Publiquei este post originalmente, em 2006, no ex-Blog Zadig, na comunidade blogs Verbeat.
O livro “A Vida Silenciosa” foi escrito por Thomas Merton uma década após ele ter se licenciado de sua vida num mosteiro trapista. Ele próprio descreve a obra como “uma meditação sobre a vida monástica feita por alguém que, sem nenhum mérito próprio, teve o privilégio de conhecer essa vida por dentro. Se há nestas páginas, insiste o autor, algo de valor, vem, não de algum talento especial do autor (e ele o possui), mas de ter sido porta-voz de uma tradição milenar ou multissecular, como diz Merton “indigno descendente de São Bento e dos primeiros apóstolos” a quem os monges consideram como seus Pais Espirituais.
Qual o interesse de um livro assim no mundo conturbado de hoje, onde a televisão e a Internet definem padrões?
O esboço de uma resposta começaria por examinar a realidade das vida monástica por oposição à vida no mundo atual. Goleada para o mundo atual, diriam os apressados, principalmente se se dirigem aos moços, que se apegam aos padrões do mundo contemporâneo, e a quem mal sobra um tempinho para entender o que pode ser uma vida silenciosa.
Th. Merton não está interessado em propaganda fácil mas em estudo até porque “nada há de mais detestável do que a tentativa de fazer propaganda da vida monástica” e, no entanto, ele cumpre seu apostolado de divulgador com a esperança de poder tornar mais conhecido o mistério íntimo de uma vida tão rica da misericórdia e bondade de Deus como é a vida monástica.
E, no entanto, em sua negatividade construtiva, este livro é importante porque combina uma lúcida e informativa descrição da natureza e das formas de monaquismo – do comunitário ao solitário -, com uma apaixonada defesa do anseio humano de contemplar a Deus. A intensa beleza da meditação irradia desse pequeno volume com benefícios que emanan da sua calma superfície, fazendo deste livro um clássico sobre o monaquismo.
Dom Basílio Penido no prefácio do livro acentua que: “Vivemos num mundo não somente de ação mas de agitação. O rádio, a TV, a incrível facilidade das comunicações, os divertimentos e as comodidades que nos proporcionaram o desenvolvimento da técnica, conquanto sejam coisas fundamentalmente boas, não deixam entretanto de facilitar uma certa preguiça da inteligência e da boa vontade que dificultam extremamente a vida interior.”
E, no entanto, muitos jovens continuam se interessando pela vida monástica. Por quê?
– Hugo de São Vitor afirma em um opúsculo intitulado “Sobre o modo de Aprender e de Meditar” que “há três operações básicas da alma racional” – lembra-nos a “Educação segundo a Filosofia Perene” – a primeira é o pensamento, a segunda, a meditação e a terceira, a contemplação. O que os monges fazem como dever e ofício é a contemplação de Deus, vocação última do ser humano, esquecida por todos os artifícios do mundo agitado de nossos dias. E a contemplação, afirma-nos o humilde (e anônimo) sintetizador da “Educação…” é “o fim último do homem”. O homem, diz o autor, por natureza, tende para a contemplação.
“O homem é um ser tal que a sua realização, a sua suprema felicidade, se encontra na contemplação.”
Merton repassa a vida dos diversos mosteiros, ressaltando que a contemplação cristã nada é se não se alimenta da revelação de Deus, de Sua Sabedoria, no Mistério de Cristo. Ela seria, segundo Merton “estéril se não fosse nutrida pelos sacramentos e pela teologia da Igreja”.
Se na primeira parte do livro, Merton se ocupa dos fundamentos da Pax Monástica, na segunda ele detalha a situação atual da vida dita cenobítica em oposição à vida eremítica (cartuxos e camaldulenses) [conforme a Regra, cap. 1 dos gêneros de monges]. São Bento, patrono da Europa e inspirador de nosso atual Papa Bento XVI, é também o inspirador da vocação dos monges. Aprendemos com Th. Merton que a Regra de São Bento descreve os 12 degraus da humildade interior e exterior (cada qual sendo participação no mistério da obediência de Cristo), declara “quando todos esses degraus tiverem sido galgados, alcançará logo o monge a perfeita caridade que expele todo temor” (p.33).
Os monges, nos ensina Merton, “procuram glorificar a Deus e salvar suas almas, abraçando a vida contemplativa em conformidade com a Regra de São Bento e guiados por seu espírito”. Se há variantes na forma de observar essa Regra isso depende, em larga medida, da importância que cada família monástica dá a este ou àquele aspecto da regra beneditina. (p.65).
Assim, não deve haver conflito entre um monge cenobita ou eremita, entre uma abadia e outra, ou mesmo entre os membros de um mosteiro. No entanto, é de seres humanos que são feitos os conventos e, portanto, com a rude realidade de nossas limitações, eis de que os mosteiros são feitos. São Bernardo já clamava há séculos atrás da rivalidade entre Cister e Cluny. “Se há cistercienses que tentaram menosprezar a observância de Cluny como sendo ´mole` e relaxada, devem ser muito lastimados, declara o santo” (p.106).
Mostrando a dificuldade da vida monástica em países dominados pela sociedade de consumo, Merton nos dá esperança ao indicar os rumos do movimento monástico nos EUA e no Canadá, que por orientação dos beneditinos europeus deram grande impulso à cristianização da América do Norte e do México. Também o Brasil, asseguram as tradutoras (elas também pessoas que vivem no claustro) nós, católicos, podemos nos alegrar com o crescente número e a qualidade dos mosteiros beneditinos fundados recentemente. Elas destacam o mosteiro de Santa Maria de Serra Clara, nas montanhas do sul de Minas, próximo de Itajubá como exemplo de vida monástica. Uma rápida busca no Google nos dá a saber que há outros.
Dia desses, uma dileta amiga protestante manifestou sua vontade de ser monja, o que é uma contradição no mundo luterano que não privilegia a vida monástica, mas me deu a pensar que, não fossem as vocações de pai, marido, profissional etc. também este blogueiro estaria habilitado ao convento.
Como ousei dizer isso numa reunião com amigos, e o dizia enquanto saboreava um cálice de vinho, minha mulher caiu em riso, porque, segundo ela, eu não passaria nunca dos capítulos 39 e 40 [“Da medida da comida, da medida da bebida”, neste caso específico, a determinação Beneditina de “uma hêmina de vinho por dia” – algo em torno de 1,5 cálice]. Humor à parte, o mundo do monastério é por demais atraente como regra de disciplina, humildade e busca da maturidade espiritual. Isso tem atraído milhares de jovens em todo o mundo, apesar do ruído atraente do mundo cá fora.
Conheça a fundação Merton.
+++++Fonte: “A Vida Silenciosa”, Thomas Merton. Ed. Vozes, Petrópolis, 2002.