Gabriela Mistral, Ainda as cartas de amor y desamor.
<<Carta XIV>>
Manuel:
… Levantei-me às 3 da tarde. Chovia. Fazia muto frio e fui ler na minha cama. Depois, trabalhei. Só restou-me, como ontem, a noite para conversar contigo.
Tenho tanto a te dizer, Manuel, tanto…Mas são coisas que ‘se secam’ quando tento transformá-las em palavras.
Tu me dizes, ingenuamente: “Dá-me o que promete, dá-me, sei que tu podes me dá-lo…”
E comovida até à tortura, eu olho em mi mesma e vejo com perfeita clareza que eu poderia dar-te, Manuel…
Amor – muito amor; ternura, ternura imensa, como ninguém jamais a recebeu de mim. Mas nem esse amor, nem essa ternura dar-te-iam felicidade, porque tu não poderás querer-me. Ah, seu eu soubesse, se eu houvesse entendido bem isso! Eis o ponto que evitas tratar e é o único que deveríamos tratar, por ser o único que importa…
Tu não serás capaz (pergunta-te a ti mesmo!) de querer uma mulher feia…
Hoje, ontem, desde que decidi fazer essa viagem, fico pensando em nosso encontro. E vou me convencendo que isso vai me trazer a maior amargura de minha vida. És tão bondoso, mas terás um susto e, mesmo assim, (o que é pior!) ainda me falarás com carinho. Talvez chegarás a beijar-me, para a ti te enganares mais que a mim. Observo que há em ti um desejo enorme de auto-engano, de te sentir-te enamorado, de gritar ao mundo que estás comovido. Queres comigo perder a razão como se ébrio de uma aguardente ruim, para esquecer. Não te justifiques – o que podes justificar?
Tudo o que dizes, o que acalentas, o que te emociona até o mais fundo do coração o é porque tu crês que sou eu…
(…)
“Como uma criança é falas comigo, com toda a ingenuidade de um menino e me dirás sempre SIM. Eu te sinto como menino em muitas coisas e isso só faz crescer minha ternura por ti. Meu menino, assim pensei e te disse todo o dia e sabes que há mais amor a umas palavras que a outras.
“Essa ternura minha por ti é coisa bem admirável. O amor é outra bem diferente desta ternura. O amor é mais passional e se deixa tomar por imaginações sensuais. A mim me enaltecem mais as palavras doloridas e ternas – “desviadas un poco del amor carnal”.
“Quem sabe teu olhar me comova mais que o abraço; quem sabe me darás com teu olhar mais do que os que outros arrancam de carícias mais íntimas…Ah, meu menino.
(…)
Não te escreverei mais, ainda que o queiras. Por quê? Porque esta carta me fez sofrer mais que todas as demais. Terrível é a minha situação. Serias capaz de querer-me depois de ter-me visto?
Como um herói, talvez, mas no admitiria heroísmo dessa natureza comigo.
Tua, completamente, imensamente tua…
L.
(Lucila Godoy, pseud. poético: Gabriela Mistral)
https://www.wdl.org/pt/item/9877/#q=gabriela+mistral
Carta a Manuel Magallanes Moure.
Sempre tem que ser um Manoel….
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