A virgem Maria

O melhor texto que li nesta quadra do Advento foi (é) de Renan Martins dos Santos, publisher da Editora Concreta.

Deixarei o link ao final, só para reter você, Leitor, por aqui, um pouco, pois o tema que Renan nos leva a repensar é o da centralidade de Nossa Senhora na história da Salvação humana — que nos foi propiciado pelo advento do Encarnado, o Filho de Deus.

Ele diz:

(…) Mas a história nos conta que houve um ser humano capaz de atravessar esses véus de intangibilidade, uma única pessoa que concebeu a partir de uma decisão direta. Esse ser humano foi a Virgem Maria. Virgem, porque, entre o seu espírito e o Espírito que lhe cobriu com sua sombra, não havia os ruídos da carne. A sua decisão repercutiu imediatamente, sem o intermédio dos instrumentos humanos. Certamente ela não podia decidir quem seria esse ser humano que carregaria em seu seio, especialmente quando a forma dessa alma seria a própria Forma divina, pela qual todas as outras coisas foram criadas. O anjo Gabriel lhe deu a notícia de quem seria, e a Virgem, passado o natural espanto, acolheu a decisão divina, determinada a receber o princípio mesmo do universo dentro de sua alma. Só de uma tal decisão poderia brotar, não mais um animal racional entre tantos, mas o próprio Verbo encarnado, a própria Sabedoria que os filósofos tanto buscaram e que parecia infinitamente distante. A partir dela finalmente reestabeleceu-se uma ponte firme e segura entre os dois planos da realidade até então aparentemente irreconciliáveis desde a criação do mundo. O mistério da decisão humana, da escolha da alma racional, onde essa passagem de um plano ao outro acontece em um núcleo escuro e inacessível, em Maria se dá de maneira tão fulgurosa, que é como a versão humana do Fiat lux!, o ato original de toda a realidade. “Faça-se (em mim) a (vossa) luz”.
“A escolha máxima havia de ser uma máxima entrega. A aceitação de um poder infinito em seu seio equivalia à integração definitiva entre o espírito e a matéria, entre o ideal e o real, entre o Céu e a Terra. A humanidade de Deus, longe de ser absurda, era a única resposta possível ao problema mais interior da própria existência. “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”. Imaculado, o seio da Virgem, ao aceitar a proposição que lhe fora feita no sexto mês, tornou-se como a repetição do Sétimo Dia, em que Deus finalmente decidiu repousar. (Renan Martins dos Santos).

SIGAMOS as já famosas “58 Catequeses do Papa João Paulo II” sobre Nossa Senhora, alocuções feitas pelo SS. Padre de 1995 a 1997, nas audiências gerais das quartas-feiras, extrai essas notas (listo-as aqui como anotadas em meu caderno de Catequista, que era à epoca):
  1. A presença de Maria na Origem da Igreja
    1. Atos 1:14: Um olhar para a Bem-aventurada…”todos unidos pelo mesmo sentimento…”
  2.        Cap. VIII de “Lumen Gentium” – coloca em evidência a contribuição que a figura da Bem-aventurada Virgem Maria oferece à compreensão do mistério da Igreja.
    1.  Lucas nos Atos dos apóstolos nos fala da presença feminina no Cenáculo. Oração e Concórdia.
  3.  “Bendita sois vós entre as mulheres” (Lc. 1, 42) – que enseja três propósitos:
    1. Perseverança na oração;
    2. Concórdia e Amor entre os fiéis;
    3. Missão singular de Maria.
  4.  A presença de Maria é discreta durante a Vida de Jesus e de singular evidência nos primeiros dias da vida da Igreja. – Atos 1, 14; Lc. 1,35.
  5. Maria no Cenáculo com “os irmãos de Jesus” –  a família espiritual (Igreja).
    1. Maria operando como “a Mãe da Igreja” –  eis o papel da Virgem e sua centralidade: “manter unidos os irmãos, mesmo em meio às disputas“.
    2. A educação do povo cristão para a Oração.
  6.  Contemplar o rosto de “Theotokos” (Theo: Deus; Tokos: Mãe).10075670a4f3a27abd6588dbd20d4c4b
  7.  Contemplar o rosto  materno de Maria nos primeiros séculos.
    1. “Lumen Gentius” – 52. Convoca os fiéis a venerar a memória de Maria, mãe de Jesus, Nosso Senhor.
    2. “Mãe de Jesus – título que assume todo o seu significado – título honorífico e de veneração, que nos faz recordar o lugar da Virgem Maria na vida de Jesus.
    3. A maternidade virginal – a origem da Revelação do mistério da concepção por obra do Espírito Santo. É parte do Credo Apostólico: “…nascido da Virgem Maria“.
      1. A maternidade virginal jamais poderá estar separada da identidade de Jesus.
      2. Maria é inspiração e modelo. Uma riqueza incomensurável … a vocação especial de Maria alcança seu vórtice no exemplo de Cristo.
    4. O título “Mãe de Deus” foi atribuído só depois de uma reflexão da Igreja que durou dois séculos.
      1. No século III d.C., no Egito, começam os cristãos a invocar Maria como “Theotokos”, Mãe de Deus.
    5. “Sub tuum praesidium” : “Sob Tua Proteção”, Theotokos, mãe de Deus.
      1. Concílio de Éfeso, 431 d.C., define o dogma da maternidade de Maria: “Mãe de Jesus”; “Mãe virginal” e “Mãe de Deus”.
    6. O rosto da Mãe do Redentor.
      1. “A virgem Maria é reconhecida e honrada como verdadeira mãe de Deus Redentor” – (Lumen Gentium, 53).
      2. Na Idade Média, a piedade e a reflexão teológica aprofundam a sua colaboração na obra do Salvador.
      3. A “Mariologia” (estudo da vida de Maria Santíssima) se orienta em função da Cristologia e em nenhum outro.
      4. Final do século II d.C., Santo Irineu, discípulo de Policarpo, diz: “Maria é a antítese perfeita da desobediência e incredulidade de Eva.”
        1.  “….assim como Eva causou a morte, de igual modo Maria, com seu “Sim”, se tornou causa da Salvação para si própria e para todos os homens” (17, 3-2).
        2. Doutrina – “Vita di Maria”, século X pelo monge bizantino João, o Geômetra.
        3. São Bernardo, no século XII (1153) comenta a apresentação de Jesus no Templo como um oferecimento do Filho…hóstia Santa, agradável a Deus.”
        4. Arnaldo de Chartres distingue “dois altares: um no coração do Cristo. Cristo imolava a sua carne; Maria, a sua alma“. Daí em diante, é elaborada a “Doutrina da especial cooperação de Maria no sacrifício do Redentor“.

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          A compaixão da Mãe e a Paixão do Filho, imortalizadas no mármora já exatamente famoso: “Pietà”, de Michelangelo, no Museu do Vaticano.

        5. Contemporaneamente, o olhar contemplativo sobre “a compaixão de Maria”, a “Pietá” indica-nos a participação de Maria como “um evento profundamente humano“.
        6. Santo Anselmo: “Maria, a Mãe da Reconciliação e dos reconciliados, a Mãe da Salvação e dos que forem salvos“.
        7. A maternidade de Maria não é só um ligame afetivo; é contribuição eficaz para o nascimento espiritual e desenvolvimento da Graça…”Mãe, plena de Graça; Mãe da Vida”  – Gregório de Nissa e Guérrico de Igny (1157): “Um só foi gerado, mas todos nós fomos regenerados“.
        8. Século XIII — “Mariale“: a regeneração é atribuída ao “parto doloroso do Calvário”.
        9. Concílio Vaticano II: “Maria cooperou de modo singular na obra do Salvador…É por esta razão nossa Mãe na ordem da Graça. (Lumen gentium, 61).
          1. Maria é nossa Mãe, verdade consoladora que sustenta e encoraja os fiéis à vida espiritual, mesmo em meio ao sofrimento, levando / trazendo Confiança e Esperança. (19).
        10. Maria na Sagrada Escritura e na reflexão teológica
          1. Dogma da Imaculada Conceição, Pio IX (1854).
          2. Dogma da Assunção, Pio XII (1950).
          3. “Mariologia” é, pois, campo da investigação teológica particular.
          4. Escassa informação nos Evangelhos.
          5. De São Paulo, Apóstolo: Epístola aos Gálatas 4,4.
            1. Bem pouco se sabe sobra a família de Maria de Nazaré:
              1. Citações a conferir: Mc. 3, 32; Mt. 12, 48; Lc. 11:27.
            2. Lucas  – Anunciação / Nascimento / Apresentação do Menino Jesus no Templo / Encontro com os Doutores da Lei.   – essa é a base da “protomariologia“.
            3. O Evangelista São João aprofunda o valor histórico-salvifíco do papel da Mãe de Jesus em Jo. 2:1-12; 19:25-27; e em Atos 1, 14 (este escrito por S. Lucas).
        11. A Exegese atual enriquece Santo Ambrósio: “o foco no propagador do Mistério”, conservando a centralidade do Mistério de Cristo”.
        12. Em Lucas 2,19: … “mas Maria guardava todas essas, meditando-as no seu coração“.
          1. Esforçando-se para “pôr juntos” (symballousa), com um olhar mais profundo, todos os eventos de que ela tinha sido testemunha privilegiada. (22)
          2. O centro é o “Cântico de Maria” (Lc. 1,46-55):

            “Magnificat anima mea Dominum
            Minha alma exalta ao Senhor Deus
            Et exsultavit Spiritus meus in Deo Salutari meo
            E meu Espírito se alegra em Deus, meu Salvador.

            AMÉM!

 

Fonte:
JOÃO PAULO II, Papa e Santo da Igreja: “A Virgem Maria – 58 Catequeses do Papa João Paulo II”, Editora: Cléofas; Idioma: Português; ISBN: 978-85-88158-46-7; O texto de Renan Martins no Medium.

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Destarte “Érico Nogueira” (1)

Clique para ler o artigo em Opção Cultural Online – DESTARTE.

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A defesa da fé e o amor: armas de São Bernardo contra as heresias de Abelardo

LEIA meu artigo-resenha sobre o livro “As heresias de Bedro Abelardo”, trad. Carlos Nougué e Renato Romano, É Realizações, Col. Medievalia, coord. Sidney Silveira.

Edição do livro do santo católico que viveu no século 12, na Alta Idade Média, representa, mais que uma mera publicação para especialistas e eruditos, um ato pedagógico.

Adalberto de Queiroz
Especial para o Jornal Opção

 

Em abril, foi lançado o livro “As Heresias de Pedro Abe­lardo” (É Realizações, 120 páginas, tradução de Carlos Nougué e Renato Romano), livro em edição bilíngue latim-português, de alto valor tanto para os fiéis e os estudiosos da obra de São Bernardo de Claraval, bem como para aqueles que mesmo não partilhando da fé católica, prezam a verdade e estão interessados nos pensadores da Idade Média. Depois de publicar Duns Scot, Clemente de Alexandria e Santo Tomás de Aquino, com títulos raros ou disponíveis apenas em edições portuguesas, a editora É Realizações, sob a coordenação do medievalista Sidney Silveira, presta um grande serviço ao leitor brasileiro interessado no pensamento dos filósofos e teólogos medievais. “Este lançamento representa um ato pedagógico”, resume Sidney Silveira.
Continue lendo no link Opção Cultural.

Neste link, leia o artigo completo, antes da edição pelo jornal.

Bernardo de Claraval, guia da Cristandade (3): devoto de Nossa Senhora

Um monge, homem santo e perfeito, Bernardo viveu a imitação de Cristo e torna-se a consciência do séc. XII. Sem evitar a polêmica, é o homem santo providencial para um tempo difícil. É o caso de retomar Chesterton quando se refere a Santo Tomás de Aquino:

Um paradoxo da história é que cada geração é convertida pelo santo que mais a contradiz” (G.K. Chesterton, vida de Santo Tomás de Aquino, p.194).

Iniciemos este post justo de onde findamos o segundo  desta série: citando Dante, no Paraíso:

(…)
“Assim orei, e ela, tão distante
quão parecia, sorriu e olhou pra mim,
e à Eterna Fonte volveu seu semblante.

“E o santo ancião: “Por chegares ao fim”,
disse, “do teu caminho, a que um rogar
amoroso mandou-me, este jardim

percorre agora com o teu olhar;
o que o fará fortalecer, no aguardo
de nos raios divinos te elevar.

E a rainha do Céu, por quem eu ardo
de amor, nos doará graça qualquer,
por mim, que sou o seu fiel Bernardo”

Qual peregrino a nós vindo pra ver,
talvez da Croácia, a Verônica nossa,
que, por sua antiga fome, ainda a rever

resta, insaciado, e um mudo apelo esboça:
“Senhor meu Jesus Cristo, Deus veraz,
então foi essa a aparência vossa?”,

assim eu me sentia, frente à vivaz
benevolência deste que, no mundo,
cismando, já gozara dessa paz.

“Ó rebento da Graça, este jucundo
sentir”, disse ele, “não te será noto
mantendo o teu olhar aqui pra o fundo;

mas mira os giros até ao mais remoto,
onde acharás a Rainha divina
de que este reino é súdito e devoto.”

(…)
“Tivesse eu, por dizer, tanta perícia
quanta pra imaginar Deus me cedeu,
nem tentaria contar tanta delícia.

Bernardo, percebendo ora o olhar meu
ao seu Amor dirigido e presente
o seu com tanto afeto a Ela volveu,

que o meu, à remirar, fez mais ardente.”

(Canto XXXI, 91 -142, Paraíso, Dante Alighieri, trad. Ítalo Eugênio Mauro, ed. 34, 1998/2004.

cropped-1297783845.jpgContinuemos, pois, com Dante, na pena do mesmo tradutor e mesma edição:

No Canto XXXII do Paraíso, End av T-9, Esq. T-2 nr 1116, SL. 108
Edit T&T Empresarial
St Bueno coloca São Bernardo como protagonista. Bernardo continua a sua lição sobre a Rosa Mística. Aos pés da Virgem está Eva e, descendo, Raquel e Beatriz; na terceira ordem, Rebeca, Judith e Ruth. Há uma disposição vertical, sem separação, das beatas do Antigo e do Novo Testamento. Diante delas estão São João Batista e, descendo, São Francisco, São Benedito e Santo Agostinho. Abaixo, num corte horizontal, encontram-se as almas dos meninos que foram salvos, nos tempos anteriores a Cristo, pela fé dos pais (a circuncisão) e, depois de Cristo, exclusivamente pelo batismo. São Bernardo convida Dante à contemplação da Virgem, ladeada por Adão e São Pedro e, opostamente, por Moisés e São João Evangelista e tendo à sua frente Santa Ana, mãe de Maria, e Santa Luzia. Por fim, São Bernardo adverte Dante para que desconfie do seu próprio julgamento, que pode estar desviado da verdade, e submeta as suas escolhas à dependência da Graça Divina. E se prepara para uma oração à Virgem que iniciará no Canto seguinte [Canto XXXIII, em Italiano].

1
Acalentado pela sua afeição,
aquele santo a mestre se erigiu,
e começou assim a sua lição:

“Da chaga, que Maria fechou e ungiu,
a bela, que aparece lá aos seus pés,
foi a culpada, que primeiro a abriu.

E abaixo dela senta, por sua vez,
Raquel, no arco terceiro tendo só,
ao lado, Beatriz, como tu vês.

Judith, Sara, Rebeca e a bisavó
daquele que, contrito, foi cantor
de ´Miserere Mei´, com dor e dó

tu podes ver, seguindo esse pendor,
assim como eu, nome a nome citando,
desço na Rosa de uma a outra flor.
(…)
94
E aquele Amor que primo lá desceu,
cantando “Ave Maria gratia plena”
à frente dela as asas estendeu.

Respondeu, à divina cantilena,
de todas as partes a beate corte,
sua expressão tornando mais serena.

Ó santo padre que, por mim, dispor-te
a aqui descer cuidaste, do lugar
no qual tu sentas por eterna sorte;

que anjo é esse que, fitando o olhar
da Rainha nossa, o seu tanto ilumina;
enamorado a ponto de queimar:

O exemplo usei da afeição genuína
do Santo que se alinda de Maria,
qual faz do Sol a estrela matutina.

(…)
151
E começou, em seguida, esta oração.

Canto XXXIII
1 «Vergine Madre, figlia del tuo figlio,
2 umile e alta più che creatura,
3 termine fisso d’etterno consiglio,

4 tu se’ colei che l’umana natura
5 nobilitasti sì, che ‘l suo fattore
6 non disdegnò di farsi sua fattura

7 Nel ventre tuo si raccese l’amore,
8 per lo cui caldo ne l’etterna pace
9 così è germinato questo fiore.

Continue lendo…Canto XXXIII

Quis a vontade divina que um dos filhos de um castelão, de família guerreira e nobre, fosse destinado ao convento; que nele fizesse uma reformulação, sempre respeitando sua Ordem e seus superiores (os monges Cistercienses);  que enfrentasse uma ampla frente de defesa da Cristandade – que vivia tempos de enfrentamento de algumas adversidades: i.) o inimigo do Cristianismo (o Islamismo); ii.) as heresias; iii.) ajudasse na manutenção da integridade da fé Católica, evitando os desvios de conduta moral de pastores da Igreja; e, iv.) mas não menos importante, alçou o monaquismo a padrões morais de disciplina, oração e  ação; de pobreza e simplicidade que opõe o o despojamento (Claraval, mosteiro por ele fundado) ao fausto (Cluny).

Em tantos assuntos interviu Bernardo de Claraval e o fez de modo tão superior que foi reconhecido Doutor da Igreja (em 1830, pelo papa Pio VIII). Enigma para os historiadores ateus (ou agnósticos), São Bernardo viveu uma vida de santidade, [a vida] de um homem providencial em um tempo difícil (cf. Padre Luis A. Ruas Santos).

Quando o poeta Dante o coloca no Paraíso com o olhar  voltado à Santa Virgem Maria, está o poeta florentino elogiando o “Doutor Melífluo” mas também chamando-nos à importância da devoção a Nossa Senhora, da qual Bernardo nunca se descurou.

Deixo a você leitor o canto composto por São Bernardo em homenagem à Virgem Maria e um link para o texto dos Arautos do Evangelho sobre a figura de Bernardo o “varão de fogo” e ao mesmo tempo o Doutor Melífluo (pois de seus sermões e suas orientações espirituais, às vezes duras! parecia emanar mel).

“Denominado pelo Papa Inocêncio II de “muralha inexpugnável que sustenta a Igreja”, [Bernardo de Claraval] passou para a História com o título de “Doutor Melífluo”, porque a unção de suas exortações levava todos a afirmar que seus lábios destilavam puríssimo mel.

“Quem, no mundo cristão, não conhece a incomparável e doce prece “Lembrai- vos”, a ele atribuída? Foi um dos primeiros a chamar de “Nossa Senhora” a Mãe de Deus. Conta a tradição que, escutando certa feita seus irmãos cantarem a Salve Regina, irrompeu de seu coração pervadido de enlevo a tríplice exclamação que hoje coroa esta oração: “Ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria!”

“Foi também um dos primeiros apóstolos da mediação universal de Maria Santíssima, deixando esta doutrina claramente consignada em numerosos sermões: “Porque éramos indignos de receber qualquer coisa, foi-nos dada Maria para, por meio d’Ela, obtermos tudo quanto necessitamos. Quis Deus que nós nada recebamos sem haver passado antes pelas mãos de Maria.”

Fonte: Arautos do Evangelho.

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E o canto que mesmo não tendo sua autoria comprovada, foi por ele, Bernardo, divulgado amplamente e a ele se atribui a autoria das três frases finais da prece:
Salve Rainha” – como o rezamos hoje:
O Clemens, O Pia, O Dulcis Virgo Maria!
O “Salve Regina” é uma lembrança da antiga França. Atribui-se ao bispo de Puy, Adhemar de Monteuil, membro do Concílio de Clermont, onde foi resolvida a primeira Cruzada. Adhemar seguiu a Cruzada na qualidade de legado apostólico e compôs a Salve Regina para que se tornasse o canto de guerra dos cruzados. A princípio, a antífona acabava por estas palavras: nobis post hoc exilium ostende. A tríplice invocação que a termina presentemente foi acrescentada por São Bernardo, e merece ser narrado como se fez.

“Na véspera do Natal do ano de 1146, S. Bernardo, mandado para a Alemanha como legado do Papa, fazia sua entrada solene na cidade de Spire, depois de uma viagem memorável na qual os milagres foram numerosos. O bispo, o clero, os cidadãos todos, com grande pompa vieram ao encontro do santo e conduziram-no, ao toque dos sinos e dos cânticos sagrados, através da cidade até a porta da capital, onde o imperador e os príncipes germânicos o receberam com todas as honras devidas ao legado do Papa.

nossa-senhora-c3a9-sc3b3-bondade-e-compaixc3a3o-sua-vontade-de-nos-salvar-a-ainda-maior-do-que-a-nossa-prc3b3pria“Enquanto o cortejo penetrava no recinto sagrado, o coro cantou a Salve Regina, antífona predileta do piedoso abade de Claraval. Bernardo, conduzido pelo imperador em pessoa e rodeado da multidão do povo, ficou profundamente comovido com o espetáculo que presenciara. Acabado o canto, prostrando-se três vezes, Bernardo acrescentou de cada vez uma das aclamações, enquanto caminhava para o altar sobre o qual brilhava a imagem de Maria: O clemens! O Pia! O dulcis Virgo Maria!
─ Ó clemente! Ó piedosa! Ó doce Virgem Maria!”
[Esses três últimos parágrafos foram retirados de O Catolicismo, consultado hoje, 26/03/17,  20h00].
Ouçam e acompanhem a letra de Ave Maris Stella no You Tube (link abaixo).
Ave Maris Stella (Hail Star of the Sea).

Literal Latin/English Translation
Sung by the Daughters of Mary
http://daughtersofmary.net/music.php

Bernardo de Claraval, guia da Cristandade (2)

As lições das cartas de Bernardo, via professor-medievalista Rodrigo Costa.

Bernardo escrevendo
“Eu somente posso aconselhar que você anteponha a amizade a todos os interesses humanos, pois não há nada mais apropriado à natureza nem mais necessário para a vida, tanto nos momentos favoráveis quanto nos adversos. A amizade não é senão uma harmonia entre todas as coisas, tanto divinas como humanas, acompanhada pela benevolência e pela estima; creio verdadeiramente que, excetuando a sabedoria, não há nada melhor das coisas outorgadas pelos deuses imortais ao gênero humano.

“Há gente que antepõe as riquezas; outros, a boa saúde; outros, o poder; outros, as honrarias. Muitos também colocam os prazeres. Esses últimos são como as bestas, enquanto as outras opções são caducas e incertas, e dependem não tanto de nossa eleição como da inconstância da Fortuna.

“Contudo, há aqueles que colocam o bem supremo na virtude – e estes obram verdadeiramente muito bem – e essa é a mesma virtude que engendra a amizade e a mantém. É que a amizade não pode, de nenhuma maneira, existir sem a virtude.”

Continue lendo na fonte – o excelente website do professor Ricardo Costa.

Bernardo de Claraval, guia da Cristandade (1)

DILETOS AMIGOS – meditações da Quaresma (1)

Em 2016, tracei como meta ler e meditar sobre a vida e o exemplo de São Bernardo de Claraval (1090-1153). Em princípio, mesmo não sendo historiador, nem possuindo formação acadêmica na matéria, pretendia escrever um pequeno volume em vernáculo sobre o monge que  foi “testemunha de seu tempo perante Deus” (Henri Daniel-Rops) ou “O monge que se impôs a seu tempo” (de autoria do monge Luis Alberto Ruas Santos O.Cist.).

Bastou-me debruçar sobre o alentado volume de Ailbe J. Luddy (Bernardo de Claraval*) para constatar quão grandiosa seria a tarefa sonhada. Não que me desanime, apenas confesso a você, leitor, que me sinto pequeno diante da figura humaníssima deste personagem da história do Cristianismo.

São Bernardo de Claraval (St. Bernard de Clairvaux, 1090-1153) – o que dizer de um homem que atendeu ao chamado à santidade, sem descurar dos assuntos terrenos e, às vezes, esteve neles tão imerso que a polêmica dificulta compreender sua santidade ?

O mundo diante de Bernardo monta o teatrinho antigo do “ame-o ou deixe-o” – de quem admite que falar é fácil e difícil; e, diante da importância e grandeza da personagem, até os ateus (ou agnósticos) sentem-se no direito de vilipendiar a vida do Santo, sobre ele entabulando diálogos inexistentes e fantasiando sobre a sua reta doutrina.

Entanto, Bernardo – sua obra e sua vida – são de uma atualidade impressionante para o século em que vivemos. Sim, este século em que parecemos sucumbir como Cristãos; onde os embates com os maometanos e a decadência dos costumes afrontam a fé Católica, colocando o Cristianismo naquela posição de retaguarda quase afrontosamente covarde diante das coisas mundanas.

Capa Daniel-Rops+Bernardo de Claraval

Henri Daniel-Rops, Ed. Quadrante, 2013, 126p.

Bernardo de Claraval – Testemunha do seu tempo perante Deus, livro de Henri Daniel-Rops é assim de importância relevante para os que desejam conhecer São Bernardo e cotejar sua obra com o século em que o monge de sua cela e dos mosteiros que fez multiplicar, enviava sua força de influência e sua pena de correção aos reis e aos papas, bem como aos hereges e aos infiéis; tudo com força de espírito e estilo próprio que o fez ser reconhecido como Doutor da Igreja.

De fato, toma-se conhecimento neste precioso livrinho de Daniel-Rops que “há nove séculos, em terras ocidentais, o homem mais célebre era um monge cisterciense [da cidade francesa de Cisteaux] chamado Bernardo” – porque exprime sua época e por que o século XII pode ser chamado de “o século de São Bernardo” é o que ficamos sabendo nas 126 páginas deste opúsculo.bernardo-de-claraval_iluminado-por-maria

Os seus méritos são, curiosamente, os que mais causam nos inimigos da Fé as maiores polêmicas: Daniel-Rops lista os problemas propostos pelo seu século e que não ficaram sem resposta por parte de São Bernardo:
1. A Cruzada que deveria ser retomada; 2. o Cisma na Igreja que devia cessar; 3. as relações entre o Império e o Papa; iv. o combate entre racionalismo e a fé; 4. a arte religiosa não se tornar entrave (ou diversionismo) para um encontro com Deus nos templos sagrados.

Bernardo foi este homem raro que “conseguiu a síntese perfeita entre contemplação e ação“. Tornando-se um “homem de ação”,  Bernardo repetiu Santo Anselmo e Jean de Fécamp; foi o exemplo para Santa Teresa d’Ávila e S. João da Cruz; Guilherme de Saint Térry [biógrafo de Bernardo]; Hugo de São Vítor e, mais recentemente, para leigos como Paul Claudel e Charles Péguy.

Mas nenhum desses, conclui Daniel-Rops “realizou como Bernardo de Claraval esse miraculoso equilíbrio entre a vida interior e a ação, entre o que é do mundo e o que ultrapassa os seus horizontes” – enfim, Bernardo transitou com equilíbrio entre o Natural e o Sobrenatural (para usar a expressão feliz de C.S. Lewis).

Isso só prova que se “os grandes místicos são geralmente homens e mulheres de ação e de um bom-senso superior” (na expressão de H. Bergson), a lida com as coisas do dia-a-dia do convento e da hierarquia da Igreja, a visão do lado meramente material e “terra-a-terra” nos mostra que “mesmo na ordem prática, a santidade pode ser eficaz e que a intervenção do elemento Sobrenatural é também fator decisivo no desenrolar da história” humana.

Por que ler e rezar a S. Bernardo ?  O místico dos sermões sobre o “Cântico dos Cânticos” nos basta para fazer reconhecer o poder que a oração e a meditação profunda de temas bíblicos podem fazer quanto ao desejo de estar com Deus.

Já o líder Bernardo foi responsável por espalhar (com seu exemplo e tenacidade) mosteiros ao redor do mundo; e continua influenciando a vida monástica, serve-nos como modelo de Santo que se torna um exemplo, tanto ao purpurado quanto ao mais humilde dos leigos que atuam no seio da Igreja (ou no seu lar), em meio a família ou, na comunidade, como um simples catequista.

O essencial da mensagem de Bernardo “é um apelo permanente aos melhores” – a ação para que todo Cristão seja melhor, o essencial em Bernardo é que se deve sempre visar a criar um conjunto de “aristocratas” no sentido mais profundo do termo, isto é, aqueles que não se contentam senão com o Bem e tudo a que se dedicarem que seja melhor que possa ser feito. Se era exigente com os outros, Bernardo o era duplamente consigo mesmo. Incansável, mesmo na doença e na dor, não deixava de espargir o amor através de suas cartas e sua visitas pessoais – são mais de 500 cartas; 250 sermões; inúmeros comentários aos textos das Escrituras e 86 especiais sermões “De Cantica” – que é considerado sua obra-prima, sobre o “Cântico dos Cânticos“, além dos “Tratados sobre a Doutrina“, que foram decisivos para que, em 1830, Bernardo fosse considerado Doutor da Igreja.

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Vita Prima
, com cinco volumes, entre escritos seus e de seus contemporâneos mostram ao leitor especialista que em Bernardo está “uma personalidade simultaneamente humana e grandiosa, que toca a alma e apaixona a inteligência, um dos modelos mais perfeitos de cristão” – incluindo na admissão de suas culpas e falhas.

De família nobre – sua mãe Aleth era filha do poderosos senhor de Montbard – e de tradição guerreira – seu pai Tescelin era um castelão de Fontaine! -, Bernardo teria diante de si possibilidades múltiplas de carreeira mundana; e bem assim o confirmaram os estudos iniciais em Châtillon-sur-Seine, onde a família tinha uma casa e onde Bernardo foi educado por “pedagogos de elite“. Ele adquiriu os conhecimentos do Trívium – Gramática, Retórica e Dialética – tendo lido, copiado e decorado Horácio, Virgílio, Ovídio (!), Cícero, Lucano, Estácio e Boécio – sem esquecer os Pais da Igreja, sobretudo Agostinho. Recebeu um “verniz do Quadrivium” –  geometria, aritmética, astronomia e música e estudos superiores – e apenas noções elementares, exceto de música. Foi, segundo os biógrafos, um estudante atento e um discípulo tímido e respeito; já desde então amando as Sagradas Escrituras com ardor.

Sem meios-termos, o jovem adulto Bernardo não hesita entre a vida monástica e os altos cargos administrativos ou semirreligiosos que a família poderia ajudar a  obter. Bernardo em 1111, portanto aos 21 anos, decide dirigir-se para Cister:

“O Senhor falou ao coração de um jovem chamado Bernardo, o qual, embora muito novo, de origem nobre, sensível e instruído, desprezou todos os prazeres e delícias do século, como também as dignidades eclesiásticas, e, inflamado no fogo do amor divino, resolveu com todo o fervor da sua alma abraçar a rigorosa vida dos cistercienses”.
(*) Do Exordium magnum Ordinis Cisterciensis.

São Bernardo Pregador

Seu poder de convencimento era grandioso. Ao decidir pela vida devotada ao mosteiro, Bernardo também convenceu quase toda a família a segui-lo. Um exemplo do seu poder de persuasão que o seguirá por toda a vida. Embora o pai tivesse se oposto ao desejo do filho, o tio Gaudry não apenas o apoiou como acabou por segui-lo na sua decisão. Um a um, diz-nos Daniel-Rops, os irmãos sem exceção o seguiram. Homens de guerra e um deles casado, mas Bernardo soube dizer-lhes a mensagem de Deus que os toca profundamente pela decisão da vida monástica.

Há o caso de Gerardo, que ferido num combate, ao olhar o sangue escorrer, exclama, como se tivesse num batismo de sangue: “De hoje em diante, sou monge de Cister!” E o caso de Guy, jovem casado, abandona esposa e duas filhas pequenas para se juntar à família no mosteiro. Resta Nivardo, o caçula dos filhos de Tescelin e Aleth. Com quinze anos de idade, não pode ser admitido no convento. Quando os irmãos comunicam-lhe que lhe deixam a herança para juntar-se a Bernardo, a reação de Guy, relatada por Rops é a seguinte:

Como? Ficais com o céu e deixais-me a terra? replica o rapaz. “Não aceito semelhante partilha.”

Também Guy partirá para Cister na hora apropriada. São cerca de trinta os nobres jovens que baterão à porta de Cister.

– Que desejais, pergunta-lhes o abade Estevão Harding.
– A misericórdia de Deus e a vossa – replicam os jovens caindo de joelhos diante do convento.

Um monge suave, afetuoso e firme, mas condescendente.

Os adversários do Cristianismo gostam de se ocupar da vida de São Bernardo. Já que a santidade é um enigma, torna-se a vida dos Santos a perdição dos historiadores ateus (ou agnósticos); quando perdidos em seus devaneios tentam achar numa polêmica ou numa frase o conteúdo adverso à vida devotada a Deus, para atribuir manchas à vida do Santo; para que nas manchas da vida justifiquem seu ódio ao Cristianismo, estes apelam, então, à mentira. Mentem porque não têm compromisso senão com a “sua versão da história”. E fazem adeptos…

Homem firme e líder monacal de vida austera, Bernardo dá azo aos oponentes para uma teia de mentiras. O que fica para a história, porém, é a vida devotada e o trabalho do Santo em prol do Cristianismo, mesmo quando este trabalho pressupõe reconhecer erros e se recolher de volta ao convento e rezar por aqueles que possa ter induzido ao erro de um combate perdido. Falo da Cruzada que ele pregou e que, sabemos todos, foi uma derrota diante dos mouros.

Mas estou me apressando, pois que estávamos com 30 jovens diante do mosteiro de Claraval, pedindo que as portas se lhes fossem abertas. O abade Harding assim o fez. Bernardo e os seus mergulharam na vida austera do convento. Quando deixava os muros de Claraval, Bernardo era um “pescador de homens” para trazê-los ao serviço de Deus. A figura do santo – ainda segundo Daniel-Rops, “irradia e impõe-se por toda a parte”. Quando ele aparece e fala é como se ouvissem “a flauta mágica da fábula alemã, pois milhares de almas ficam como que “enfeitiçadas” pelo seu chamado. O abade de Stavelot, monsenhor Wibald descreve o pregador Bernardo:

  • “De rosto emaciado pela fadiga e pelos jejuns, pálido, de aspecto espiritualizado, e tão impressionante que só de vê-lo os ouvintes se deixam persuadir, mesmo antes de ele abrir a boca”. Quando fala o “santo asceta, sua emoção profunda, a sua arte incomparável, fruto de muito exercício, a sua dicção clara, o seu gesto apropriado a todos convence”.

Que pesca milagrosa o monge de Claraval obtém! Saint-Quentin, estudantes em Paris, além-mar em Inglaterra – onde sua fama chega trazendo postulantes à vida monacal. Passados poucos anos, os 30 viram 300 e o mosteiro de Cister, dois anos depois (com 25 anos) é enviado como “precocíssimo Abade”, para a fundação de Claraval (Clairvaux, “claros vales”). De Claraval, com as enormes dificuldades e a pobreza, Bernardo alça a fronteira com rigor, energia e amor aos seus monges, daí saindo “a filha de Claraval” a casa-mosteiro de Trois-Fontaines (perto de Montbard), e o outro mosteiro anos depois – em Foigny (próximo a Vervins); e, daí, a regiões mais distantes: Champagne (Igny), região do Vaud (Boumont); às margens do rio Reno (Eberbach, perto da Mongúcia); na Itália – com “Chiaravalle” e na Inglaterra (com Fountaines). No ano da morte de São Bernardo, são 160 comunidades dependentes de Claraval, várias na Irlanda, na Hungria, Escandinávia e na Espanha.

No Brasil de hoje contamos com oito convento – 3 do ramo feminino; 5 do ramo masculino. De um deles nos chega o estudo claríssimo do padre Luis Alberto Ruas Santos (O.Cist.) o cisterciense que não se nega a encarar as contradições do santo enérgico mas amoroso; do Bernardo contemplativo mas guerreiro, o homem de ação que não se nega a polemizar e combater o erro, onde quer que ele se apresente, pois para ele: “Os negócios de Deus são os meus, nada do que lhe diz respeito me é estranho“.

E se é Bernardo criticado por atuar em demasia, sabemos que o móvel de sua ação “não foi a ambição de preponderar mas o zelo pela Igreja” (R. Santos). A autoridade maior e espiritual incontestável de Bernardo colocam-no no centro do seu século – tempo de embates com as heresias e com os inimigos do Cristianismo. A franqueza que usa com seus monges é a mesma que adverte bispos, príncipes, grandes dignitários eclesiásticos e até papas. Sua autoridade vem da convicção íntima e implícita da autoridade que Deus lhe infunde e Bernardo nada teme pois sabe o papel que tem a cumprir na Igreja de Cristo.

A ironia que S. Bernardo usa com Arnaldo de Brescia é a mesma que eu tomaria por empréstimo para me dirigir os (neo)ateus que se valem das contradições aparentes da vida do Santo para tentar-lhe imputar erros que são os de suas mentes perversas:

– “Dizem que se encontra perto de ti, Arnaldo de Brescia, cuja conversa é como o mel e a doutrina como fel…este monstro com cabeça de pomba e cauda de escorpião…que Roma vê com horror, a França o expulsou e a Alemanha o abomina e a Itália não o quer receber.

Essa ira sagrada não a dispensa quando a contenda se põe no terreno da doutrina e da defesa da Fé Cristã e dos locais de ensino e de manutenção da vida consagrada – a universidade (que é uma criação do Catolicismo! recordemos) e do convento, onde Bernardo prezava o ascetismo em lugar da exibição e do fausto (Cluny versus Claraval).

Nos próximos capítulos, tratarei de evocar as informações que nos foram resumidas de uma vida tão pródiga por Daniel-Rops, incluindo a cruzada e a tristeza do santo; a perfeição que a idade concedeu ao Santo; a mística de Bernardo e a consciência do Século; a devoção à Nossa Senhora; além de transcrições de trechos do CANTICA vol.1.

Para finalizar, deixemos a palavra com o poeta italiano Dante, no Canto XXXI do Paraíso, em que Beatriz cede o lugar como guia “a um ancião, vestido como a gloriosa família” – a alva túnica cisterciense (ou o manto dos cavaleiros do Templo, cujos princípios originais foram redigidos por São Bernardo, antes da degradação de que foi corroída a ordem!)

(…)
“Assim orei, e ela, tão distante
quão parecia, sorriu e olhou pra mim,
e à Eterna Fonte volveu seu semblante.

“E o santo ancião: “Por chegares ao fim”,
disse, “do teu caminho, a que um rogar
amoroso mandou-me, este jardim

percorre agora com o teu olhar;
o que o fará fortalecer, no aguardo
de nos raios divinos te elevar.

E a rainha do Céu, por quem eu ardo
de amor, nos doará graça qualquer,
por mim, que sou o seu fiel Bernardo”

Qual peregrino a nós vindo pra ver,
talvez da Croácia, a Verônica nossa,
que, por sua antiga fome, ainda a rever

resta, insaciado, e um mudo apelo esboça:
“Senhor meu Jesus Cristo, Deus veraz,
então foi essa a aparência vossa?”,

assim eu me sentia, frente à vivaz
benevolência deste que, no mundo,
cismando, já gozara dessa paz.

“Ó rebento da Graça, este jucundo
sentir”, disse ele, “não te será noto
mantendo o teu olhar aqui pra o fundo;

mas mira os giros até ao mais remoto,
onde acharás a Rainha divina
de que este reino é súdito e devoto.”

(…)
“Tivesse eu, por dizer, tanta perícia
quanta pra imaginar Deus me cedeu,
nem tentaria contar tanta delícia.

Bernardo, percebendo ora o olhar meu
ao seu Amor dirigido e presente
o seu com tanto afeto a Ela volveu,

que o meu, à remirar, fez mais ardente.”

(91 -142, Paraíso, Dante Alighieri, trad. Ítalo Eugênio Mauro, ed. 34, 1998/2004.

 

São Bernardo de Claraval (cenas e milagres da vida do santo)

Milagres de S. Bernardo. O duque da Aquitânia prostrado aos pés do Santo.

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Fonte principal deste post: DANIEL-ROPS, Henri, 1901-1965. São Bernardo de Claraval – testemunha do seu tempo perante Deus / trad. Emérico da Gama. – S. Paulo : Quadrante, 2013 (col. Vértice, 82), 126 p.