Yves Bonnefoy (2) – o Adeus ao poeta

O ADEUS ao poeta francês Yves Bonnefoy!YvesBonnefoyMenor

Yves Bonnefoy (1923-2016). 
A notícia do desaparecimento do poeta deu-se em meio ao ruído da Copa de futebol da Europa, no início deste mês de julho, em Paris, aos 93 anos. Por conta de todo um noticiário específico e das férias, só vim a chorar a morte do poeta 2 dias depois do ocorrido.
A presença de Bonnefoy em minha vida há de continuar forte, chegado que foi o poeta pela mão de um amigo francês que viveu por um tempo em Goyaz. Dele ganhei o volume de “Poèmes”, com quatro livros do poeta.
Marc Souchon (da Universidade de Besançon, Fr) dedicou-me o livro de Bonnefoy, na esperança de que vivêssemos “em mundo mais poético“… Lá se vão 27 anos e, de minha parte, mesmo envolto nas “agruras do comércio“, não deixei de seguir o conselho do meu amigo Souchon, professor-visitante “Leitor”,  que conheci na UFG (Universidade Federal de Goiás), nos meus tempos de ICHL.

É! O amigo Marc Souchon tinha a profissão que todo Beto desejaria ter – Leitor; mas essa é outra história. Agora, temos de frente a realidade do desaparecimento de um dos mais importantes e produtivos poetas de la vieille France, o adeus à Yves Bonnefoy…

Dele disse em obituário a Enciclopédia Universalis (a tradução amadora é minha!):
A obra de Yves Bonnefoy (1923-2016) situa-se sob o signo da injunção de Rimbauld (em Illuminations): « trouver le lieu et la formule » [“encontrar o lugar e a fórmula”].

“A obra do poeta Bonnefoy se liberta muito pouco do surrealismo, numa busca que vai se revestir de múltiplas fórmulas, em diálogo constante com umas e outras, a saber: poemas onde se afirma uma busca da presença que devolve a palavra ao seu verdadeiro lugar (como “Du mouvement et de l’immobilité de Douve”); relatos onde a potência do sonho revela o que o cotidiano dissimula (como em “L’Arrière-pays”); ensaios nos quais se desenvolvem, sobre os rastros de Baudelaire, um diálogo entre pintura e poesia (caso de “Le Nuage rouge”); e traduções, onde, por fim, fica evidente o domínio do verbo Shakespeariano – de “Jules César” ao “Conte d’hiver“, afinal Bonnefoy era tradutor do bardo inglês.

Aos francófonos, recomendo a leitura completa no link consultado em 08.07.16. Clique aqui para saltar à Universalis.fr./

Ao não-francófonos que desejarem conhecer a obra de Yves Bonnefoy, recomendo este belo website O Poema, dedicado à obra de Bonnefoy, traduzido no Brasil pelo francófilo professor Mário Laranjeira.

«A poesia de Yves Bonnefoy é marcada por uma busca, sem trégua nem concessões, do “vrai lieu” (lugar verdadeiro) – esperança, sempre a preceder a palavra -, da unidade a ser reencontrada. Aceitação do limite, da finitude e da morte que conduz ao encontro, na outra margem, das coisas simples em que revive a manifestação do ser: a moradia, a luz, o fogo, a pedra, a folhagem, a neve, o amor.

«Sua obra poética já foi traduzida para mais de vinte idiomas e é reconhecida pela crítica como comparável ao que de melhor se produziu na França em todos os tempos.» – Comentário do livro Yves Bonnefoy: Obra Poética, tradução  e organização de Mário Laranjeira publicado pela Editora Iluminuras em 1998.

Dou-me conta, ao dar adeus a Bonnefoy, que tenho uma dívida imensa neste blog com os poetas da minha formação francofônica, feita na Alliance Française dos saudosos anos ’80 do século passado…
Dívida que hei de pagar ao longo das próximas semanas, prometo!

E a ti, poeta amado, fico certo de que soou
(…) o gongo, contra a arma disforme da morte.
Adeus, semblante em maio.
Adeus, poeta!

yvesbonnefoy

Yves Bonnefoy (*Nascido em Tours, 1923 ~ Morto em Paris, no dia 01.07.2016).

Por ora, deixo a você leitor, este poema intitulado “Les Chemins” (Caminhos) de Yves Bonnefoy num esforço enorme de tradução para nossa língua – que me perdoem os defeitos, mas é obra-em-andamento.

OS CAMINHOS
****Yves Bonnefoy*

Caminhos, em meio 
À matéria das árvores. Deuses, entre 
os tufos deste canto incansável de pássaros.
E todo teu sangue arqueado abaixo de mão sonhadora,
Ó próximo, oh! meu dia inteiro.

Quem colhe o ferro
Oxidado, entre as altas ervas, não esquece jamais
Que dos escolhos do metal a luz pode tomar
E consumir o sal da dúvida e da morte.
+++++
(*) A este exercício de tradução livre pode o leitor atribuir-me todas as faltas que houver (menos uma: a do amor ao poema), indicando melhorias via betoq55 at GMail.com (AQ).
Do poeta-tradutor de Shakespeare e J. Keats, muito a aprender.
Um velho post com tradução de Mário Laranjeira e outras referências poéticas.

 

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No mínimo, um poema ao dia (2)

Dia 2 – LOUISE LABÉ (1525-1565).200px-louise_lab25c325a9
Tradução: Mário Laranjeira.*

SONNETS – I

SONETOS – I

O beaux yeux bruns, ô regards détournés, Ó belos olhos, brunos, desviados,
O chauds soupir, ô larmes épandues, Ó quentes ais, ó lágrimas vertidas,
O noires nuits vainement attendues, Ó negras noites a esperar perdidas,
O jours luisants vainement retournés! Ó dias claros sem razão tornados!
O tristes plaints, ô désirs obstinés, Ó tristes prantos, votos obstinados,
O temps perdu, ô peines dépendues, Ó penas gastas, horas despendidas,
O mille morts en mille rêts tendues, Ó mortes mil em mil redes tendidas
O pires maux contre moi destinés! Ó rudes males contra mim fadados!
O ris, ô fronts, cheveux, bras, mains et                                                           [doitgs! Ó risos, frontes, braços, mãos ardentes!
O luth plantif, viole, archet et voix! Ó alaúde, viola e voz plangentes!
Tant de flambeaux pour ardre une femelle! Tanto archote a abrasar uma mulher!
De toi me plains, que tant de feux portant, De te me queixo: tendo eu fogo tanto,
En tant d’endroits d’iceux mon coeur                                                                 [tâtant, Meu coração apalpas e, no entanto,
N’en est sur toi volé quelque étincelle. Sobre ti não voou chispa sequer.

*FONTE: untitledPoetas Franceses da Renascença“, seleção, apresentação e tradução de Mário Laranjeira – S. Paulo, 131989_ampliadaMartins Fontes, 2004, p. 42/3.

 

O poeta e “La belle dame” (1)

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Alain Chartier (circa 1380-1433).

Alain CHARTIER , poeta e diplomata francês do séc. XV, foi também um orador célebre – considerado “o Sêneca Francês”. Dele sabemos ter nascido em Bayeux, cerca de 1380. Viveu, pois, no séc. XV – portanto, no chamado outono da Idade Média e madrugada do Renascimento. Teria o poeta sido beijado (enquanto dormia). Margaret da Escócia ? Teria conhecido o primeiro lírico da França e seu contemporâneo François Villon? essas e outras questões nascem da observação do quadro pintado por Edmund-Blair “Alain-Chartier-and-Margaret-of-Scotland” (foto 1).

Chartier viveu no séc. XV – portanto, no chamado outono da Idade Média e madrugada do Renascimento – época que o mestre Segismundo Spina diz viver  “ainda o Primado Italiano” (na obra-prima “A cultura literária medieval”, de 1997).

Já com mais precisão, acentua a sisuda Britannica que, em 1417, como secretário do rei Carlos VI, em virtude da invasão inglesa em França, e pela reação “bourguignonne” ao reinado (Borgonha), segue com a Corte para a Alta Normandia, e continua seu ofício de escritor no estilo dos poemas corteses da época. Em 1422, os males políticos de sua pátria, levam-no a escrever “O Quadrílogo” (Le Quadrilogue) sob forte influência de Sêneca e da oratória Latina antiga. Por sua técnica e estilo, Alain Chartier será conhecido em França como “O Pai da Eloquência“.
Alain Chartier morre por volta de 1449.

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Foto 1. Chartier e Margareth da Escócia*.

Chartier, se perguntado em um balanço final: “o que fizeste de tua vida?” – teria muito a responder.  Não sabemos ao certo, contudo, se Margaret da Escócia teria mesmo beijado o poeta enquanto dormia. Seria mais assunto para colunas sociais e não para a história da literatura francesa. Sabemos que o poeta-diplomata lá esteve para negociar o casamento desta com o futuro Luís XI.

Provavelmente, Chartier viu (santa) Joana D’Arc ser queimada viva (1431). Da santinha camponesa (santa, sim, para os católicos simples e o polemista Bernanos, não para o pessoal da Igreja e os combatentes que a traíram, entregando-a aos ingleses). Georges Bernanos que nos legou “Joana, relapsa e Santa” como o modelo da infância e da coragem dos que crêem – afinal “o coração do mundo está sempre batendo…A infância é esse coração”). Dela mesma, a “santa relapsa” teria dito o poeta Chartier:

Deixe Tróia celebrar Heitor, deixe a Grécia orgulhar-se de Alexandre, a África, de Aníbal, a Itália, de César e de todos os generais romanos. A França, embora conte com muitos destes, pode bem contentar-se apenas com sua donzela” – (Alain Chartier).

Teria Chartier copiado outro poeta ? Teria sido Baudet Herenc o verdadeiro autor da Balada original (como deixa crer um certo Piaget)?

Teria o poeta visto (e lido) o ‘baladeiro‘-mor  de sua época, Monsieur François Villon? –  ele Villon que se desgarrou de seus confrades da épcoa para o panteão da Literatura Francesa com “o maior lírico da Idade Média”?

– São perguntas que nos fazemos os que amamos a idade Média, quando pagamos o preço da honestidade intelectual e não, simplesmente, compramos a balela jornalística de que teria sido uma época de trevas  – mentira difundida à exaustão de se transformar em verdade, após a revolução Francesa e repetida hoje por neo-ateístas que se consagram como medievalistas – argh!

O ingresso na cultura medieval, em especial a literária – ressalta o mestre Spina – “não se faz sem pagarmos um pesado tributo; a compreensão dos valores dessa época exige do estudioso uma perspectiva ecumênica, pois as grandes criações do espírito medieval – na arte, na literatura, na filosofia – são frutos de uma coletividade que ultrapassa fronteiras nacionais. E uma visão de conjunto só se adquire depois de muitos anos de trato e intimidade.” (Segismundo Spina).

A Balada dos Enforcados (La Ballade des Pendus) é publicada em 1462. Está definitivamente no cânone da poesia e da história de França. E, Chartier, oh, pobre poeta menor, nem sequer, no meu tempo de Alliance Française, citado pelo guia de Thoraval (Jean) – Les Grandes Etapes de la Civilization Française. Dommage.

Por uma dessas coincidências literárias, no entanto, Chartier desperta diante do olhar deste sexagenário com tão grata e forte referência, a partir de um inglês – um talentoso poeta morto precocemente aos 26 anos de idade – John Keats (oops! havia escrito Jean!) que reinventa a balada, mesmo sendo conhecido mais por sua Odes… isso já é bem outra estória.

Para ler John Keats que em Chartier se inspirou, veja poema transcrito abaixo e recorra a dois bons sites de traduções de Keats em português: Escamandro e J. Keats on Tublr.

Voltemos às baladas. Primeiro a beleza do manuscrito. Só isso valeria ao bibliófilo a pesquisa mas há mais. Ainda estou à procura de uma tradução do longo poema de Chartier para o português.

Por segundo, e não menos importante, porque o original de Chartier é a inspiração para o poeta inglês, ressalta a Biblioteca de Chetham que é um manuscrito está em distintivo e formosamente executada por mão ‘bastarda’, criação típica das produções literárias francesas do século XV, e é indubitavelmente o resultado de uma comissão de um mecenas rico, com bom pergaminho, margens largas e colorido que ilumina a decoração.

Foto 2. Manuscrito do poema de Chartier, Chetham Library.

 

 

 

 

 

 

 

 

(c)Fotos:  1 – Encyclopædia Britannica Online. Web. 26 Dec. 2015. (Alain-Chartier-and-Margaret-of-Scotland-painting-by-Edmund-Blair).
Foto 2 – manuscrito do poema de A. Chartier do website da Chethams Library UK.


 

La Belle Dame sans Merci: A Ballad

By John Keats

O what can ail thee, knight-at-arms,
       Alone and palely loitering?
The sedge has withered from the lake,
       And no birds sing.
O what can ail thee, knight-at-arms,
       So haggard and so woe-begone?
The squirrel’s granary is full,
       And the harvest’s done.
I see a lily on thy brow,
       With anguish moist and fever-dew,
And on thy cheeks a fading rose
       Fast withereth too.
I met a lady in the meads,
       Full beautiful—a faery’s child,
Her hair was long, her foot was light,
       And her eyes were wild.
I made a garland for her head,
       And bracelets too, and fragrant zone;
She looked at me as she did love,
       And made sweet moan
I set her on my pacing steed,
       And nothing else saw all day long,
For sidelong would she bend, and sing
       A faery’s song.
She found me roots of relish sweet,
       And honey wild, and manna-dew,
And sure in language strange she said—
       ‘I love thee true’.
She took me to her Elfin grot,
       And there she wept and sighed full sore,
And there I shut her wild wild eyes
       With kisses four.
And there she lullèd me asleep,
       And there I dreamed—Ah! woe betide!—
The latest dream I ever dreamt
       On the cold hill side.
I saw pale kings and princes too,
       Pale warriors, death-pale were they all;
They cried—‘La Belle Dame sans Merci
       Thee hath in thrall!’
I saw their starved lips in the gloam,
       With horrid warning gapèd wide,
And I awoke and found me here,
       On the cold hill’s side.
And this is why I sojourn here,
       Alone and palely loitering,
Though the sedge is withered from the lake,
       And no birds sing.

NOTES: POL participants and judges: in this poem’s third-to-last stanza, recitations that include “Hath thee in thrall!” or “Thee hath in thrall!” are both acceptable.

*****

Fonte para J. Keats: Selected Poems (Penguin Classics, 1988).

 

 

 

Lua sobre o meu jardim (2)

Jules Laforgue  – A primeira referência a Laforgue de que me lembro como “marcante” foi mesmo em um livro do melhor novo ficcionista jovem (!) do Brasil – Sr. Alexandre Soares Silva, também conhecido como Lord Ass. Como sou francófono desde a adolescência, a minha curiosidade poética por JL prosseguiu – até porque não me lembro de nenhum verso dele apresentado por meus prof’s na Alliance Française – , e essa curiosidade virou uma busca só resolvida em Google Livros. Complainte de la Lune_Laforgue
(Já adquiri o meu volume de Litanias pela Estante Virtual, pois a edição está esgotada em livrarias).
Eu me pergunto como é que que um jovem nascido na América Latina (Montevidéo, Uruguai – tal como Isidore Ducasse, “Comte de Lautréamont”), em 1860, expressando-se na língua de Molière (com espanholismos aqui e ali – vide ensaio de Lisa Block de Bear, “JL Uma Figura Uruguaia”) conseguiu influenciar tanta gente?

Leia a 2a. parte de “Lamento da Lua na Província”, trad. de Régis Bonvicino:


Complainte Part2


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Yves Bonnefoy (I)

DOUVE PARLE

O poeta que leva a Poesia a serio

O poeta que leva a Poesia a serio

Quelle parole a surgi près de moi,
Quel cri se fait sur une bouche absente?
A peine si j´entends crier contre moi,
A peine si je sens ce souffle qui me nomme.


Pourtant ce cri sur moi vient de moi,
Je suis muré dans mon extravagance.
Quelle divine ou quelle étrange voix
Eût consenti d´habiter mon silence?

DOUVE FALA

Que palavra surgiu perto de mim,
Que grito nasce numa boca ausente?
Mal posso ouvir o grito contra mim,
Mal sinto o hálito que me nomeia.

No entanto o grito em mim vem de mim mesmo,
Estou murado em minha extravagância.
Que voz divina ou que estranha voz

Consentira em habitar o meu silêncio?

Fonte: Bonnefoy, Yves. “Poèmes“. Mercure de France, 1978, p.57.  Tradução e organização de Mário Laranjeira publicado pela Editora Iluminuras em 1998. Transcrita deste Site

La Beauté, Baudelaire

La Beauté (C. Baudelaire)

Je suis belle, ô mortels ! comme un rêve de pierre,
Et mon sein, où chacun s’est meurtri tour à tour,
Est fait pour inspirer au poète un amour
Eternel et muet ainsi que la matière.

Je trône dans l’azur comme un sphinx incompris ;
J’unis un coeur de neige à la blancheur des cygnes ;
Je hais le mouvement qui déplace les lignes,
Et jamais je ne pleure et jamais je ne ris.

Les poètes, devant mes grandes attitudes,
Que j’ai l’air d’emprunter aux plus fiers monuments,
Consumeront leurs jours en d’austères études ;

Car j’ai, pour fasciner ces dociles amants,
De purs miroirs qui font toutes choses plus belles :
Mes yeux, mes larges yeux aux clartés éternelles !

A Beleza (Baudelaire)*Trad.:Jamil Almansur Haddad.

Eu sou bela, ó mortais! Como um sonho de pedra,
E meu seio, em que sempre o homem absorve a dor,
Feito é para inspirar aos poetas este amor
Mudo e eterno que na matéria medra.

Eu impero no azul, esfinge singular;
Sou coração de neve e branco cisne lento;
Porque desloca a linha, odeio o movimento,
E nem sei o que é rir, nem sei o que é chorar.

Sempre o poeta, porém a esta grande atitude
Que eu pareço copiar de uma estátua distante,
Força é que, dia a dia, austero o ser, me estude.

Tenho para encantar este dócil amante,
Pondo a beleza em tudo, os mais puros cristais:
Meu olhar, largo olhar de clarões eternais.
—–
*Trad.:Jamil Almansur Haddad, em “As Flores do Mal“, C. Baudelaire, Clássicos Garnier, Difel, S.Paulo, 1958, pág. 117.