Mes chers amis:
Que o vosso fim-de-semana seja de bom repouso e alegrias em família.
A Spider sewed at Night Without a Light Upon an Arc of White. If Ruff it was of Dame Of Imortality |
Durante a noite a aranha
Teceu sem nem uma lâmpada Sobre uma arcada branca. Se rufo que a dama orna, Para a Imortalidade – |
Fonte: Dickinson, Emily (1830-1886). “Uma Centena de Poemas“. P.136/7.
Trad., intr. e notas por Aíla de Oliveira Gomes. Obs.: não me contive e adicionei o apodo (Era) no último verso.
Mea culpa. Poética culpa.
Post-post: Os comentários da tradutora são outro Poema – confira no texto abaixo (op.cit, p. 227/9):
“Se nas adaptações para a língua portuguesa não se apensassem comentários, que são em grande parte justificativas do tradutor, esse poema teria de ser excluído, porque é praticamente intraduzível. De princípio a fim ele resiste a adaptações.
Logo na primeira estrofe, perdeu-se a tríplice rima, em luminoso ditongo, e, na terceira, a outra tríade rímica de rara leveza e com instabilidade de acentuação particularmente sugestivas; na segunda estrofe, evolou-se a música das assonâncias. Problemas maiores, porém – e insolúveis – estavam nas palavras “inform” (verso 6) e “Physiognomy” (verso 9).
Os dicionários ingleses mais modernos geralmente só trazem os sentidos correntes, atuais, do verbo ‘inform'(dar informação a respeito de alguma coisa; apresentar infromes contra alguém); mas o Webster de Emily, bem como o Shorter Oxford, realçam o sentido etimológico de ‘dar forma ou feição’, registrável, inclusive, em Shakespeare. A autora pode, em consequência, superpor as duas acepções da palavra (informar e enformar), obtendo com isso um sagaz trocadilho, que permite leitura concomitante em duas chaves: só a aranha pode informar – e informa-se – sobre o que representa o desenho de sua teia; ao mesmo tempo, entende-se que o que está ali criado é a sua própria forma ou feição – ela a si própria se dá forma a seu gosto, se enforma através do’pattern’que teceu. Ao enformar-se, informa-se a seu próprio respeito: conhece-se no espelho de sua arte.
Em português, seria preciso optar por uma de duas formas, com diferentes significados, na certeza de que uma excluiria a outra. Com ou sem razão – ao leitor fica o julgamento, – arranjou-se um meio de usar (no verso 6) as duas formas, a do verbo informar e a que guarda o sentido etimológico, mas adentrado no pensamento do poema (enformar).
Outro impasse foi a palavra-fecho – “Physiognomy”. Cf. Webster:
“[<Gr.physiognomonia <physis + gnomon].
1.Art of discovering temperament and characer from outward appearance, esp. from facil features.
2.Face or contenance.
3. External aspect; hence, inner character as revealed outwardly.”
O Novo Dicionário Aurélio abre um item para “fisionomia”, que corresponde à definição 1. acima, – termo de que não se poderia cogitar, dada a raridade de seu emprego e estranheza da forma.
Não há dúvida, entretanto, de que E.D. há de ter tido em mente o sentido original (sem forma diversa em inglês). “Fisionomia”, conforme se emprega no poema, é aquela que a aranha cria para a projeção de sua imagem, tal como a deseja, e tal como quer deixá-la para a posteridade (imortalidade artística).
É assim que, com versos elípticos, deliberadamente obscuros, e com termos equívocos, Emily nos confidencia, “em oblíquo”, a respeito de sua própria estratégia: sua fisionomia, diferente da que ela descreve em cara a Higginson, a mais real e verdadeira, a que ela queria saber perpetuada, como num retrato, é a dos poemas elaborados com a seda de suas entranhas espirituais. A nota de ironia está na imagem de fragilidade escolhida. Outros poemas lamentam a indiferença com que se espanam as teias de aranha – “an Artist” (cfme. 1275, op. cit.) e também 605 e 1423).
Ao poema em discussão caberiam as críticas às vezes feitas a poetas modernos muitos herméticos, cuja leitura exige prévia decifração; a insistëncia em inclui-lo explica-se pelo desejo de apresentar Emily Dickinson em todas as suas facetas, – entre elas, a sua espantosa atualidade na arte de poetar.
(Op. cit – p.228/229).