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A cidade e eu. Eu e a cidade – repito este mantra como um iogue em busca de relaxamento e liberação. Só mesmo assim para compor um texto que lança raízes nas camadas profundas do meu ser. Lembrar com precisão da cidade em que fui criado parece tarefa impossível, divagar é, pois, necessário para que o texto aflore.
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Pensei em homenagear o Carmo com um texto inédito – até o principiei, mas vi que a tarefa era empreitada para mais de uma quadra do ano – tarefa similar a derrubar “um jatobazeiro que três homens não abarcam” (como os três homens do “Barreiro dos Três Cruzeiros) – do magistral conto inicial de Idas e Vindas (1977). Que o compadre Chico Sena saiba que não desisti da crônica “Meu tamboril me ensina a sondar os ventos e as chuvas. Ou: Minhas amadas árvores: lembranças de Carmo Bernardes”.
Cheguei a ligar para o meu amigo, o poeta Acadêmico Aidenor Aires, mas desisti da empreita por ora. Deixo a palavra de homenagem a Pedro Nava, que sobre Carmo escreveu uma apresentação inesquecível no livro “Idas e Vindas” (1977), editado pela Codecri, editora de O pasquim, com ilustrações de Poty.
*Por Pedro Nava
Evidentemente que fazer a apresentação de um livro de Carmo Bernardes é honra para mim como seria para qualquer outro. Note-se bem que eu estou falando da apresentação de um livro e não do próprio autor. Esse, por mais que se oculte, é conhecido da elite dos letrados e artistas brasileiros como um dos nossos maiores regionalistas. Vive embiocado em Goiás, vive se escondendo, é avesso a qualquer gênero de de publicidade mas é autor que se impõe pela própria força a qualquer pesoa que o leia. Tenho feito essa experiência repetidas vezes. Falo nele a este, àquele. Ninguém sabe quem é. Pois então vou empretar a você um livro dele. Empresto ora as Rememórias, ora Reçaga ora essa saga do nosso interior, esse épico Jurubatuba que para mim tem sua ponta cervantina. E o pasmo é imediato naqueles que estou tesstando. Como é que este homem não é disputado pelas grandes editoras e não é conhecido de todo o Brasil? Coisas lá dele. Do capiau esquisitão e distante que prefere curtir seu fuminho cortado a canivete, sua pesca e sua caça a qualquer coisa que se pareça com política literária.
Agora ele vai sair por intermédido da Codecri e entrar assim em contato com o grande público. Então o Brasil conhecerá um de seus maiores escritores. Não estou aqui para fazer a crítica de sua obra. Esta já foi magistralmente traçada em “Força e expressão de uma literatura”, por Nelly Alves de Almeida, em estudo que é uma obra-prima de exegese e de crítica. Quero apenas chamar a atenção para certos aspectos da linguagem de Carmo Bernardes. A propósito da maneira de falar do nortista, do brasileiro do centro, dos de leste e oeste, do carioca, do paulista, do gaúcho eu já tive ocasião de dizer que seus sotaques e modismos não corrompem nem são defeitos do idioma. Antes são dele maior riqueza, do mesmo modo que o português do Brasil é mais um tesouro da língua mãe peninsular. O goiano de Carmos Bernardes é uma das mais lindas falas brasileiras que tenho ouvido e visto por escrita. Rica de homofonias, de contrações que são verdaderos achados de síntese, da fabricação riquíssima de verbos a custa de tudo quanto é substantivo – numa opulência e numa liberdade que só encontram símile na língua inglesa, da criação não arbitrária mas seguindo uma espécie de lógica de língua nascente que se vê nos neologismos do autor de Reçaga – tudo isto é seiva que mostra força e riqueza, a variedade e a reserva que o regionalismo representa para nossa falação do português do Brasil.
Em Carmo Bernardes sente-se a fala do povo mas tornada literária, por um mestre da memorialística do conto e do romance. Ele usa a mesma para exprimir sua terra, principalmente no sentido dramatico que lhe dá o contato do homem com suas asperezas, com os outros homens, com a gente – considerada agora em bloco, com o tempo inexorável, com o mato, os bichos, as águas de rio, as de charco, as de poço – habitadas pelo Bicho Rodeiro que me parece um sincretismo do Buracão de São Paulo, do Minhocão – ainda daquele estado e de Minas e do Caboclo d’Água que vive no fundo do São Francisco.
Que argúcias de caçador e pescador não precisa o Homem para viver assim cercado de meio hostil, de semelhantes inimigos, bicharada de verdade e fauna de mal assombrado. Essa matéria-prima de sua literatura é sentida na pele, vista, cheirada e captada pelos ouvidos finíssimos de Carmo Bernardes. Com seus claros escuros, suas tintas vivas ou esmaecidas ele faz os flashes do livro atual [Idas e Vinda, Codecri, 1977].
Mais flashes mesmo, simples fotografias, que uma seqüência cinematográfica. Quero dizer com isto que ele se despreocupa e nem toma conhecimento da necessidade de um enredo, de uma anedota para seus contos. Esses constam, principalmente, da apresentação de uma cena altamente dramática sobre a qual o pano se levanta súbito e desce outra vez de repente. É geralmente um quadro cotidiano e terrível que se vê então. A nitidez e a flagrante realidade estatelam o leitor que não precisa de antes nem depois para construir ele mesmo sua própria interpretação do que viu. Nesse ponto de vista, Carmo Bernardes é um sugestionador e um criador imbatível. Quando se começa sua leitura e sente-se que ele já está no vim tem-se vontade de perguntar – como? Quando se a termina – por quê? Mas isto está implícito quando se descobre que ele geralmente se dá ao trabalho de fazer um conto só com seu desfecho ou chegando a um impasse. O resto fica para a intuição poética do leitor. Ele que se leve até ao autor e trate de investigar suas intenções. O escritor goiano por influência ou por simples adivinhação, tem coisas de Tourgueniev, Maupassant e Poe – enredo à parte. Digo no drama, na situação de espanto ou na de humor negro.
Cada estória isolada do livro atual [Idas e Vindas: contos, 1977] representa o que eu disse acima. Lidos em conjunto, na ordem em que estãou ou noutra que apraza lhes dar – esses contos se untam, fazem elos de corrente e adquirem então o nexo de um grande romance. O de sua terra, o do coração deste Brasil – que o goiano Carmo Bernardes auscultou como ninguém.
PEDRO NAVA*
+++++
(*) Fonte: BERNARDES, Carmo. Idas e Vindas: Contos e Causos. Rio De Janeiro: Codecri, 1977. Apresntação de Pedro Nava, ilustr. Poty. Texto cit. p.7/9. Para saber mais sobre Bento Fleury e o estudo sobre Carmo, consultar o link deste blog.
DO ARTIGO DO amigo e parceiro do poeta Pio Vargas, hoje presidindo a Ube/Go, meu caro escritor e advogado Edival Lourenço em Colunistas Revista Bula.
Edival Lourenço em “Colunistas – Revista Bula”, 19-AGO-2015. “Até hoje muitas pessoas dizem que fui uma espécie de pai literário de Pio Vargas, que fui seu orientador, a pessoa que o conectou com a poesia considerada de boa qualidade. Eu mesmo cheguei a alimentar essa ilusão por algum tempo. Mas olhando agora de longe, pela perspectiva que o tempo nos dá, acredito que há um equívoco em tudo isso. Na verdade, se há um pai literário nessa relação, eu é que sou filho de Pio Vargas.” (E.L.)
DESPERTÁCULO
*Último poema de PIO VARGAS (1964-1991)
Estou pronto
para a guerra que encontro
quando acordo:
botei vigia nos sentidos
e iludi com comprimidos
outros seres a meu bordo.
Abandonei o vício
de estar sempre
a soletrar ruínas,
dei liberdade a meus detentos
minha pressa diluiu nos passos lentos
e rasguei
meu calendário de rotinas.
Inverti a ordem.
Já não saio por aí
a devorar compromissos,
tomei posse no governo de mi mesmo
e derrotei os meus omissos.
Venci a batalhas
de ter que estar sempre por perto,
às vezes voo para dentro
do meu sonho a céu aberto.
Estou pronto:
eu já concordo
com a guerra que encontro
quando acordo.
********************
(*) Dentro da cooperação e fraternidade literária surgida entre o “pai” e o “filho” (que se revezavam na amizade literária), havia sólida cumplicidade. Com o desaparecimento precoce do poeta, Edival recebeu da esposa de Pio um envelope e relata o que continha e o que ocorreu na noite anterior à morte:
<<“Naquela noite ele ainda deixou com a Edilene Naves, sua mulher, um envelope lacrado para ser entregue a mim. Dentro continha um livro de título sintomático: “Tudo Que é Sólido Desmancha no Ar” (do americano Marshall Berman) e um poema para eu complementar. Com sua morte no dia seguinte, concluí que o poema estava pronto. Portanto nunca o complementei, e nunca vou complementá-lo. É a primeira vez que mostro esse poema, que tem um título sugestivo: “Despertáculo”.>>
LEIA MAIS poemas do Pio Vargas em seleta de Salomão Sousa, no website de Antonio Miranda.
“NO MOMENTO EM QUE IA ESCREVER SOBRE TI, BERNANOS, FUI IMPELIDO POR SECRETA FORÇA ÍNTIMA A ESCREVER-TE…”
Assim o poeta Jorge de Lima inicia sua ODE AO COXO VELOZ*. Agora que o mundo relembra o Centenário da I Guerra Mundial, jornais lembram o Diário de Bernanos, com o seu estilo inconfundível e sua cólera e amargura derramadas contra “os poderosos do mundo” nem sempre dispostos a manter a Paz, quebrando pactos e nos afundando em outros conflitos – como foi o caso da II Guerra e de tantos outros conflitos ao redor do mundo. Depois de seu testemunho em prol dos “Rapazes Franceses” e de todo o mundo que são as primeiras vítimas dos campos de batalha, nada pode ser igual e o elogio da coragem nunca é demasiado…
A Ode ao Coxo Veloz abre o livro de Hubert Sarrazin “Bernanos no Brasil”, Testemunhos vividos de grandes escritores brasileiros, reunidos e apresentados por H. Sarrazin. O propósito do livro é reunir depoimentos de “vozes brasileiras que poderiam fazer-se ouvir sobre o homem que foi seu [do Brasil] hóspede de 1938-1945…” – diz a editora na ‘orelha’ do livro citado – a mesma época dos Diários agora revividos em França. Com uma memória enfraquecida por décadas de ideologia nas universidades, cátedras, círculos literários e academias, o país pode perder a memória deste hóspede ilustre e iconoclasta – o “grande Urso”, Le Grand Georges – o escritor para quem não ha descanso – pois sempre lutou; o que não teve ideologias que o calasse: Bernanos que foi um grande Cristão, o Escritor-Católico entre os católicos; o Escritor Francês entre os franco-“Brasileiros” (o adjetivo pátrio aqui desejado por este blogueiro e pelo próprio Bernanos que diversas vezes manifestou-se cidadão do mundo, mas amante incondicional do Brasil…).
Pela manutenção da memória de hóspede tão ilustre das terras de França no Brasil, mantenho uma página dedicada a Bernanos.
Continuemos com a Ode (de J.L.)… Continuar lendo
NESTA caminhada, vou lendo mais e refletindo sobre os passos dados e sobre o caminho que hei de tomar…
Os bastões em que me amparo só a mim dizem respeito. As pessoas que me são companheiras de estradas, estas sim, trazem um duplo respeito: há os que me amam e a quem amo, de volta. Há os espectadores, alguns atentos ao próximo tropeço, há os que ficam como que na arquibanca, só comendo pipoca. E há os que esperam assistir ao “enterro da última quimera…” C’est la vie.
Eis a vida, que amamos, vista como num conto ou filme – derivados todos do ato de Viver. Todos juntos, podemos restaurar muitas obras, quando caminhamos juntos. A senda comum é de diálogo, conversas às vezes ásperas e exige decisões. Ortega Y Gasset tem razão:
“Antes de fazer alguma coisa, cada homem tem que decidir, por sua conta e risco, o que ele vai fazer. Porém essa decisão torna-se impossível se o homem não possui algumas convicções sobre o que são as coisas ao seu redor, ou os outros homens, ou ele mesmo. Unicamente tendo em vista tudo isto, ele pode preferir uma ação à outra, pode, em resumo, viver.”
++++
Fontes: Biblia Sagrada, ed. Ave Maria, livro de S.Tiago cap. I:5-12.
Ortega Y Gasset, site oficial.
NESTA caminhada, vou lendo mais e refletindo sobre os passos dados e sobre o caminho que hei de tomar…
Os bastões em que me amparo só a mim dizem respeito. As pessoas que me são companheiras de estradas, estas sim, trazem um duplo respeito: há os que me amam e a quem amo, de volta. Há os espectadores, alguns atentos ao próximo tropeço, há os que ficam como que na arquibanca, só comendo pipoca. E há os que esperam assistir ao “enterro da última quimera…” C’est la vie.
Eis a vida, que amamos, vista como num conto ou filme – derivados todos do ato de Viver. Todos juntos, podemos restaurar muitas obras, quando caminhamos juntos. A senda comum é de diálogo, conversas às vezes ásperas e exige decisões. Ortega Y Gasset tem razão:
“Antes de fazer alguma coisa, cada homem tem que decidir, por sua conta e risco, o que ele vai fazer. Porém essa decisão torna-se impossível se o homem não possui algumas convicções sobre o que são as coisas ao seu redor, ou os outros homens, ou ele mesmo. Unicamente tendo em vista tudo isto, ele pode preferir uma ação à outra, pode, em resumo, viver.”
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Fontes: Biblia Sagrada, ed. Ave Maria, livro de S.Tiago cap. I:5-12.
Ortega Y Gasset, site oficial.
Voilà que o tempo passa. Ontem, completei 59 anos.
Dia desses, eu era um menino magrelo, aprendendo coisas num abrigo para órfãos, prometendo a si mesmo que sairia dali para conquistar o mundo, mas não sairia como o R. Silva, fugido.
Queria, sim, estudar e ser distinguido entre os melhores. Usava com disciplina minhas horas na biblioteca, lendo tudo, a tudo atento nos livros e nas explanações e conselhos e sermões…
As observações sobre motivação, feitas por Jose Ortega Y Gasset nunca tiveram tanto sentido para o menino que se tornou este Sr. quase sexagenário e que quer “criar juízo”.
E se a vida é mesmo uma viagem, como queriam os místicos cristãos, parece-me dizer que a viagem outrora planejada, os trajetos todos se mostram como no “La vida es un viaje…ya se van, ya se van…” – passageiros somos; tudo já se (es)vai… e dá-me a impressão que ao leitor jovem pode parecer estranha: “como passou rápido o tempo desta minha viagem”…
Acho que era o poeta gaúcho (e universal) Augusto Meyer quem dizia que “a vida é a sombra de um sonho na sombra”. De outra cepa poética viva e eterna me vem o soneto esquecido de Bandeira: ‘A vida é vã como a sombra que passa’ (M.Bandeira).
Acho que sim, do alto do tijolinho em que subo aos 59 anos completos, poetas. Mas queremos continuar vivendo intensamente.
E esse “outro enfermo” que hoje sinto ser, encontra alegria especial em ler e reler os meus escritores amados. Na fila entra outro:
MO YAN, chinês, prêmio Nobel de Literatura 2012, traduziu lembranças da vida semelhantes em um título simples – MUDANÇA:
“O que quero narrar deve ter acontecido depois de 1979, mas o fio do meu pensamento teima em ignorar esse limite e volta àquele outono de 1969, com o seu sol radiante, seus crisântemos dourados e seus gansos migrando para o sul. Nesse ponto, já não me distingo de minha lembrança. Meu pensamento, ou aquele eu que fui um dia, um menino solitário expulso da escola, mas ainda atraído pelo vozerio que vinha lá de dentro, esgueira-se tímido pelo portão sem vigia, atravessa um corredor comprido e escuro e alcança um pátio escolar rodeado de construções…”
Eis para onde me leva o fio do meu pensamento hoje:
No ano de 1966, este colunista era um menino entusiasmado, vibrante, por ter alcançado por méritos de Admissão ao Ginásio de um colégio de classe média alta, em Anápolis (GO), onde havia conseguido uma bolsa integral.
O susto do viver o pegava pela veia, apertava a jugular, daí porque se isolar na biblioteca, se esconder em seus livros amados e, nas poucas vezes correndo pelos corredores limpíssimos do CCM, teimava em se enxergar no piso vermelho do meu colégio, cujo zelo da faxineira o fazia como uma sorte de espelho onde se mirar.
No espelho falso em que o ‘vermelhão’ bem encerado me mostrava a face, via horizontes infindos, via a cidade grande, a liberdade de andar pela cidade, o sonho de aprender a dirigir – como os tios Queiroz o faziam tão bem; via a França, no espelho refletido, buscava-a em Balzac, em Dumas (pai), em Hugo…sonhava o mais do tempo! Preferia os livros, a biblioteca à enxada e o ‘éito’ – era taxado preguiçoso.
Agora, como uma espécie de atuário da imaginação, tento um balanço quase impossível deste meu 59o. aniversário (ocorrido ontem), tentando refazer a linha do tempo que me leva de Goiânia a Garanhuns (PE), passando por Anápolis, Porto Alegre, Paris e Marraquesh, de Passo Fundo a Bordeaux, com a mesma e viva centelha do amor à vida, com uma facilidade de me meter em encrencas; mas desejoso de centrar-me em uma vida nova, plena, onde a crença nos valores primevos da infância (cristã e humanista), presenteada pela generosidade de tantos que passaram em minha vida – possa gerar uma nova fase, onde seja a
sabedoria a meta principal; o alvo a humildade do desejo de Servir; nova fase em que a Felicidade esteja em plenitude.
Avoé, adolescentes sessentões, cá estou no mesmo ‘carrefour’ da Vida, que deve ser vivida, porque (como diz Padre Rubens) “…é Eterna!”. Deixo-lhes com os conselhos de S.Tiago, se interessados como eu estão na mudança. E neste sentem como se passando por ‘prova(oca)ções’. © Adalberto de Queiroz, para os “Cadernos de Sizenando”.
Voilà que o tempo passa. Ontem, completei 59 anos.
Dia desses, eu era um menino magrelo, aprendendo coisas num abrigo para órfãos, prometendo a si mesmo que sairia dali para conquistar o mundo, mas não sairia como o R. Silva, fugido.
Queria, sim, estudar e ser distinguido entre os melhores. Usava com disciplina minhas horas na biblioteca, lendo tudo, a tudo atento nos livros e nas explanações e conselhos e sermões…
As observações sobre motivação, feitas por Jose Ortega Y Gasset nunca tiveram tanto sentido para o menino que se tornou este Sr. quase sexagenário e que quer “criar juízo”.
E se a vida é mesmo uma viagem, como queriam os místicos cristãos, parece-me dizer que a viagem outrora planejada, os trajetos todos se mostram como no “La vida es un viaje…ya se van, ya se van…” – passageiros somos; tudo já se (es)vai… e dá-me a impressão que ao leitor jovem pode parecer estranha: “como passou rápido o tempo desta minha viagem”…
Acho que era o poeta gaúcho (e universal) Augusto Meyer quem dizia que “a vida é a sombra de um sonho na sombra”. De outra cepa poética viva e eterna me vem o soneto esquecido de Bandeira: ‘A vida é vã como a sombra que passa’ (M.Bandeira).
Acho que sim, do alto do tijolinho em que subo aos 59 anos completos, poetas. Mas queremos continuar vivendo intensamente.
E esse “outro enfermo” que hoje sinto ser, encontra alegria especial em ler e reler os meus escritores amados. Na fila entra outro:
MO YAN, chinês, prêmio Nobel de Literatura 2012, traduziu lembranças da vida semelhantes em um título simples – MUDANÇA:
“O que quero narrar deve ter acontecido depois de 1979, mas o fio do meu pensamento teima em ignorar esse limite e volta àquele outono de 1969, com o seu sol radiante, seus crisântemos dourados e seus gansos migrando para o sul. Nesse ponto, já não me distingo de minha lembrança. Meu pensamento, ou aquele eu que fui um dia, um menino solitário expulso da escola, mas ainda atraído pelo vozerio que vinha lá de dentro, esgueira-se tímido pelo portão sem vigia, atravessa um corredor comprido e escuro e alcança um pátio escolar rodeado de construções…”
Eis para onde me leva o fio do meu pensamento hoje:
No ano de 1966, este colunista era um menino entusiasmado, vibrante, por ter alcançado por méritos de Admissão ao Ginásio de um colégio de classe média alta, em Anápolis (GO), onde havia conseguido uma bolsa integral.
O susto do viver o pegava pela veia, apertava a jugular, daí porque se isolar na biblioteca, se esconder em seus livros amados e, nas poucas vezes correndo pelos corredores limpíssimos do CCM, teimava em se enxergar no piso vermelho do meu colégio, cujo zelo da faxineira o fazia como uma sorte de espelho onde se mirar.
No espelho falso em que o ‘vermelhão’ bem encerado me mostrava a face, via horizontes infindos, via a cidade grande, a liberdade de andar pela cidade, o sonho de aprender a dirigir – como os tios Queiroz o faziam tão bem; via a França, no espelho refletido, buscava-a em Balzac, em Dumas (pai), em Hugo…sonhava o mais do tempo! Preferia os livros, a biblioteca à enxada e o ‘éito’ – era taxado preguiçoso.
Agora, como uma espécie de atuário da imaginação, tento um balanço quase impossível deste meu 59o. aniversário (ocorrido ontem), tentando refazer a linha do tempo que me leva de Goiânia a Garanhuns (PE), passando por Anápolis, Porto Alegre, Paris e Marraquesh, de Passo Fundo a Bordeaux, com a mesma e viva centelha do amor à vida, com uma facilidade de me meter em encrencas; mas desejoso de centrar-me em uma vida nova, plena, onde a crença nos valores primevos da infância (cristã e humanista), presenteada pela generosidade de tantos que passaram em minha vida – possa gerar uma nova fase, onde seja a
sabedoria a meta principal; o alvo a humildade do desejo de Servir; nova fase em que a Felicidade esteja em plenitude.
Avoé, adolescentes sessentões, cá estou no mesmo ‘carrefour’ da Vida, que deve ser vivida, porque (como diz Padre Rubens) “…é Eterna!”. Deixo-lhes com os conselhos de S.Tiago, se interessados como eu estão na mudança. E neste sentem como se passando por ‘prova(oca)ções’. © Adalberto de Queiroz, para os “Cadernos de Sizenando”.
Meus caros amigos:
NÃO HÁ HUMORISTA brasileiro que tenha me feito rir mais do que Chico Anysio.
Havia o Mazzaropi da minha infância, mas era cinema e raro. Chico frequentou a sala de minha casa durante muitos anos me fazendo sempre rir e descontrair-me. Diria mesmo que nos fez rir e descontrairmo-nos, pois sempre foi um programa para os Amaral Queiroz, em família.
Revi no Jornal Nacional e na Globo News de hoje à noite toda a história composta de estórias de nossas vidas.
É verdade que diante do frio da morte trememos (pois morte não deve ter nenhum calor, a não ser que o sujeito tenha sido queimado). Todos dirão a mesma coisa, principalmente diante das câmeras (e estas não as tenho aqui) esbanjando elogios a Chico Anysio. Não o faço de forma espalhafatosa nem gratuita, pois ele sempre me fez rir e sempre me deu orgulho de tê-lo como concidadão.
(Constato que é bem raro que tenha-me ou tenha-nos irritado – o que é bem comum em outros humoristas).
Verdade é que o criador de mais de duas centenas de personagens de riso aberto e generoso não tem senão calor humano para nos transmitir. Seus tantos personagens fizeram parte de nosso cotidiano e estão na nossa memória afetiva do Riso.
Vou ao pai da matéria para entender o riso – se é que precisamos, pois rir é tão simples como começar a fazê-lo (como se coçar) e faz muito bem.
O x da questão é que o Riso já foi assunto de filosofia (e das boas). Quando comecei a me irritar com o esgar do (mal/mau) humor atual de certas pessoas na websphere, chegou-me em salvação um anjo chamado MEG e me enviou pelos Correios “O Riso”, de Henri Bergson.
É, pois, do mestre Bergson que garimpo essas pérolas (o riso como “gesto social”) para lembrar-me com afeto do humorista de minha vida, curtindo Chico Anysio:
“O riso não é da alçada da estética pura, pois persegue (de modo inconsciente e até imoral em muitos casos particulares) um objetivo útil de aperfeiçoamento geral. Tem algo de estético, todavia, visto que a comicidade nasce no momento preciso em que a sociedade e a pessoa, libertas do zelo da conservação, começam a tratar-se como obras de arte. Em suma, se traçarmos um círculo em torno das ações e disposições que comprometem a vida individual ou social e que punem a si mesmas através de suas consequências naturais, fica fora desse terreno de emoção e de luta, numa zona neutra em que o homem serve simplesmente de espetáculo ao homem, uma certa rigidez do corpo, do espírito e do caráter, que a sociedade gostaria ainda de eliminar para obter de seus membros a maior elasticidade e a mais elevada sociabilidade possíveis. Essa rigidez é a comicidade, e o riso é seu castigo”.
O chicote de Chico era tanto para a sociedade brasileira e seus maus costumes quanto para seus dirigentes.
Tiro meu chapéu para Chico Anysio, que me fez rir e me deu muito mais elasticidade como cidadão. Embora nunca tenha, mesmo com o charme e a flexibilidade dele, aprendido a contar piadas – o que é um defeito de fábrica em minha formação.
Ave, Chico Anysio! 23.03.2012.
++++
Fonte: BERGSON, Henri. “O Riso”. Edit. Martins Fontes, SP, 2004. pág.15.
Post-Post: Soube da cobertura da morte de Chico Anysio: o de que mais gostei foi saber que ele com 6 esposas e um mundo de filhos e netos, se dava bem com todos.Confira neste link> http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/03/corpo-de-chico-anysio-e-cremado-no-rio.html