
Ao andar se faz caminho
Por Adalberto de Queiroz, especial para O POPULAR
Enquanto dirijo meu carro alugado pelas modernas estradas da Flórida, minha imaginação voa ao sabor das músicas que vamos ouvindo, ritmos que sempre acompanham minha mulher e eu em nossas constantes viagens pelo Brasil ou por estradas estrangeiras. São tantas as viagens nesses 48 anos de vida em comum que é difícil fazer um ranking das melhores.
Pela emoção especial que representou voltar à estrada após a pandemia, creio que tem precedência o giro pelo Sul do Brasil, quando percorremos cinco mil quilômetros, de Goiânia a Bento Gonçalves, ida e volta, culminando com a visita ao Vale dos Vinhedos. As emoções e os pequenos riscos que ainda imaginávamos correr, talvez nos leve a supervalorizar aquela viagem.
Outras também ficaram na memória: o giro pelo Vêneto, na Itália pré-pandemia, que teve Milão como ponto de chegada e Trieste como o destino final e a pequena Stabiuzzo (próxima de Treviso), onde praticamente vivemos 3 meses como moradores.
Ter minha esposa como navegadora me garante mais segurança e assim seguimos pela estrada afora, ouvindo música, trocando ideias, memórias e conjecturando sobre o destino seguinte, vagando por este mundo de Deus. Foi inesquecível viajar pela Califórnia, dirigindo pela rodovia costeira e vez que outra fazendo incursões pelas cidades próxima à A1, nunca perdendo de vista o mar.
Confirmamos que aquela estrada merece a homenagem do grupo América que lhe dedicou a canção “Ventura Highway”. De fato, parece concreto o sonho do cantor para quem “na estrada é onde ao por do sol os dias parecem mais longos e as noites mais poderosas, sob a lua cheia”.
Não só a música me leva de volta à estrada. Também as leituras que vez por outra me retornam viagens memoráveis (reais ou imaginárias), como no livro “Música do acaso”, do escritor norte-americano Paul Auster, onde o personagem faz uma longa viagem de carro, sempre ouvindo música, como um viajante sem destino. “Nashe durante um ano inteiro não fez nada além de viajar de um lado para outro da América, esperando que seu dinheiro acabasse”.
Não sendo este o meu caso, continuo viajando na companhia da música que de fato ajuda-nos a carregar fardos leves ou pesados como os do personagem de Auster, que buscava em Bach, Mozart e Verdi um consolo para sua angústia e solidão.
Sou grato pela oportunidade de viajar e dirigir ao som de nossas músicas favoritas que eu e Helenir selecionamos previamente em listas do Spotify. Velhas canções francesas se misturam ao pop-rock da atualidade, enquanto vamos, feito Léo Lynce no seu icônico poema Goyaz: com “o fordinho e o chevrolet/rasgando campos, furando matas”.
Na imensidão americana, cruzamos rodovias modernas em busca de aventuras no verão da Flórida, que terá Fort Myers como ponto de veraneio com filha, genro e netos que moram no norte e decidiram descer para passar uns dias conosco. A imaginação voa solta e me traz um trecho de Fernando Pessoa, que li na juventude:
“Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?”
Vamos seguindo rotas desconhecidas na terra de Walt Whitman, poeta-viajante em dimensão universal, que tantos sonhos percorreu pelas estradas da sua vida. E sobre a brava gente de Fort Myers, que, com resiliência e otimismo, reconstrói o balneário um ano depois do devastador furacão Ian, pois a vida é assim, fazemos caminho ao andar.

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