Crônica literária em Recorte Lírico

Destacado

com esta minha coluna na revista digital Recorte Lírico, a última do ano 2021, desejo aos meus leitores um Feliz Natal e um abençoado Ano Novo.

Salve, Antonio Tabucchi (I)

Num pequeno período de férias, em dezembro passado, fui à biblioteca do hotel em que estava hospedado com a família, quando encontrei “Réquiem: Uma Alucinação”, livro de A.Tabucchi escrito pelo italiano, originalmente, em língua portuguesa. As poucas páginas do romance foram lidas com voracidade e entusiasmo crescente a cada página. Nem me lembrava que na juventude eu fui o que designavam ‘rato de biblioteca`. O tempo passa depressa demais e fiquei com a impressão de que havia descoberto um escritor para ficar em minha vida de leitor indisciplinado.
Lembro-me que quando conheci o escritor pernambucano Hermilo Borba Filho, no final da déc. de 70/início dos 80, foi uma alegria similar. Queria ler tudo, ter todos os livros. Assim também com o judeu-sefardin, búlgaro, Elias Canetti. Com Santa Teresa D’Ávila, com Emily Dickinson, com Paul Auster… Era como “se não tivesse livro novo” deste(a) ou daquele(a) escritor(a) não estivesse feliz.
Com Antonio, repete-se este meu hábito (vício?) de conhecer, apaixonar-me pela leitura e querer ter (ler) tudo de um escritor –
nem sempre se lê o que se compra, de pronto – pois, afinal, o objeto livro é como uma prataria, dizia um certo francês, não se usa todo dia (discordo dos que pensam, ao visitar minha biblioteca, que tenho a obrigação de ter lido os mais de 3mil livros aqui reunidos). Uma outra coisa que me marcou todo tempo, de meus bem vividos cinquenta-e-oito anos, é que o desaparecimento (a passagem) de um escritor é como se fosse a perda de um ente querido, um parente, um próximo. Foi assim com Clarice, com Quintana, com o Érico, com Hermilo, com Ítalo Calvino e tantos outros.
Tendo conhecido Antonio, depois que a morte o levou, ficarei procurando livros dele em português, italiano, inglês (no meu Kindle no meu tablet Android) por todo o sempre, sem que jamais o possa vê-lo atuando neste planeta de provações.
Alguém já disse que os personagens de um escritor amado são como amigos íntimos. Com eles se conversa em silêncio, eles aparecem em sonhos, eles são exemplos quando o leitor está diante de um desafio cotidiano. É, pois, como se Antonio aqui estivesse. É também como se entre nós um “pacto” se estabelecesse silenciosamente. Ficam os livros à cabeceira ou na pasta para que sempre voltemos a conversar. Ele tendo escrito nas páginas. Eu,de cá, falando em silêncio as palavras que ele descobriu comunicar, gravar para sempre num livro.
Fico sabendo que Tabucchi amava Portugal e seus escritores, que aprendeu português para melhor conhecer a literatura construída na língua de Camões. A paixão primeira tendo sido o poeta Fernando Pessoa, a cidade que amou e por onde andou e eternizou em Réquiem sendo a capital portuguesa – a nossa “Lisboa dos manjericos”. Não tenho o Réquiem em mãos para citar algum dos muitos trechos saborosíssimos em que Lisboa está no centro, em que até o diário do futebol é lido, em que a sombra do que somos se materializa num sonho. O sonho que é a ficção.
De volta a Goiânia, comecei a minha busca por outros livros de A.T. Os sebos do centro da cidade não tinham nada. A Estante Virtual me pedia muitos dias para entrega. Não aguentaria tanta espera. Achei o “Noturno Indiano”numa livraria de shopping. Comprei-o. Leituras rápidas, os dois livros me levaram a Fnac, onde encontrei “O Tempo Envelhece Depressa”e, na Saraiva, “Autobiografie Altrui: Poetiche a posteriori”(que vou lendo devagar e com o apoio do dicionário italiano-português da martins fontes).

© Foto de Antonio Tabucchi extraída do site d’ O Público, jornal português, AT tinha 68 anos quando faleceu em Lisboa, 2012 (by CARLOS LOPES).

Como este espaço é feito de resenhas destrambelhadas: falo o que quero, sobre os autores de que gosto mais, sem muita frequência, mas quando escrevo, gosto de me expressar como se conversasse com o leitor. Eia, pois, que lhe digo, se resistiu até agora a essa resenha, digo-lhe: vale muito a pena ler Antonio Tabucchi.

Difícil é separar trechos da sua escrita para encantar você, leitor,Tabucchie fazê-lo sair correndo pra livraria ou para um site de compras, atrás dos livros dele. Mas, vá lá, que transcrevo alguns que me estão a mão, aqui do lado.

Do “Réquiem”nada tenho posto que lido numa biblioteca.

Do “Noturno”:

“- O que fazemos dentro destes corpos – disse o senhor que se preparava para deitar-se na cama perto da minha.
“Sua voz não tinha um tom interrogativo, talvez não fosse uma pergunta, era apenas, a seu modo, uma constatação; de qualquer forma seria uma pergunta a que eu não poderia responder. A luz que vinha da plataforma da estação era amarela e desenhava nas paredes descascadas sua sombra magra, que se movia com leveza, com prudência e discrição, me pareceu, como se movem os indianos. De longe vinha uma voz lenta e monótona, talvez uma prece ou um lamento solitário e sem esperança, como os lamentos que exprimem só a si mesmos, sem pedir nada. Para mim era impossível decifrá-lo. A Índia era também isto: um universo de sons monótonos, indiferenciados, indistintos.
“- Talvez viajemos dentro deles – eu disse…”(IV/p.32)

“Tudo pode acontecer na vida, até mesmo dormir no hotel Zuari. Na ocasião, pode parecer um acontecimento não muito feliz; mas na lembrança, como sempre nas lembranças, decantadas das sensações físicas imediatas, dos odores, da cor, da visão de algum bichinho debaixo da pia, a circunstância assume uma imprecisão que melhora a imagem. A realidade passada é sempre menos má do que foi efetivamente: a memória é uma formidável falsária. Certas contaminações são feitas, mesmo sem querer. Hotéis assim povoam a nossa imaginação: já os encontramos nos livros de Conrad ou de Maugham, em algum filme americano extraído dos romances de Kipling ou de Bromfield: parecem-nos quase familiares”(IX, p.68 – tradução de Wander M.Miranda).

De “O Tempo…”

“E se jogássemos o jogo do se? A lembrança chegou com uma voz da mesinha do lado, como se o tio estivesse ali escondido, atrás das sebes que delimitavam o terraço do café. Desta vez era a voz do tio e além disso aquele jogo havia sido inventado por ele. Por quê? Porque o jogo do se faz bem à imaginação, sobretudo em certos dias de chuva … é setembro, e em setembro às vezes chove, paciência, em sua casa, se chover, um menino tem tantas coisas para fazer, mas nestas férias forçdas, sobretudo numa casinha alugada e bem decorada, ou pior ainda numa pensão, se chover vem o tédio, e com ele a melancolia. Por sorte, existe o jogo do se, assim a imaginação trabalha, e o melhor é quem propõe coisas de doido, doido de pedra, mamma mia, que risadas, ouçam esta: e se o papa desembarcasse em Pisa?” (p.42 – trad. Nilson Moulin).

De “Autobiographie…”:

“Secondo le indicazioni di una certa critica, forse un poco rigide ma non per questo meno utili, potremmo dire che il romanzo, anziché stabilire tra l’autore e il lettore un ‘patto autobiografico’’ (nel senso che il lettoree accetta che ciò che l’autore ha scritto sia un’autobiografia), stabilisce ciò che si definisce un ‘patto romanzesco’: il lettore sa che quello che sta leggendo proviene dal vissuto dell’autore, ma è al tempo stesso consapevole che tale vissuto è stato transformato in finzione, cìoè in romanzo.” (p.21)

No próximo post, conto-lhes porque Tabucchi não veio a uma Festa do Livro no litoral do Rio de Janeiro.
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Fontes: “O Tempo…” é da Ed. Cosac Naïf (2012), assim como o Noturno (2010); enquanto o “Autobiografie Altrui” é da Feltrinelli, 2003.


 

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Amália: a voz do fado, pra sempre!

Portugal: livros, bacalhaus e fados em 7 dias

Amigos,
Como sabem, estive em missão de negócios em Portugal por 7 dias na semana passada.
Retornei ao Brasil, mas Portugal persiste em meu coração e minha alma, porque a cultura une a família Amaral Queiroz às raízes lusitanas.
Ouço no carro e em casa os fados que trouxe de cada casa visitada nas horas vagas das noites em Lisboa e O’Porto.DSC01545 DSC01543
Lembro-me dos que também ouvi muitos fados nas viagens no ônibus da comitiva Br/Portugal, tão bem conduzido pelo seo João (ele que generosamente gerou um CD com as músicas que tocavam no ônibus) pelas estradas portugueses (by the way, que estradas, srs!! Aprendei, políticos brasileiros, com os irmãos portugueses como gastar dinheiro público e fazer infraestrutura). Lembrava-me todo tempo do poema do Pessoa a dizer alhures que viajava com o seu (dele) Chevrolet pela estrada de Cintra – oh, se vivesse o Poeta agora veria quanto mais fácil é andar pelas estradas portuguesas hoje. E como é bom usar os Comboios Portugueses e chegar com calma e descansado ao destino. Principalmente, quando esse destino (do Alfa Pendular – o trem rápido lusitano) é uma bela gare como esta em Lisboa (Santa Apolônia) com seus azulejos maravilhosos e os comboios sempre no horário!

Beto e Helen em Lisboa (eu e Helen Queiroz na gare de Sta. Apolônia, Lisboa)
Depois, deixamos a comitiva BR/Portugal para voltar de Guimarães a Lisboa e por uma tarde ir (de ‘elétrico) ao Mosteiro dos Jerónimos – curtir a história e rezar um pouco na igreja muito bem preservada
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Um show de arquitetura e de história do Catolicismo em Lisboa. E mesmo com o celular, acho que consegui captar a arquitetura de dentro do claustro para fora.
Jerónimos I
Bem. No capítulo literatura, um amigo me recomendou ir à Lello n’O Porto – o que não foi possível. Então, estive sempre nas lojas da Bertrand, tanto no Porto quanto em Lisboa. Os livros me pareceram (mesmo em Euros) mais baratos que os nossos. Trouxe pouca coisa mas bem selecionada – um Ortega Y Gasset, 2 Miguel Torga (1 deles esquecido no hall do Vila Galé Opera Lisboa, sorry!) e um Antonio Lobo Antunes. De quebra um livrinho do David S-Schreiber (meio auto-ajuda: lições de vida no limite – luta contra o câncer) e um do Papa Bento XVI. Enfim, livros que me interessavam e que cabiam no meu orçamento. Miguel Torga me chegou por conta de A.C. Villaça, como sabem os que já leram Requiem Por Mim. É uma pena que os Novos contos da Montanha ($3 Euros) tenha ficado perdido no hall do Vila Galé onde esperava o grupo para ir a um evento, lendo e tomando uma tacinha de alentejo branco bem fresco!!
Há uma foto disso tudo quando cheguei em casa.

O livro do Voegelin é uma homenagem ao intelectual português Mendo Castro Henriques – professor e especialista em Voegelin (Livro da editora Brasileira É Realizações). Por ora, é isso. e deixo-lhes na cia. de um fado para descansá-los da leitura…cliquem no link abaixo (Patrícia Costa – Lisboa dos Manjericos).
Bem, e pra fechar esse relato, sou obrigado a confessar que o pecado da Gula foi por conta dos maravilhosos bacalhaus que comemos durante toda a viagem. Viva Portugal, viva a amizade Luso-Brasileira!
http://bit.ly/tjeR9u

Chegada ao Brasil II