~O Rabi e o Yoghi: 2 estórias~*


Selecionei duas histórias para você, leitor, nesta manhã de 17 de fevereiro. Outros a lerão à noite, à tarde, numa madrugada qualquer, quando procurarem no Google por rabi, místico yoghi ou meditação.

História #1(i)
O Fabricante de Meias

CERTA VEZ, em viagem, parou o Baal Schem numa cidadezinha cujo nome não chegou até nós. Uma manhã, antes das preces, fumava, como de costume, o seu cachimbo e olhava pela janela. Passou então um homem, xale e filactérios na mão, andando com solenidade tão natural,como se estivesse a caminho das portas do céu. O Baal Schem perguntou, ao fiel em cuja casa estava hospedado, quem era aquele homem. Respondeu que era um fabricante de meias que, inverno ou verão, pouco importava, ia todos os dias à sinagoga dizer suas orações, mesmo que não estivesse completo o quórum prescrito de dez crentes. O Baal Schem pediu que o chamassem, mas o dono da casa replicou:
– Esse louco não irá interromper sua caminhada, nem que o próprio Imperador o chame. – Após as orações, o Baal Schem mandou ao homem um recado, para que lhe trouxesse quatro pares de meias. Pouco depois, o fabricante achava-se diante dele, apresentando sua mercadoria, honestamente trabalhada em boa lã de carneiro.
– Quanto queres por um par? – perguntou o Rabi Israel. – Um florim e meio.
–  Suponho que ficarias satisfeito com um florim. – Neste caso, teria pedido esse preço. – O Baal Schem pagou-lhe imediatamente o preço pedido; depois, continuou a inquirir: – Com o que te ocupas? – Faço o meu ofício – respondeu o homem. – E como o fazes? – Trabalho até juntar quarenta ou cinquenta pares de meias. Depois ponho-as numa gamela com água quente e moldo-as até que fiquem como devem ficar. – E como é que as vendes? – Não saio de casa, são os lojistas que vêm até mim e as compram. Também me trazem boa lã, que compram pra mim, e eu lhes dou compensação pelo trabalho. Só em honra ao rabi saí hoje de casa. – Mas quando levantas, de manhã cedo, o que fazes, antes de ir rezar? – Faço meias também. – E como te arranjas te dizer os salmos? – Os salmos que sei de cor – respondeu o homem – recito-os durante o trabalho.
“Depois que o fabricante de meias voltou para casa, disse o Baal Schem aos discípulos que o rodeavam: – Vistes hoje a pedra que sustenta o templo até que venha o redentor.
“Disse o Baal Schem: – Imaginem um homem cujos negócios o precipitem, durante o dia todo, pelas ruas e pelo mercado. Chega quase a esquecer-se de que existe um Criador do mundo. Só à hora de recitar a Min-há(*) é que se embra: Preciso rezar! Então, do fundo do coração, escapa-lhe um suspiro por ter gasto o dia em coisas vãs, e ele corre a uma ruela qualquer, onde pára e reza: caro, muito caro é ele a Deus, e sua oração perfura os firmamentos.”
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(*) Min-Há: oferenda. Prece vespertina, antes do pôr-do-sol.

História #2 (ii)
Kabir, o tecelão

“KABIR era um tecelão. Trabalhou durante toda a vida. Mesmo depois de ter atingido a iluminação, continuava a tecer, pois gostava muito de fazer isso. Muitas vezes seus discípulos pediam, insistentemente, com lágrimas nos olhos, que ele não trabalhasse mais: – “Você não precisamais fazer isso. Nós estamos aqui para cuidar de você. Há tantos discípulos, e você continua a tecer, mesmo sendo velho.”
“E Kabir respondia: “Mas vocês sabem para quem eu estou tecendo? Para Deus! Agora todas as pessoas são um deus para mim. Esta é minha forma de rezar.”
“Se Kabir pôde se tornar um Buda e ainda assim permanecer tecendo, por que você não pode fazer o mesmo?
“Mas os negócios não devem entrar em seu ser. Os negócios devem ser algo externo, seu meio de ganhar a vida. Quando você fechar sua loja ou sair de seu escritório, esqueça seus negócios. Não leve a loja ou o escritório para casa com você.
“Quando estiver em casa, com sua mulher, seus filhos, não seja um homem de negócios. Isso é feio: significa que seu ser está sendo contaminado pelo que você está fazendo. O fazer é sempre algo superficial. O ser deve permanecer trancendental em relação a seu fazer e você deveria ser sempre capaz de colocar seu fazer de lado e entrar no mundo de seu ser. É sobre isso que a meditação diz respeito.
“Há certas mentes que funcionam permanentemente como se estivessem fazendo negócios. Em todas as dimensões de suas vidas, essas pessoas são pessoas de negócios. Se você for esse tipo de pessoa, aqui não é o seu lugar.
“Aqui é o lugar para os que estão dispostos a apostar. É o lugar para as pessoas que podem arriscar tudo por nada.” (…)

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Fontes: (i) BUBER, Martin. “Histórias do Rabi”. Ed. Perspectiva, S.Paulo, 1967, p.112/113. (ii) OSHO. “Aprendendo a Silenciar a Mente”. Rio de Janeiro, Sextante, 2002, p.50/51.


Post-post*
Conheci Martin Buber lendo o papa João Paulo II. As saborosas estórias contidas no volume em epígrafe são valiosas. Pensei em repetir o artifício do brilhante Martin Buber e “introduzir o leitor a uma realidade lendária”, tomando nota de certos trechos de que mais gostei ao longo da leitura do livro para compartilhar aqui.

Acima a transcrição que tem a ver com um velho texto do mestre católico Alceu Amoroso Lima, publicado aqui. Estamos diante do milagre da “prece silenciosa”, do “Ora et Labora”. E há um outro Alceu, que dialoga com Santa Teresa d’Ávila, por isso anotei que a Oração vital é ao edifício interior que “…considerada por Alceu Amoroso Lima como a 4ª. dimensão de nosso mundo interior, a oração é vital ao desenvolvimento desse edifício interior que todo cristão está chamado a construir. Ao lado da oração, vem a evocação do passado, a antecipação do futuro (que nem de longe é adivinhação) e a profundidade (ou meditação)…”.

Era a “A oração implícita” o que praticava o fabricante de meias, porque “a oração implícita é o espírito com que vivemos em todos os sentidos, tanto em nossa vida interior, em qualquer das dimensões, como em nossa vida operativa (exterior).

E, pra finalizar, sem deixar de falar do personagem do OSHO (Kabir, o tecelão), há um propósito maior no Oriente que é a dimensão da profundidade (ou do vazio interior) – a Meditação, esse esvaziar-se do ruído constante do mundo “aprendendo a silenciar a mente”.  No vazio de si mesmo, garante o polêmico místico, “há mais chances de encontrar-se com Deus”.
Que assim seja!
Paz & Bem e boa semana a todos os tecelões e fabricantes de meias!

Uma resposta em “~O Rabi e o Yoghi: 2 estórias~*

  1. Pingback: Uma boa prosa também pode nos ensinar a rezar | Adalberto de Queiroz

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