“Um livro constrói uma direção…”

Vista em retrospectiva, por esta coluna passaram, em 2017, vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e o maior teólogo do século XX (J. Ratzinger).
Estes diálogos continuam semanais no ano que estamos começando, sempre em busca do “leitor que queima pestanas“, reavivando a velha “crônica-de-rodapé”, exemplar em Franklin de Oliveira, Augusto Meyer e Temístocles Linhares.
Para ler a coluna desta quinta-feira, clique na imagem abaixo:
Destarte 04 JAN 2018.PNG

Publicidade

“Virgílio, o pai do Ocidente”

  No centro da poesia ocidental
Virgílio, o poeta insuperável

Para ler o artigo completo, clique na figura abaixo.

Destarte 21 NOV 2017.PNG

(*) Fontes consultadas para este artigo:Bucólicas_Capa edição UnB.jpg

[1] VIRGÍLIO. “Bucólicas”; trad. e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos; introdução: Nougueira Moutinho, ilustr. Marcelo Lima. — São Paulo : Melhoramentos; [Brasília] : Ed. Universidade de Brasília. Col. Clássicos da UnB. 1982, pág. 23 et passim.

[1] MACY, John. “História da literatura mundial”. Tradução de Monteiro Lobato – Cia. Editora Nacional, S. Paulo, s/data de publicação.

[1] (Franklin de Oliveira, “Entrada no alumbramento”, introdução à edição brasileira de “A morte de Virgílio, Broch, Editora Nova Fronteira, 1982).

[1] Écloga I, 27: “A Liberdade que me viu ocioso, tarde embora…” (Libertas, quae sera tamen respexit inertem”), ob. cit. pág. 35.

[1] “fugit irreparabile tempus”: “Foge o irreparável tempo”.

[1] De “Henriqueta Lisboa: Melhores poemas”, seleção de Fábio Lucas, s/nr. de página.

Anton Bruckner (2)

O crítico Franklin de Oliveira escreveu sobre a obra de Bruckner alguns comentários que são decisivos para quem quer conhecer ou já conhece (e ama) A. Bruckner.
O texto de Franklin é uma ode a 5a. Sinfonia. Em “A Fantasia Exata”, livro de 1959, ele afirma que Anton Bruckner era
Anton Brucknerum homem solitário que só confiava sua alma ao órgão – era sua maneira de estar com Deus – é uma das maiores enseadas de concórdia humana” que o crítico dizia ter conhecido, isso pelo que chamou de “mystical conception of sound”. Em tudo que fez, escreveu, continua Franklin, “Deus é a grande presença. Talvez a respeito de Bruckner mais do que a respeito de qualquer outro compositor possamos falar das relações da música com a Teologia como duas esferas intimamente interligadas. ‘Músico de Deus’ era o seu epíteto e talvez fosse por isto que mais do que qualquer outro romântico, ele fundava sua sinfonia sobretudo no puro som. Dele disse Alfred Einstein: ‘a romantic in so far as he made pure sound the basis of his symphonies….

De Anton Bruckner se pode mesmo afirmar – confirmando o mestre-crítico F.O. que “raros músicos foram tão sensíveis ao êxtase a que somos levados pela contemplação do som puro, pelas harmonias potenciais do acorde, quanto Bruckner e Mahler. A respeito deles podemos lembrar a tese wagneriana: ‘o acorde representa as forças cósmicas do Universo’. Daí, provavelmente Eistein achar que as sinfonias de Bruckner respiram um espírito cósmico. ‘His symphonies breathe once more a cosmic spirit… As de Mahler, também.” Mas este post é dedicado somente a Bruckner. Portanto, eis abaixo a segunda parte da Quinta de Bruckner.

Franklin fala ainda “das fontes da expressão musical de Bruckner” que teriam sido Beethoven, Schubert e Wagner – a influência schubertiana foi a que alimentou com maior riqueza as suas sinfonias. Do criador da música psicológica recebeu Bruckner uma herança maravilhosa – a herança do grande adágio beethoveniano. De Schubert, a amplitude das formas que se ligam em suas frases lentas e os seus ‘scherzi’ com a simplicidade com que o camponês cuida dos frutos, coisas da terra e do sol, e pois, do céu. Campônio, alma rude de camponês era a de Bruckner, nascido nas regiões montanhosas da Áustria Alta”, destaca Franklin. Portanto, para finalizar, a terceira parte da Quinta, que é de longe a mais elogiada no YouTube, finalizo prometendo voltar com a Quarta Sinfonia de A.Bruckner que, segundo Franklin de Oliveira, é “música dos anjos para os homens atormentados” (expressão cunhada por Mahler para definir a música mística das Missas e do Te-Deum de Bruckner, coisa que até um ateu ouve e por um momento é levado a acreditar em Deus).

+++++
Fonte: OLIVEIRA, Franklin de. “A Fantasia Exata”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1959, p. 68-70.

Encontrando a Idade Média (I)

Alertado por Franklin de Oliveira, no prefácio de “Literatura e Civilização”, comecei há alguns anos a empreender uma busca que me levou a compreender que “a Idade Média…não foi, de forma alguma, a Dark Ages inventada pelos historiadores liberais do séc. XIX, mas a genuína herdeira do mundo greco-romano.” E com a ajuda dele Franklin, de Robert Bossuat e, sobretudo, de Jacques Le Goff, compreendo hoje que “ela (a Idade Média) significa a fundação da Europa em sua base cristã-romana” e comecei a me deliciar com um dos dois fatos apontados por Franklin como de alta significação cultural do período, a saber: “o estupendo fenômeno da literatura provençal e a aparição da poesia dos clerici vagantes.”

Em outro contexto, Franklin cita Arnold Hauser (A História Social da Arte) para justificar que a presença da mulher no centro do lirismo trovadoresco (la poésie lyrique au Moyen Age), com a mescla do platonismo e sensualismo, determina “aquilo que chamamos de a mais importante transformação da história literária do ocidente” (Hauser). E conclui: “A poesia do amor moderno é obra da Idade Média”.

Hoje, me alegra trazer essa descida a um dos gêneros listados por Bossuat* (La chanson de Toile ou D’Histoire), termo cunhado para designar composições de cunho popular destinadas seja para acompanhar as danças das mulheres, seja para acompanhá-las em seus trabalhos caseiros, daí porque o nome de “chansons de toile”. Sem passar pela estrutura poética de como foi composta, a amostra que transcrevo (A Canção de Renaud ou “Quando chega o mês de maio…”) é uma das mais antigas que, bem conservadas ao longo do tempo, são ‘traduzidas’ do francês arcaico (coluna à direita) para o moderno (coluna à esquerda).
Chanson de toile du XII° ou D’Histoire (XIII° siècle).
Quand vient Mai qu’on appelle le mois des longs jours  (Quant vient en mai que l’on dit as lons jors) .

I. Quand vient mai qu’on appelle le mois des longs jours,
Que les français de France s’en reviennent à la cour royale,
Renaut se trouve en première ligne.
Ainsi passa-t-il devant la maison d’Erembour,
Mais il ne daigna pas lever la tête.
Ô Renaut, mon amour !
I. Quant vient en mai que l’on dit as lons jors,
Que Franc de France repairent en roi cort,
Reynauz repaire devant el premier front ;
Si s’en passa lez lo meis Arembor,
Ainz n’en dengfna le chief drecier amont
E Raynaut, amis !
II. Belle Erembour devant la fenêtre à la lumière
Sur ses genoux tient une soie colorée.
Elle voit les Français de France qui reviennent à la cour,
Elle voit Renaut en première ligne.
A voix haute elle prononce cette parole :
Ô Renaut, mon amour !
II. Bele Erembors a la fenestre au jor
Sor ses genolz tient paile de color,
Voit Frans de France qui repairent de cort
Et voit Raynaut devant el premier front.
En haut parole, si a dit sa raison :
E Raynauz, amis !
III. « Ami Renaut, jadis j’ai connu des jours,
Où, si vous passiez devant la tour de mon père,
Vous auriez été fort triste que je ne vous parle pas.
–  Vous avez mal agi, fille d’empereur,
Vous en aimez un autre et nous avez oublié. »
Ô Renaut, mon amour !
III. « Amis Raynauz, j’ai ja veü cel jor
Se passisoiz selon mon pere tor,
Dolanz fussiez se ne parlasse a vos,
– Ja le mesfaïstes, fille d’empereor ;
Autrui amastes, si obliastes nos. »
E Raynauz, amis !
IV. « Seigneur Renaut, je m’en justifierai ;
Avec cent jeunes filles, je vous prêterai serment sur des reliques,
Avec trente dames que j’amènerai avec moi,
Que jamais je n’ai aimé nul homme que vous.
Acceptez ma justification, je vous donne un baiser. »
Ô Renaut, mon amour !
IV. « Sire Raynauz, je m’en escondirai ;
A cent puceles sor sainz vos jurerai,
A trente dames que avuec moi menrai,
C’onques nul home fors vostre cors n’amai.
Prennez l’emmende et je vos baiserai. »
E Raynauz, amis !
V. Le comte Renaut gravit l’escalier ;
Il avait les épaules larges, la taille mince,
Il avait les cheveux blonds bouclés.
En nulle terre il n’y eut si beau jeune homme.
Erembour le voit, elle se mit à pleurer.
Ô Renaut, mon amour !
V. Li cuens Raynauz en monta lo degré,
Gros par espaules, greles par lo baudré ;
Blonde ot le poil, menu recerlé ;
En nule terre n’ot si biau bacheler.
Voit l’Erembors, si comence à plorer.
E Raynauz, amis !
VI. Le comte Renaut est monté dans la tour.
Il s’est assis sur un lit brodé de fleurs.
A ses côtés s’assied Belle Erembour.
Alors recommencent leurs premières amours.
Ô Renaut, mon amour !
VI. Li cuens Raynauz est montez en la tor,
Si s’est assis en un lit point a flors ;
Dejoste lui se siet bele Erembors.
Lors recomencent lor premieres amors.
E Raynauz, amis !

Fontes: A tradução acima foi transcrita do website “Saint-Escobille Le village phare du sud-essonne” e pode ser recuperada no link http://www.saint-escobille.fr/spip.php?article131 sob o título de “Chanson de toile du XII° ou du XIII° siècle ; anonyme”. Tradução creditada a S.N. Rosenberg et H. Tischler; 1995. Se o leitor francófono preferir, há a tradução de Robert Bossuat no opúsculo “La Poésie Lyrique au Moyen Age”, Larouse, Paris, s/data, pág.9-11, Classiques Larousse.
Le GOFF, Jacques. “Em Busca da Idade Média”, Civilização Brasileira, RJ, 2005.
DE Oliveira, Franklin. “Literatura e Civilização”, Difel/INL, Brasília, 1978. Idem in: “A Fantasia Exata”, Zahar Edit., RJ, 1959, p.65. BOSSUAT, Robert. “Le Moyen Age”, Del Duca de Gigord, Paris, s/data. Idem in “La Poésie Lyriqye au Moyen Age” (cit. acima). Aos francófonos mais curiosos, uma pérola nesse ‘mar de conhecimento compartilhado’ (que é a Internet): há um curso de Old French na Universidade do Texas (Austin), que pode ser seguido pelo link http://www.utexas.edu/cola/centers/lrc/eieol/ofrol-0-X.html

Encontrando a Idade Média (I)

Alertado por Franklin de Oliveira, no prefácio de “Literatura e Civilização”, comecei há alguns anos a empreender uma busca que me levou a compreender que “a Idade Média…não foi, de forma alguma, a Dark Ages inventada pelos historiadores liberais do séc. XIX, mas a genuína herdeira do mundo greco-romano.” E com a ajuda dele Franklin, de Robert Bossuat e, sobretudo, de Jacques Le Goff, compreendo hoje que “ela (a Idade Média) significa a fundação da Europa em sua base cristã-romana” e comecei a me deliciar com um dos dois fatos apontados por Franklin como de alta significação cultural do período, a saber: “o estupendo fenômeno da literatura provençal e a aparição da poesia dos clerici vagantes.”

Em outro contexto, Franklin cita Arnold Hauser (A História Social da Arte) para justificar que a presença da mulher no centro do lirismo trovadoresco (la poésie lyrique au Moyen Age), com a mescla do platonismo e sensualismo, determina “aquilo que chamamos de a mais importante transformação da história literária do ocidente” (Hauser). E conclui: “A poesia do amor moderno é obra da Idade Média”.

Hoje, me alegra trazer essa descida a um dos gêneros listados por Bossuat* (La chanson de Toile ou D’Histoire), termo cunhado para designar composições de cunho popular destinadas seja para acompanhar as danças das mulheres, seja para acompanhá-las em seus trabalhos caseiros, daí porque o nome de “chansons de toile”. Sem passar pela estrutura poética de como foi composta, a amostra que transcrevo (A Canção de Renaud ou “Quando chega o mês de maio…”) é uma das mais antigas que, bem conservadas ao longo do tempo, são ‘traduzidas’ do francês arcaico (coluna à direita) para o moderno (coluna à esquerda).
Chanson de toile du XII° ou D’Histoire (XIII° siècle).
Quand vient Mai qu’on appelle le mois des longs jours  (Quant vient en mai que l’on dit as lons jors) .

I. Quand vient mai qu’on appelle le mois des longs jours,
Que les français de France s’en reviennent à la cour royale,
Renaut se trouve en première ligne.
Ainsi passa-t-il devant la maison d’Erembour,
Mais il ne daigna pas lever la tête.
Ô Renaut, mon amour !
I. Quant vient en mai que l’on dit as lons jors,
Que Franc de France repairent en roi cort,
Reynauz repaire devant el premier front ;
Si s’en passa lez lo meis Arembor,
Ainz n’en dengfna le chief drecier amont
E Raynaut, amis !
II. Belle Erembour devant la fenêtre à la lumière
Sur ses genoux tient une soie colorée.
Elle voit les Français de France qui reviennent à la cour,
Elle voit Renaut en première ligne.
A voix haute elle prononce cette parole :
Ô Renaut, mon amour !
II. Bele Erembors a la fenestre au jor
Sor ses genolz tient paile de color,
Voit Frans de France qui repairent de cort
Et voit Raynaut devant el premier front.
En haut parole, si a dit sa raison :
E Raynauz, amis !
III. « Ami Renaut, jadis j’ai connu des jours,
Où, si vous passiez devant la tour de mon père,
Vous auriez été fort triste que je ne vous parle pas.
–  Vous avez mal agi, fille d’empereur,
Vous en aimez un autre et nous avez oublié. »
Ô Renaut, mon amour !
III. « Amis Raynauz, j’ai ja veü cel jor
Se passisoiz selon mon pere tor,
Dolanz fussiez se ne parlasse a vos,
– Ja le mesfaïstes, fille d’empereor ;
Autrui amastes, si obliastes nos. »
E Raynauz, amis !
IV. « Seigneur Renaut, je m’en justifierai ;
Avec cent jeunes filles, je vous prêterai serment sur des reliques,
Avec trente dames que j’amènerai avec moi,
Que jamais je n’ai aimé nul homme que vous.
Acceptez ma justification, je vous donne un baiser. »
Ô Renaut, mon amour !
IV. « Sire Raynauz, je m’en escondirai ;
A cent puceles sor sainz vos jurerai,
A trente dames que avuec moi menrai,
C’onques nul home fors vostre cors n’amai.
Prennez l’emmende et je vos baiserai. »
E Raynauz, amis !
V. Le comte Renaut gravit l’escalier ;
Il avait les épaules larges, la taille mince,
Il avait les cheveux blonds bouclés.
En nulle terre il n’y eut si beau jeune homme.
Erembour le voit, elle se mit à pleurer.
Ô Renaut, mon amour !
V. Li cuens Raynauz en monta lo degré,
Gros par espaules, greles par lo baudré ;
Blonde ot le poil, menu recerlé ;
En nule terre n’ot si biau bacheler.
Voit l’Erembors, si comence à plorer.
E Raynauz, amis !
VI. Le comte Renaut est monté dans la tour.
Il s’est assis sur un lit brodé de fleurs.
A ses côtés s’assied Belle Erembour.
Alors recommencent leurs premières amours.
Ô Renaut, mon amour !
VI. Li cuens Raynauz est montez en la tor,
Si s’est assis en un lit point a flors ;
Dejoste lui se siet bele Erembors.
Lors recomencent lor premieres amors.
E Raynauz, amis !

Fontes: A tradução acima foi transcrita do website “Saint-Escobille Le village phare du sud-essonne” e pode ser recuperada no link http://www.saint-escobille.fr/spip.php?article131 sob o título de “Chanson de toile du XII° ou du XIII° siècle ; anonyme”. Tradução creditada a S.N. Rosenberg et H. Tischler; 1995. Se o leitor francófono preferir, há a tradução de Robert Bossuat no opúsculo “La Poésie Lyrique au Moyen Age”, Larouse, Paris, s/data, pág.9-11, Classiques Larousse.
Le GOFF, Jacques. “Em Busca da Idade Média”, Civilização Brasileira, RJ, 2005.
DE Oliveira, Franklin. “Literatura e Civilização”, Difel/INL, Brasília, 1978. Idem in: “A Fantasia Exata”, Zahar Edit., RJ, 1959, p.65. BOSSUAT, Robert. “Le Moyen Age”, Del Duca de Gigord, Paris, s/data. Idem in “La Poésie Lyriqye au Moyen Age” (cit. acima). Aos francófonos mais curiosos, uma pérola nesse ‘mar de conhecimento compartilhado’ (que é a Internet): há um curso de Old French na Universidade do Texas (Austin), que pode ser seguido pelo link http://www.utexas.edu/cola/centers/lrc/eieol/ofrol-0-X.html