link: https://betoqueiroz.com/2013/09/29/anjos-necessarios/. À suivre…

Publicidade

Deixe uma resposta

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.