O espaço

O Espaço
*********Adalberto de Queiroz

Porque a poesia nos coloca
em estado-de-emergência –
como dizia o Gaston,
Eu vos digo: eis-me aqui, acólito
do ritual canônico do verbo
criando stanzas velhas – atónito (!)
com o poder etéreo, soberbo.


Sem impertinências, nem pedras pelo caminho,
– pedras estão diante dos olhos!
as pedras clamarão, agora clamam.
Não há senão as que me levem de volta à casa do Pai.
– Eis-me aqui, Senhor, de corpo e alma;
inaugurando uma forma:
voando pelo Espaço
sem deixar a doida da casa
roubar-me o plano de voo.
./.

Adalberto de Queiroz, Destino Palavra, 2016. p.50.
Este poema encontra-se gravado no SoundCloud, falado por mim, para ouvi-lo, clique no link abaixo.

Publicidade

Poema “Oh! navios à barra atados!”

Oh, navios, à barra atados!” – poema publicado em meu livro “Destino Palavra” (2016) ganhou três publicações de grande alcance. Agora, foi a vez da revista do Sicoob – Ano II, nr. 3 – Maio 2017 – o que me deixa muito feliz. Leia o poema em fac-símile abaixo (ilustr. Amaury Menezes)


O livro Destino Palavra pode ser adquirido com frete grátis neste link de Livraria Caminhos.

Abaixo, capa da revista – reproduzindo escultura (Mulher tropical),
de autoria do artista plástico goiano Elifas Modesto.
Scanner_20170527 (3)

Capa: rep. Mulher Tropical – escultura de Elifas Modesto.

A gênese de um livro (I)

Esqueça o Poema (1)

Poemas de esperança (V)

V

                       “Toute lune est atroce et tout soleil amer” (Rimbaud)

00617580

Se toda lua é atroz; se todo sol, amargo
o que seria de ti, oh triste caminhante
desse destino com o peso do desencargo
trazido às costas? sulcas o solo e avante

 

segues com afinco em busca do alvo
um dia após o outro, sem olhar pra trás.
És o que não importa com o Outro; salvo
se este vau alguém te auxilia a cruzares.

 

Inerte em frente a ti, o obstáculo vil –
o Amor acre, acerbo, solidão marmórea
em tudo desconforme ao teu ardil …
é preciso que sigas – o mundo o exigiu
e tu não queres ser a esposa de Ló.

 

A massa ignara força-te a ficar irado;
agastado reages e esqueces do que és,
do que foste – não há nenhum barco –
ébrio que seja, a tomar; estás embarcado

 

em seco. Et pourtant, a jornada é louca
como dantes e nada mais és que um
dos perdidos do século mau – és uno
 entre muitos afogados na amálgama;
em plena desordem – a caminho do Nada.

./.
Drafts poemas novíssimos, JAN/2017.

Poemas de esperança (memorial)

Goyaz (1)

No outono da vida o sol do cerrado
seca as mesmas sementes — sol a pino:
sementes de abóbora comidas assadas
coisas de antanho com igual desatino.
Cajá-manga devorado com sal, à sexta hora
o gosto arcaico na boca desata sonhar —
feito pamonhas ao leite ou torta de amora
vem só o torniquete do acerbo no maxilar.

Minha avó comendo manga com faca
nas tardes de outrora, parece retornar;
uma sombra morna no sonho que sou.
Igual lembrança aperta de mansinho
a segunda costela à sinistra do sono
e traz o pousoso passado ao ninho.

Poemas novíssimos. Goiânia, 26.01.2017

Um “serpentário de erros”

JORGE DE LIMA em seu testamento poético criou uma longa “biografia épica” e recriou-se como poeta, na pele de um insular da poesia de nosso hemisfério

Canto I, 1
Um barão assinalado
sem brasão, sem gume e fama
cumpre apenas o seu fado:
amar, louvar sua dama,
dia e  noite navegar,
que é de aquém e de além-mar
a ilha que busca e amor que ama.

(…)

Canto I, 15
E em cada passo surge um serpentário de erros
e uma face sutil que de repente estaca
os meninos, os pés, os sonhos e os bezerros.

Canto X, 20
No momento de crer,
criando
contra as forças da morte
a fé.

No momento de prece,
orando
pela fé que perderam
os outros.

No momento de fé
crivado
com umas setas de amor
as mãos
e os pés e o lado esquerdo
Amém.

EXPLICIT.

invencao-de-orfeu_

Há tanto para redescobrir nesta ébria viagem, desde a “Fundação da ilha” (Canto I) até a findada “Missão e promissão” (Canto X) que, causando ódio ou amor, as dificuldades suplementares surgem para entender os cimos e os vales do poeta em seu derradeiro canto.

“Invenção de Orfeu – diz-nos Fábio de Souza Andrade, “recoloca em circulação outro Jorge de Lima, mais ambicioso (e, portanto, mais ricos em picos e vales), mais resistente à assimilação, que costuma provocar reações extremas: ódio ou amor.”

Experimentação e hermetismo se misturam nessa ilha e o poeta – um insular bem treinado, exige do que navega igual perícia ou maior. Considerada uma biografia épica “Invenção de Orfeu” teria sido a sua própria, dele poeta “que propõe a forjar aqui, combinando gêneros eles mesmos, se apresentam abalados, compostos e heteróclitos. Sua ‘épica’ convoca os modelos clássicos (Virgílio, Dante, Camões e Milton), nunca como uma imitação exterior da tradição agonizante, mas como uma releitura de seus temas, episódios e motivos líricos e narrativos a partir da valorização pós-romântica do polo subjetivo no processo de criação”.

No Canto I, a gênese do longo poema de dez cantos, em que os 1800 versos primeiros são como “a explosão inicial” (Fábio Andrade) e aí, no centro, a referência bíblica ao lado da referência a uma tradição poética imensa. Tarefa árdua seria a de cavar nesse terreno da ilha para descobrirmos mais e mais. Uma hermenêutica se impõe à leitura de Invenção de Orfeu (Jorge de Lima, e sua “biografia épica”), dedicada ao amigo (também católico) Murilo Mendes.


Por ora,  fica a gênese do Mal que no jardim plantada hoje se repete ao longo de um século mau. “O serpentário de erros” aponta-nos a humanidade que conspurca o Éden divino – somos nós, humanos, na ilha,

“Vês, vão os reis de Lúcifa e Malvilha
batidos, tão sem brilho a espada de aço;
tão cansada a carcaça de olho em quilha;
são réus de quem, senão do humano braço
ou de quem for que à sombra os dentes rilha?
Ou de quem vencer pode todo o espaço?
Vencer com jogos tais e tal bravura,
de Deus chamar podemos, de loucura.”


E a violência que espoca na ilha tem nome e referência:

“Contudo grande Ovídio, o calendário
necessita de grandes abluções.
Mataram César ontem – sangue diário
nesses marços de guerra e de aflições;
os jogos deste mês tumultuário
são os roteiros das condenações.
Penduraram cabeças inocentes,
enodoaram de sangue os teus poentes.”

Como seu o poeta pudesse antecipar o Século Mau e o Mal banalizado dos vindouros.
Uma hermenêutica se impõe. Ou como dizia Murilo Mendes, lembrado não sem utilidade por João Gaspar Simões: “O trabalho de exegese do livro terá que ser lentamente feito, através dos anos, por equipes de críticos que o abordem com amor, ciência e intuição, e não apenas com um frio aparelhamento erudito”. Entre os críticos, Murilo por primeiro; outros mais vêm se debruçando (ou navegando a dentro, se prefere o leitor) “penetrando” (como quer Gaspar Simões):
“Extraño todo el designio, la fábrica y el modo” como diria Góngora, é de Góngora que realmente nos lembramos quando penetramos nesta floresta de imagens, de metáfora, de símbolos, de mitos, de ritos, de formas, de seres, de coisas que se associam para viver dentro dessa ‘ilha’ tropical que é a ‘ilha’ em que vamos assistir à invenção de Orfeu”.
Será preciso que sucessivas gerações de críticos se debrucem sobre a fábrica imensa deste imenso poema para, finalmente, se obter uma rigorosa exegese do mistério que o envolve.

Eis um projeto que pode nutrir toda uma vida de apreciador da poesia de Jorge de Lima. Eis uma agenda para um leitor atento dos poetas católicos do Brasil (Jorge, Murilo, Schmidt e o 4o. elemento adicionado à Tríade – Tasso da Silveira).

“Os poemas se tingem de vermelho;
é uma face sangrenta cada espelho.”

Uma chave para entender o futuro em que nos situamos. Ah, século xxi de “pura veneza e seu restelo“; de civilização e seu revés; de fausto e violência extremada – das prisões às areias sem lei do deserto em que se nutre “o serpentário de erros” dos humanos, sobretudo dos maometanos.

./.