
Que pena ver o mês de maio se esvaindo. Já vivemos algumas datas importantes que o compõem: Dia do Trabalhador, das Mães –, mas os de Pentecostes e do Espírito Santo estão por vir. Alguns dizem e eu creio firmemente que o mais importante é ser o mês de Nossa Senhora. Creio que maio é antes, e sobretudo, o mês azul em minha existência. Fiz até uma balada ao mês de maio, que tem como subtítulo Goyaz Azul, assim mesmo com este Y no meio, como nos versos do poeta Leo Lynce no poema sobre a emoção de voltar de trem de São Paulo para a terra natal.
Lavando a louça da noite anterior nesta manhã de sábado, um pouco antes de escrever esta crônica, enquanto cumpria meu dever de marido, alimentei o sentido do olhar, apreciando as nuvens do céu azul que comprovam a emoção de antanho – Maio é o mês azul em Goiás, um mês mágico, para não dizer milagroso, uma vez que alguns dos meus contemporâneos não se dispõem a crer em milagres.
É quando me ocorre um episódio de “memória involuntária” e recordo um personagem de Marcel Proust – o Visconde de Sylvanie, de “Os prazeres e os dias”. Sem querer estragar o prazer do leitor de conhecer por seus próprios olhos e sentimentos as aventuras (e desventuras) de “A morte de Baldasse Silvande”, retomo um trecho para atiçar-lhe a curiosidade.
Apesar da morte anunciada no título (que afinal é o destino comum a todos nós, mortais), o nosso protagonista com sua situação provoca no sobrinho aquela “estupefação imensa sobre o escândalo universal dessas existências das quais não excetuava sequer a sua própria, caminhando para a morte aos recuos, olhando para a vida…”
É para a vida que olho, tomando de empréstimo os olhos do visconde, diante da janela de minha casa, de onde descortino o campo verde, a floresta e o céu azul, aquelas nuvenzinhas que se formam nessa altura do ano em Goiás e, provavelmente, em nenhum outro burgo, mesmo sabendo como aprendi em Macbeth que “a vida não passa de uma sombra errante, de um pobre ator que se pavoneia e se lamenta em sua hora no teatro, e que, depois, não é mais ouvido; é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria…”
Porém, mesmo “não significando nada”, a história deve ser contada e, por isso mesmo, tento resgatar os brilhos de maio em minha terra, como T. S. Eliot registrou a crueldade de abril no país bretão – abril seria o mais cruel dos meses para ele, ou para quem perdeu um amor, como na canção francesa. Para mim, benévolo leitor, o mês de maio é pura luz que nenhuma treva da realidade violenta e brutal pode obscurecer.
Sabemos por essa história de Proust que, mesmo às vésperas da morte, o visconde ainda se emociona com a paisagem de sua casa e por isso manda arrastar seu leito de moribundo para junto das janelas abertas, de onde descortina um barco, levado ao mar por marinheiros que atiravam a corda no molhe, e ia partindo… Depois, ele manda cerrar as janelas do lado pavilhão para abrir as que davam para os pastos e os bosques. É quando o milagre se dá de “ainda ouvir o grito de adeus mandado para o navio, e via o grumete, cachimbo na boca, que estendia seus fios…” É assim que ele “recorda os prazeres que amara tão apaixonadamente e que, como todos nós um dia, já não mais desfrutaria”.

Retorno à minha janela, para saldar o mês de maio e a sede de viver que ainda me alimenta os dias, recordando esse trecho da minha Balada de maio:
“Salve, manhãs de maio plenas desse azul
a causar ciúme a Matisse.
Salve, manhãs de maio quando o tamboril
de meu jardim estica os braços desejosos
de alcançar uma nesga do doce algodão dos céus.
Salve as manhãs de maio em que o cerrado
testemunha a glória de Deus.”

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