Luto, deuil (inter)national

O silêncio de Asterix, Obelix e Ideafix não cede ao terror.

Homenagem d’Uderzo aos mortos em Paris. Pela liberdade de expressão.

SILENCIOSO, expresso minha solidariedade à França que eu amo e que não se cala.
La France que inclui meus mestres: BERNANOS, François MAURIAC, Claudel, Bloy, Maritain e tantos outros…escritores, cantores, compositores, uma plêiade de homens e mulheres que honram o valor universal da Liberdade (de Expressão, sobretudo!).

La France de Trénet et Aznavour. A França de De Gaulle et Souchon, a França de meus amigos e das canções do coração – do meu amigo e professor, mestre Serge Evreinoff e Lelê e Marie e Tania Evreinoff: FRANÇA que nenhum pedaço (bom ou ruim, sadio ou podre, calmo ou raivoso) do Islam poderá jamais apagar de meu coração.

EU sou Cristão, sou Georges Bernanos – muito antes de Charlie; Charlelie Couture, antes de Cabu; Charlemagne; antes de Wolinski; St. Martin de Tours, antes de Charb; Bernard antes de Tignous…Meu abraço solidário a todas as famílias que hoje choram seus mortos: Wolinski, Cabu, Charb et Tignous e outras tantas mais.

Meu lápis escreve a palavra Liberté! como um valor sagrado, entre os iguais e os semelhantes. La France catholique e mãe da Liberdade, eu rezo por Ti, doce segunda pátria sempre amada, que nos deu o mais brasileiro dos Francos: G. Bernanos, o caipira mineiro universal. Em minha página do FB, citei os amigos virtuais e reais abaixo:

– Euler Fagundes De França Belém Denise Rodrigues Monica Manna Raquel Teixeira Yves Bernanos Jean-Louis Beylard-Ozeroff César Miranda Helio Moreira Maria Abadia Silva Francisco Barros Le Groupe Français d’Albuquerque.

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Carlos Alberto Salustri – Trilussa (2) – O gato socialista e outras fábulas

PAULO DUARTE foi o responsável por me fazer chegar às mãos e à mente os poemas de Trilussa, na edição que encontrei num sebo, anos depois de publicada esta 3a. edição, definitiva e com mais 24 poemas inéditos, da Marcus Pereira Publicidade, S. Paulo, 1973.

Trilussa CapaO livrinho me fora recomendado por Anatole Ramos. Anatole foi meu padrinho literário, um tipo à parte no universo da literatura que aqui (em Goiás) se praticava; um revisor de primeira e um cronista generoso que sempre tinha uma palavra de incentivo aos que estavam começando. Ao jovem que eu fui, Anatole sempre prestou a mesma generosa receptividade que fora dada ao jovem e entusiasmado leitor de Trilussa – sr. Paulo Duarte – pelo próprio poeta.
Trilussa nasceu e foi batizado como Carlos Alberto Salustri e eternizado como o poeta “Trilussa”.

A história da amizade entre tradutor e traduzido está muito bem contada na introdução dessa edição citada que tenho em mãos e que prefiro não citar por inteiro, para causar a meus seis leitores o desejo de procurar uma edição deste.

Só o que me interessa agora é transcrever um poeminha de Trilussa, com a finalidade didática de mostrar minha repulsa aos “socialistas” de plantão em nossa pátria e, de resto, em toda a América Latina, oportunistas e “espertalhões matriculados”… Com uma lábia especial e uma articulação de bastidores cheirando ao mofo dos regimes tiranos, ei-los ainda capazes de convencer e ganhar corações e mentes de jovens e até de alguns idosos que não se curam da doença juvenil do esquerdismo.

O Gato Socialista” é um poema da fase de difícil convivência com o fascismo italiano. Fase esta em que, como assinala Paulo Duarte,

“…valeu-lhe [a Trilussa] o melhor de sua obra, os versos contundentes que se tornaram símbolo da inteligência italiana resistindo contra a ditadura, com a qual não é possível coexistir a verdadeira inteligência…”  Foi também a fase em que a vida do poeta tornou-se mais áspera, porque “os jornais tinham medo de publicar certas poesias; os editores não se atreviam a dá-las em volume. A renda diminuiu …” , mas não a poesia; tornando-se, pois, “esse o período mais produtivo do poeta” quando “as suas mais famosas sátiras foram então lançadas. Trilussa lia-as em qualquer ‘osteria’ (hospedagem) onde jantava e algumas era até publicadas…”

Com vocês, meus caros leitores uma das mais saborosas sátira aos oportunistas que insistem em tratar toda a gente como gado manobrável, para os quais o pensamento divergente é motivo de “Listas” – por sinal, de jornalistas (poetas ou pessoas comuns) tão díspares entre si – como Reynaldo Azevedo e Míriam Leitão – pelo simples fato de que não agradam ao Falcão de plantão.


O GATO SOCIALISTA
Trad. Paulo Duarte*

Um Gato, conhecido socialista,
no fundo, espertalhão matriculado,
estava devorando um frango assado
na residência de um capitalista.

Eis então que outro Gato apareceu
na janela que dava para a área:
– Amigo e companheiro também eu
faço parte da classe proletária!

Melhor do que ninguém, conheço as tuas
idéias. Estou mais que certo pois
de que dividirás o frango em duas
partes, uma pra cada um de nós dois!

– Vá andando, resmunga o reformista,
Nada divido seja com quem for,
em jejum, sou de fato socialista,
mas, quando como, sou conservador.

 

Trilussa GatoSocialista

+++++
Fonte: “Versos de Trilussa”, trad. Paulo Duarte, ed. Marcus Pereira, 1973, 3a. ed.
Trilussa, nascido Carlos Alberto Salustri, em Roma 26/SET/1873, morreu na mesma cidade a 21 de dezembro de 1950, poeta e ilustrador, deixou inúmeros livros traduzidos em francês, inglês, espanhol, alemão, russo, grego, húngaro, polonês, tcheco e português (com muito atraso, graças ao esforço do tradutor Paulo Duarte e do editor Marcus Pereira).

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Teria esta Lição maior validez…

“Se em vez de carioquinha, o Millôr fosse um velho chinês…”

(paródia a um poema do Millôr (*)

Um dia depois de eu ter transformado o jogador colombiano Zúñiga em “bode expiatório” de minha revolta contra o “cordeiro imolado” que é nosso melhor jogador de futebol (e um dos mais jovens da Copa), pensei, repensei.

Lembrei-me de dois textos que me ajudam a entender o momento e por um instante, racionalmente deixo minha paixão futebolística de lado, para refletir sobre violência do homem contra o homem (homem lobo do homem?! – mesmo? Deixe sua resposta para o final do texto do Millôr.

Leiam o texto “Homem” de Millôr (abaixo), após o um texto do pensador francês René Girard sobre Violência e a Teoria do Bode Expiatório.  E entre Millôr e Girard, naturalmente, fico com o francês, mas ambos válidos para esta minha mirada para entender-me, entender-nos, nós Homens – seres humanos, mulheres inclusas, viu dona Ministra da igualdade pe(a)Teista).

O professor Olavo de Carvalho resumiu, em 1998, o pensamento de René Girard em um parágrafo:

(…) Todas as instituições humanas têm origem ritual, e o ritual resume-se no sacrifício. O sacrifício consiste em descarregar sobre um bode expiatório, vítima inocente e indefesa, os ódios e tensões acumulados que ameaçavam romper a unidade social. Estes ódios e tensões, por sua vez, surgem da impossibilidade de conciliar os desejos humanos. A razão desta impossibilidade reside no caráter mimético do desejo: cada homem não deseja isto ou aquilo simplesmente porque sim, porque é bonito, porque é gostoso, porque satisfaz alguma necessidade, mas sim porque é desejado também por outro ser humano, cujo prestígio cobre de encantos, aos olhos do primeiro, um objeto que em si pode ser inócuo, ruim, feio ou prejudicial. O mimetismo é o tema dominante da literatura, assim como o sacrifício do bode expiatório é o tema dominante, se não único, da mitologia universal e do complexo sistema de ritos sobre o qual se ergue, aos poucos, o edifício político e judiciário. A vítima é escolhida entre as criaturas isoladas, inermes, cuja morte não ofenderá uma família, grupo ou facção: ela não tem vingadores, sua morte portanto detém o ciclo da retaliação mútua. Mas a paz é provisória. Por um tempo, a recordação do sacrifício basta para restabelecê-la. Nesta fase a vítima sacrificial se torna retroativamente objeto de culto, como divindade ou herói cultural. Ritualizado, o sacrifício tende a despejar-se sobre vítimas simbólicas ou de substituição: um carneiro, um boi. Quando o sistema ritual perde sua força apaziguante, renascem as tensões, espalha-se a violência que, se não encontrar novas vítimas sacrificiais, leverá tudo ao caos e à ruína. A sociedade humana ergue-se assim sobre uma violência originária, que o rito ao mesmo tempo encobre e reproduz.”
(Fonte: Continue lendo no Site Olavo de Carvalho).

Apoio-me ainda, nas palavras de Felipe Cherubin:
A função do sacrifício é, portanto, apaziguar a violência e impedir a explosão de conflitos decorrentes de rivalidades cada vez mais crescentes que paradoxalmente focalizam uma vítima arbitrária cuja eliminação reconcilia o grupo e alcança o estatuto do sagrado. Essa vítima é chamada por Girard de “bode expiatório”, um inocente que polariza para si o ódio universal.”  (Felipe Cherubin, na Dicta & Contradicta)

Dá tempo até o próximo jogo interessante…

“Homem!”

© Millôr Fernandes.

“Besta! Você é uma besta!” Besta é como aprendemos a xingar desde cedo. E chamamos de animais os que matam com crueldade, os que violentam, agridem, ferem: “O criminoso reagiu à polícia como uma verdadeira fera!” Como? Correu? Não – atirou, esfaqueou, matou.

Porco-chovinista. A hiena-nazista. Alimentei uma serpente no meu seio. “Rato!” “Cavalos, são todos umas ca-valgaduras!” Pato. Cão. Teimoso como uma mula. Bêbado co-mo um gambá. Burro. Galinha. Lesma. Lágrimas de cro-co-di–lo. Traiçoeiro como uma raposa. Praticamente todos os ani-mais têm sido usados pelo homem para símiles das suas pró-prias fraquezas e defeitos. E os animais, dóceis, conti-nuam sua vida, ignorando que os usamos para cobrir toda a gama de nossa imensa canalhice, quando bebemos mais do que podemos, espancamos os mais fracos, prevaricamos sem medida, agimos, enfim, “como verdadeiros animais selvagens”.

Talvez isso se deva ao fato de que os animais sempre nos evitaram, com raras exceções, como a do cão (um quisling animal, o Pai Thomaz da espécie). Mas, agora que a história natural sabe muito mais sobre os animais, você já tentou ler, ao mesmo tempo, paralelamente, a biografia de uma família “ilustre” e a monografia de um grupo de chimpanzés? Em qualquer família “ilustre” a prevaricação sexual é a constante, a traição sentimental a regra, o ciúme, o impulso, e a violência resultado quase fatal.

Mas um grupo de chimpanzés do Quênia, estudado detidamente por naturalistas holandeses, mostrou que os brutos (perdão!) ficam satisfeitos com apenas seis atos sexuais por ano, já que as fêmeas só se interessam pelo assunto duas ou três vezes por mês e nem querem ouvir falar (grunhir) disso em todo o período da gestação e da lactação. O problema, porém, vejam bem, não é saber se os gorilas são ou não melhores do que o homem porque se importam menos com sexo, mas apenas mostrar que não é válido, na descrição de violências sexuais, num caso de estupro, por exemplo, dizer que o homem “cedeu a seus instintos bestiais”. O que ele cedeu mesmo foi a seus instintos humanos.

Mas, se alguns animais copulam menos, todos brigam menos do que os homens. Ainda estou para ver elefantes se adestrando militarmente para atacar leões, tigres se mobilizando para enfrentar uma horda de jacarés invasores, búfalos matando bisões por questões de fronteiras, ri-no-ce-ron-tes vendendo chifres a girafas, e assim por diante. Quando não se sentem efetivamente atacados, todos os animais deixam pra lá. Não brigam por conceitos, não reagem por pressupostos, não se ofendem por questões lingüísticas, não matam por religião. E, mesmo atacados por razões vitais, inúmeras vezes rugem, (zurram, escoiceiam, berram) mas, assim que podem, satisfeitas as necessidades teatrais da espécie, fingem que não foi nada e dão o fora. Paz! Paz!

Mesmo os animais definitivamente vitoriosos em lutas quase nunca procuram tirar partido disso. Viram as costas e vão embora. No máximo comem um pedaço do inimigo, se for o caso; se o caso é fome. Não há condecorações, butins de guerra, nem retaliações em nome do passado, tratados preservando um pasto para o futuro, colinas de Golan contestadas entre jaguatiricas e cascáveis, e, sobretudo, não há arcos do triunfo.

Pois é: já é tempo de inverter os termos e afirmar que uma pessoa é “suave como um elefante”, “maternal como uma cobra”, “tímido como um rinoceronte”, “delicado como um urso”, ou que “o coelhinho me olhou com um olhar quase humano”, isto é, de ódio ou inveja. Pois desde a Bíblia a interpretação foi sempre contra os animais: a serpente era pérfida e perdeu o homem. E, no entanto, tudo o que a serpente fez, afinal, foi contestar uma portaria aparentemente sem nexo. Possivelmente ela teve apenas a intenção de instigar o homem a um prazer que ele até então não desfrutara. E certamente a coisa não teria o desfecho desastroso que teve (o pão com o suor de nosso rosto, etc.) se não tivesse se metido na história o elemento agressivo e agressor, o anjo com a espada de fogo na mão. Um homem!

+++++
Fontes: Texto “Homem”, de Millôr Fernandes, transcrito de Revista Veja online.
(*) Poemas do Millôr (não achei a fonte – se você, leitor, souber, me envia por favor!):
”Tudo o que eu digo
Teria maior validez
Se em vez de carioquinha
Eu fosse um velho chinês”.

Teria esta Lição maior validez…

“Se em vez de carioquinha, o Millôr fosse um velho chinês…”

(paródia a um poema do Millôr (*)

Um dia depois de eu ter transformado o jogador colombiano Zúñiga em “bode expiatório” de minha revolta contra o “cordeiro imolado” que é nosso melhor jogador de futebol (e um dos mais jovens da Copa), pensei, repensei.

Lembrei-me de dois textos que me ajudam a entender o momento e por um instante, racionalmente deixo minha paixão futebolística de lado, para refletir sobre violência do homem contra o homem (homem lobo do homem?! – mesmo? Deixe sua resposta para o final do texto do Millôr.

Leiam o texto “Homem” de Millôr (abaixo), após o um texto do pensador francês René Girard sobre Violência e a Teoria do Bode Expiatório.  E entre Millôr e Girard, naturalmente, fico com o francês, mas ambos válidos para esta minha mirada para entender-me, entender-nos, nós Homens – seres humanos, mulheres inclusas, viu dona Ministra da igualdade pe(a)Teista).

O professor Olavo de Carvalho resumiu, em 1998, o pensamento de René Girard em um parágrafo:

(…) Todas as instituições humanas têm origem ritual, e o ritual resume-se no sacrifício. O sacrifício consiste em descarregar sobre um bode expiatório, vítima inocente e indefesa, os ódios e tensões acumulados que ameaçavam romper a unidade social. Estes ódios e tensões, por sua vez, surgem da impossibilidade de conciliar os desejos humanos. A razão desta impossibilidade reside no caráter mimético do desejo: cada homem não deseja isto ou aquilo simplesmente porque sim, porque é bonito, porque é gostoso, porque satisfaz alguma necessidade, mas sim porque é desejado também por outro ser humano, cujo prestígio cobre de encantos, aos olhos do primeiro, um objeto que em si pode ser inócuo, ruim, feio ou prejudicial. O mimetismo é o tema dominante da literatura, assim como o sacrifício do bode expiatório é o tema dominante, se não único, da mitologia universal e do complexo sistema de ritos sobre o qual se ergue, aos poucos, o edifício político e judiciário. A vítima é escolhida entre as criaturas isoladas, inermes, cuja morte não ofenderá uma família, grupo ou facção: ela não tem vingadores, sua morte portanto detém o ciclo da retaliação mútua. Mas a paz é provisória. Por um tempo, a recordação do sacrifício basta para restabelecê-la. Nesta fase a vítima sacrificial se torna retroativamente objeto de culto, como divindade ou herói cultural. Ritualizado, o sacrifício tende a despejar-se sobre vítimas simbólicas ou de substituição: um carneiro, um boi. Quando o sistema ritual perde sua força apaziguante, renascem as tensões, espalha-se a violência que, se não encontrar novas vítimas sacrificiais, leverá tudo ao caos e à ruína. A sociedade humana ergue-se assim sobre uma violência originária, que o rito ao mesmo tempo encobre e reproduz.”
(Fonte: Continue lendo no Site Olavo de Carvalho).

Apoio-me ainda, nas palavras de Felipe Cherubin:
A função do sacrifício é, portanto, apaziguar a violência e impedir a explosão de conflitos decorrentes de rivalidades cada vez mais crescentes que paradoxalmente focalizam uma vítima arbitrária cuja eliminação reconcilia o grupo e alcança o estatuto do sagrado. Essa vítima é chamada por Girard de “bode expiatório”, um inocente que polariza para si o ódio universal.”  (Felipe Cherubin, na Dicta & Contradicta)

Dá tempo até o próximo jogo interessante…

“Homem!”

© Millôr Fernandes.

“Besta! Você é uma besta!” Besta é como aprendemos a xingar desde cedo. E chamamos de animais os que matam com crueldade, os que violentam, agridem, ferem: “O criminoso reagiu à polícia como uma verdadeira fera!” Como? Correu? Não – atirou, esfaqueou, matou.

Porco-chovinista. A hiena-nazista. Alimentei uma serpente no meu seio. “Rato!” “Cavalos, são todos umas ca-valgaduras!” Pato. Cão. Teimoso como uma mula. Bêbado co-mo um gambá. Burro. Galinha. Lesma. Lágrimas de cro-co-di–lo. Traiçoeiro como uma raposa. Praticamente todos os ani-mais têm sido usados pelo homem para símiles das suas pró-prias fraquezas e defeitos. E os animais, dóceis, conti-nuam sua vida, ignorando que os usamos para cobrir toda a gama de nossa imensa canalhice, quando bebemos mais do que podemos, espancamos os mais fracos, prevaricamos sem medida, agimos, enfim, “como verdadeiros animais selvagens”.

Talvez isso se deva ao fato de que os animais sempre nos evitaram, com raras exceções, como a do cão (um quisling animal, o Pai Thomaz da espécie). Mas, agora que a história natural sabe muito mais sobre os animais, você já tentou ler, ao mesmo tempo, paralelamente, a biografia de uma família “ilustre” e a monografia de um grupo de chimpanzés? Em qualquer família “ilustre” a prevaricação sexual é a constante, a traição sentimental a regra, o ciúme, o impulso, e a violência resultado quase fatal.

Mas um grupo de chimpanzés do Quênia, estudado detidamente por naturalistas holandeses, mostrou que os brutos (perdão!) ficam satisfeitos com apenas seis atos sexuais por ano, já que as fêmeas só se interessam pelo assunto duas ou três vezes por mês e nem querem ouvir falar (grunhir) disso em todo o período da gestação e da lactação. O problema, porém, vejam bem, não é saber se os gorilas são ou não melhores do que o homem porque se importam menos com sexo, mas apenas mostrar que não é válido, na descrição de violências sexuais, num caso de estupro, por exemplo, dizer que o homem “cedeu a seus instintos bestiais”. O que ele cedeu mesmo foi a seus instintos humanos.

Mas, se alguns animais copulam menos, todos brigam menos do que os homens. Ainda estou para ver elefantes se adestrando militarmente para atacar leões, tigres se mobilizando para enfrentar uma horda de jacarés invasores, búfalos matando bisões por questões de fronteiras, ri-no-ce-ron-tes vendendo chifres a girafas, e assim por diante. Quando não se sentem efetivamente atacados, todos os animais deixam pra lá. Não brigam por conceitos, não reagem por pressupostos, não se ofendem por questões lingüísticas, não matam por religião. E, mesmo atacados por razões vitais, inúmeras vezes rugem, (zurram, escoiceiam, berram) mas, assim que podem, satisfeitas as necessidades teatrais da espécie, fingem que não foi nada e dão o fora. Paz! Paz!

Mesmo os animais definitivamente vitoriosos em lutas quase nunca procuram tirar partido disso. Viram as costas e vão embora. No máximo comem um pedaço do inimigo, se for o caso; se o caso é fome. Não há condecorações, butins de guerra, nem retaliações em nome do passado, tratados preservando um pasto para o futuro, colinas de Golan contestadas entre jaguatiricas e cascáveis, e, sobretudo, não há arcos do triunfo.

Pois é: já é tempo de inverter os termos e afirmar que uma pessoa é “suave como um elefante”, “maternal como uma cobra”, “tímido como um rinoceronte”, “delicado como um urso”, ou que “o coelhinho me olhou com um olhar quase humano”, isto é, de ódio ou inveja. Pois desde a Bíblia a interpretação foi sempre contra os animais: a serpente era pérfida e perdeu o homem. E, no entanto, tudo o que a serpente fez, afinal, foi contestar uma portaria aparentemente sem nexo. Possivelmente ela teve apenas a intenção de instigar o homem a um prazer que ele até então não desfrutara. E certamente a coisa não teria o desfecho desastroso que teve (o pão com o suor de nosso rosto, etc.) se não tivesse se metido na história o elemento agressivo e agressor, o anjo com a espada de fogo na mão. Um homem!

+++++
Fontes: Texto “Homem”, de Millôr Fernandes, transcrito de Revista Veja online.
(*) Poemas do Millôr (não achei a fonte – se você, leitor, souber, me envia por favor!):
”Tudo o que eu digo
Teria maior validez
Se em vez de carioquinha
Eu fosse um velho chinês”.

Mascarada social (II)

Ainda sob os efeitos das festas de fim-de-ano, volto a Henri Bergson, para transcrever mais um trecho sobre a vida em sociedad, recordando que ele abre esse tópico lembrando que a mascarada social, advém da “sociedade fantasiada”:  “(…) o lado cerimonioso da vida social deverá, pois, conter uma comicidade latente, que só precisará de uma oportunidade para vir à luz “.
Após um lembrete do que foi o último post (I), segue-se “à comicidade derivada do automatismo” (II). Confira, prezado leitor:

(I) “Risível será, portanto, uma imagem que nos sugira a ideia de uma sociedade fantasiada e, por assim dizer, de uma mascarada social. Ora, essa ideia se forma logo que percebemos o que há de inerte, de pronto, de confeccionado enfim, na superfície da sociedade viva.

(II)“Mas ainda aqui cabe acentuar a comicidade aproximando-a de sua fonte. Da ideia de fantasia ou disfarce, que é derivada, será preciso remontar então à ideia primivitva, de um mecanismo sobreposto à vida. A própria forma compassada de todo cerimonial nos sugere uma imagem deste tipo. Assim que esquecemos a seriedade do objeto de uma solenidade ou de uma cerimônia, os que tomam parte dela produzem em nós efeito de marionetes. Sua mobilidade se regra pela imobilidade de uma fórmula. É automatismo. Mas automatismo perfeito será, por exemplo, o do funcionário que funciona como simples máquina, ou ainda a inconsciência de um regulamento administrativo que se aplica com fatalidade inexorável e é tido por lei da natureza. Há já alguns anos, um paquete naufragou nas proximidades de Dieppe. Alguns passageiros foram resgatados com grande dificuldade por uma embarcação. Alguns inspetores de alfândega, que se haviam comportado bravamente no resgate, começaram por perguntar ‘se não tinham nada que declarar’. Vejo certa analogia, embora a ideia sema mais sutil, nestas palavras de um deputado que interpelava o ministro no dia seguinte a um crime cometido na ferrovia: ‘o assassino, depois de matar a vítima, deve ter descido do trem pelo lado contrário ao da estação, violando os regulamentos administrativos.
“Um mecanismo inserido na natureza, uma regulamentação automática da sociedade, esses são, em suma, os dois tipos de efeitos engraçados aos quais chegamos (…)

+++
Fonte: BERGSON, Henri. “O Riso”. Martins Fontes, SP, 2004, p.33-35.

O riso segundo Bergson

Fim-de-ano é sempre um momento para celebrar – beber  e comer de graça faz parte, brother! – rir um bocado do(a)s personagens que nos rodeiam está incluso no pacote.
São tantas as oportunidades (de aproveitar e se chatear com a longa cerimônia), que recorri a Henri Bergson para compreender tudo isso. É um texto antigo mas muito esclarecedor. Confira:

“Passemos à sociedade. Vivendo nela, vivendo por ela, não podemos abster-nos de tratá-la como um ser vivo. Risível será, portanto, uma imagem que nos sugira a ideia de uma sociedade fantasiada e, por assim dizer, de uma mascarada social. Ora, essa ideia se forma logo que percebemos o que há de inerte, de pronto, de confeccionado enfim, na superfície da sociedade viva. É rigidez outra vez, e que destoa da flexibilidade interior da vida. O lado cerimonioso da vida social deverá, pois, conter uma comicidade latente, que só precisará de uma oportunidade para vir à luz. Pode-se dizer que as cerimônias estão para o corpo social como o traje está para o corpo individual: sua gravidade se deve ao fato de se identificarem, para nós, com o objeto sério ao qual o uso as vincula, e perdem essa gravidade assim que nossa imaginação as isola dele. Desse modo, para que uma cerimônia se torne cômica, basta que nossa atenção se concentre no que ela tem de cerimonioso, e que desprezemos sua matéria, como dizem os filósofos, para só pensar em sua forma. É ocioso insistir neste ponto. Todos sabem com que facilidade a invenção cômica é exercida sobre os atos sociais que tem forma imutável, desde a simples distribuição de condecorações até uma sessão de tribunal. São formas e fórmulas, molduras prontas onde a comicidades se inserirá. (…)

Pensem nisso enquanto eu fecho este post pensando no Brasil do Séc. XXI.

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Fonte: BERGSON, Henri. “O Riso”. Trad. Ivone C. Benedetti. SP, Martins Fontes, 2001, pág. 33/4.

Invertebrado: dicionário diferente

Link especial: pra lá de engraçado, com um viés histórico e literário, sob a égide de Jean Cocteau, Ambrose Bierce e Samuel Johnson. Informação e diversão garantidas.

Dicionário lírico e filosófico by Igor Taam

Dicionário lírico e filosófico by Igor Taam