O POETA*
A preguiça de Deus criou este que vos fala. Eu sou a projeção viva de um dogma com todas as suas trevas e suas luzes – o pecado original. Já desposei mil mulheres, venci ou fui vencido em cem batalhas, escrevi no cérebro um número enorme de livros. Fui insultado, lapidado, perseguido – mas me escondo sempre numa nuvem de onde travo diálogos fabulosos com Deus. Fujo quando querem me coroar – e apareço para receber a vaia. Atribuí-me mil nomes, mil faculdades, mil desânimos. Sou familiar dos profetas, dos santos e das mulheres desesperadas. Encerro a direita, a esquerda e o centro. Recapitulei toda a poesia humana e divina – e descanso. Ó profundidade, riqueza e sabedoria dos assuntos de Deus! Certamente vou me procurar agora com a BIOLOGIA SOBRENATURAL.
+++++
*Fonte: Murilo Mendes, Poesia Completa & Prosa, Ed. Aguilar, 1993, Pág. 758. De “Sinal de Deus“, Livro Segundo. O livro – jóia rara eu sei, principalmente pela origem! – foi um presente de meu dileto amigo Rodrigo Pedroso, em minha penúltima viagem a São Paulo, de onde retornei ontem à noite, exausto (mas feliz), pela 3a.vez dans l’aerogare, em 20 dias.
Deixe uma resposta