
O mês de outubro se esvaiu, a vida se esvai. Frente à areia velocíssima do tempo que escorre diante da gente, continuo a sonhar nesta cidade horizontal e quente, festiva e laboriosa. Aqui vivemos e persistimos, entre notícias de tumultos, guerras, desavenças e incompreensões, desejando que a vida seja um sonho bom, que a busca pela felicidade seja contínua, mesmo em face da incógnita que é o futuro, tal como as emoções que ele nos reserva.
Daqui a pouco é Natal, chegará o Ano Novo e estaremos todos no modo fechados para balanço. Então, seremos forçados a pensar nas coisas findas: projetos realizados, sonhos concretizados e o que planejamos para o futuro, sempre em concordância com aquela verdade antiga: as pessoas que estão em paz não desejam que o Tempo corra tão velozmente.
Há dois anos, quando aceitei o desafio de escrever crônicas quinzenalmente aqui no POPULAR, não tinha a menor ideia do prazer que esta atividade me proporcionaria, além de ter-me propiciado fazer um balanço afetivo da minha infância e um registro da incrível experiência de morar por três meses na Coreia e Japão.
Espero continuar explorando, em minhas crônicas, as memórias de minha adolescência e juventude em Goiânia. Recentemente, pude reavivar uma delas, quando assisti um vídeo feito com o Sêo João Malandro, motorista de coletivo em Goiânia e um dos fundadores do Vila Nova Futebol Clube, personagem popular desses 90 anos de nossa capital.
Lembro-me com afeto de pegar o ônibus que Sêo João dirigia quando eu cheguei a Goiânia nos anos 70. Ele é uma lenda da cidade onde comecei a viver em 1973 e aprendi a amar. Era um senhor bem-humorado, que dirigia um dos coletivos mais limpos e agradáveis de se viajar.
Naquela época, sobravam-me sonhos e energia na mesma medida em que me faltava dinheiro para o coletivo. Para ir e vir do colégio onde eu ensinava Matemática e Física, em Campinas, ou indo e voltando da casa da minha namorada. Sêo João, às vezes, me deixava entrar sem pagar passagem. O que realmente ficava acima de tudo eram os horizontes amplos em que tudo se anunciava como magia do tempo.
Encantados com a ideia de renovação e de esperança em um futuro melhor, eu e ela sonhávamos juntos sem noção da intensidade de eventos futuros. Hoje, passados 48 anos, vivemos na mesma cidade que esnoba a falsa juventude de nove décadas e aqui contabilizamos sonhos e projetos realizados juntos – “coisas findas” e preciosas à nossa memória, como no poema de Carlos Drummond de Andrade:
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Aos sessenta e oito anos, alcancei um olhar mais condescendente com o passado, não lamentando o tempo perdido (ou coisas não findas) e o balanço é que o destino foi muito generoso comigo, ao me premiar com mais do que mereci.
Contabilizo muitas coisas findas a comemorar: projetos realizados, livros lançados e outros em preparo, além das pequenas alegrias do cotidiano. Degustar um chá ou café, uma (ou mais) taças de vinho; observar a mudança do tempo, apreciando a chegada da estação chuvosa; os aromas cotidianos; ler livros antigos, refletindo sobre as coisas eternas; acompanhar o crescimento do manjericão e do alecrim na minha hortinha (ou nos vasos da janela da cozinha) – coisas tangíveis que podem ser tornar sensíveis para aqueles que amam a Vida.

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