PAULO DUARTE foi o responsável por me fazer chegar às mãos e à mente os poemas de Trilussa, na edição que encontrei num sebo, anos depois de publicada esta 3a. edição, definitiva e com mais 24 poemas inéditos, da Marcus Pereira Publicidade, S. Paulo, 1973.
O livrinho me fora recomendado por Anatole Ramos. Anatole foi meu padrinho literário, um tipo à parte no universo da literatura que aqui (em Goiás) se praticava; um revisor de primeira e um cronista generoso que sempre tinha uma palavra de incentivo aos que estavam começando. Ao jovem que eu fui, Anatole sempre prestou a mesma generosa receptividade que fora dada ao jovem e entusiasmado leitor de Trilussa – sr. Paulo Duarte – pelo próprio poeta.
Trilussa nasceu e foi batizado como Carlos Alberto Salustri e eternizado como o poeta “Trilussa”.
A história da amizade entre tradutor e traduzido está muito bem contada na introdução dessa edição citada que tenho em mãos e que prefiro não citar por inteiro, para causar a meus seis leitores o desejo de procurar uma edição deste.
Só o que me interessa agora é transcrever um poeminha de Trilussa, com a finalidade didática de mostrar minha repulsa aos “socialistas” de plantão em nossa pátria e, de resto, em toda a América Latina, oportunistas e “espertalhões matriculados”… Com uma lábia especial e uma articulação de bastidores cheirando ao mofo dos regimes tiranos, ei-los ainda capazes de convencer e ganhar corações e mentes de jovens e até de alguns idosos que não se curam da doença juvenil do esquerdismo.
“O Gato Socialista” é um poema da fase de difícil convivência com o fascismo italiano. Fase esta em que, como assinala Paulo Duarte,
“…valeu-lhe [a Trilussa] o melhor de sua obra, os versos contundentes que se tornaram símbolo da inteligência italiana resistindo contra a ditadura, com a qual não é possível coexistir a verdadeira inteligência…” Foi também a fase em que a vida do poeta tornou-se mais áspera, porque “os jornais tinham medo de publicar certas poesias; os editores não se atreviam a dá-las em volume. A renda diminuiu …” , mas não a poesia; tornando-se, pois, “esse o período mais produtivo do poeta” quando “as suas mais famosas sátiras foram então lançadas. Trilussa lia-as em qualquer ‘osteria’ (hospedagem) onde jantava e algumas era até publicadas…”
Com vocês, meus caros leitores uma das mais saborosas sátira aos oportunistas que insistem em tratar toda a gente como gado manobrável, para os quais o pensamento divergente é motivo de “Listas” – por sinal, de jornalistas (poetas ou pessoas comuns) tão díspares entre si – como Reynaldo Azevedo e Míriam Leitão – pelo simples fato de que não agradam ao Falcão de plantão.
O GATO SOCIALISTA
Trad. Paulo Duarte*
Um Gato, conhecido socialista,
no fundo, espertalhão matriculado,
estava devorando um frango assado
na residência de um capitalista.
Eis então que outro Gato apareceu
na janela que dava para a área:
– Amigo e companheiro também eu
faço parte da classe proletária!
Melhor do que ninguém, conheço as tuas
idéias. Estou mais que certo pois
de que dividirás o frango em duas
partes, uma pra cada um de nós dois!
– Vá andando, resmunga o reformista,
Nada divido seja com quem for,
em jejum, sou de fato socialista,
mas, quando como, sou conservador.
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Fonte: “Versos de Trilussa”, trad. Paulo Duarte, ed. Marcus Pereira, 1973, 3a. ed.
Trilussa, nascido Carlos Alberto Salustri, em Roma 26/SET/1873, morreu na mesma cidade a 21 de dezembro de 1950, poeta e ilustrador, deixou inúmeros livros traduzidos em francês, inglês, espanhol, alemão, russo, grego, húngaro, polonês, tcheco e português (com muito atraso, graças ao esforço do tradutor Paulo Duarte e do editor Marcus Pereira).
POST-post. às 19h17. MOTIVADO por um sempre bem-vindo comentário da amiga e leitora frequente deste blog, a Claire Scorzi, trago duas fábulas do período mais produtivo de Trilussa, sob o fascismo de Mussolini, quando assisstimos “à maior fertilidade poética de Trilussa”.
E seja ressaltado, caro leitor, que em 1922, publicou “Le Favole”, de onde extraí o divertido e atualíssimo “O Gato Socialista) – que é fase dos ‘bichos falantes’, o que de certa forma é um jeito de fabular. Mas o Trilussa das fábulas, fica melhor apresentando em “A Corte do Leão”, retirado de “LE Favole”; a segunda é “A Razão do Por quê” – onde “só no final a gente vai descobrir o Trilussa das fábulas” (poemas todos na tradução de Paulo Duarte)
A CORTE DO LEÃO
Um dia, o Leão, a força soberana
das selvas, com um jeito descontente,
chamando a um canto a esposa, calmamente,
falou-lhe assim: jamais foste leviana,
bem sei, mas de uma coisa quero por-te
a par: ninguém convides, sem primeiro
me consultar. A corte está um chiqueiro!
Vejo no baile que hoje dou à corte,
a Vaca! E com que modo descarado
ostenta os chifres! Fico furibundo!
Tu, quanto eu, não conheces todo o mundo
por isso que tais coisas se têm dado.
– Sei muito bem manter o meu decoro,
calma, por sua vez, responde a Leoa,
mas a mulher que dizes ser atoa
é a senhora do teu amigo Touro.
Qualquer reserva fora um desacato
e a mandei convidar por tua causa…
Bem, torna o Leão, depois de curta pausa,
não se repetirá jamais tal fato.
É evidente que tens razão, contudo
vou mandar hoje mesmo que o Congresso
me prepare uma lei proibindo o ingresso,
aqui, a todo súdito chifrudo.
Tal se deu, com efeito, mas o certo
é que o velho monarca da floresta,
de vida tão regrada, tão honesta,
desde então, rei tornou-se do deserto…
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A RAZÃO DO POR QUÊ
Ontem, de tardezinha, ouvia um grilo
que cantava , tranquilo,
dentro da mata…
Um pouco mais além, a voz de prata
de uma cigarra respondia ao trilo,
e eu pensava: Esta tarde quase muda
prova, mais do que a ciência,
que a mãe Natura ainda é quem menos muda…
Os insetos que ouvia,
àquele fim de dia,
na imutável cadência,
na uniforme harmonia,
estavam repetindo as mesmas notas
que os insetos das épocas remotas.
É que os bichos que Deus botou no mundo,
desde o pecado original,
são sempre os mesmos bichos. E, no fundo,
tudo ficou perfeitamente igual…
A águia, a víbora, o gato,
o cão, o lobo, a ovelha,
as formigas e o rato,
todos os animais, do tigre à abelha,
nenhum se afasta o mais pequeno nada
da trilha que lhe foi determinada…
O homem, porém, que nunca se contenta,
precisou inventar a evolução…
Pensa e estuda e perscruta e se atormenta,
civiliza-se todo, as coisas trunca,
e, depois, atingida a perfeição,
é ver um pouco de ouro, pronto!… E então
ei-lo que surge mais bestial que nunca!
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Poemas da mesma fonte citada acima, páginas 129 e 215.
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