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Ao nosso amor…
à Helenir Queiroz.
Nada importa menos ao nosso amor
que a ingênua rima em flor – rosa nomeada.
Pouco importa, ainda que um soneto –
pouco importa a forma exata, a rima
ao nosso amor pouco importa.
Nada importa, amor, se lhe dou forma
no leito, em lugar e fora de hora
se cedo ou tarde, não importa,
se madrugada clara ou à nona hora.
Nada importa menos ao nosso amor
o tempo que sem cessar conforma
o outro ao desalento, ao desamor –
ao nosso amor pouco importa.
Ao nosso amor nada importa
menos. Pois, sem cessar, ele se conforma
ao leito como o rio ao que a chuva forma.
Ao nosso amor pouco importa o som
dos outros, a balbúrdia, bailado ou alaúde
pois a todos ele contorna: ao amor, à paz
volta-se; ao aconchego sem alarido; e amiúde
nosso amor pouco se importa
com o que se passa lá fora…
Nada em nosso amor seja triste
pois que à lágrima opor-se-á o vento –
no silêncio de nossas madrugadas estelares.
Só nós dois, amor, resistimos sob a chuva
ao frio e ao calor – entrelaçados, sim;
não importa – nada – amor, nem goteiras
de um telhado antigo e sob a chuva;
um pistilo se anunciando calmo,
um que duas estalactites soam:
plânctons, íons, átomos de um só.
Pouco importa ao nosso amor a morte.
./.
Goiânia, 31/5/17.
Posts curtos – poema a Ursulino Leão
Da série “Gênese de um livro”
O burrico
A Ursulino Leão.
“Platero e eu” é história antiga
de quando os animais falavam;
quem contou foi Ursulino –
por Leão de sobrenome, mas
d’alma de cordeiro cativo.
No dia de seu octogésimo ano,
nós, seus leitores brindados
co’a história de um burrinho
queimado e malhado na testa;
burrinho de pernas rajadas
e de alma bíblica completa.
O burrinho da crônica além
de clone do jumento do Cristo,
milênios antes em Jerusalém –
nos encantava com seu dístico:
Dá-nos u’a “nesga de satisfação
na caligem dos nossos pesares”
Do burro xucro de meus dias
aprendi que escoicear o vento
inseparável companheiro cria
aos pobres, aos fracos intentos
de nossas bocas de infantes
um mundo de hosanas e vivas.
Platero e eu; eu e Platero
congresso de vida refazemos
E saio da história do amigo
desejoso de saudar o Cristo
com as palmas na mão agito
o hosana ao Filho Bendito.
Tudo por conta de um jumento
que, como de Balaão o animal,
enxerga, previamente ao seu dono,
figura do Anjo a libertar-lhes do Mal.
O adeus do burrico é um gemido:
“uma nesga de satisfação
na caligem dos nossos pesares…”
(*) “Platero e eu“, título do romance de Juan Ramón Jimenez, Edição dos Livros do Brasil, sem data, desenhos de Bernardo Marques e tradução de José Bento. O livro foi tema de crônica de Ursulino Leão no jornal O Popular, Goiânia, sob o título de “O Burrico e o meu (80°.) Aniversário”, depois reproduzida no livro de crônicas “GYN”, lançado pela Editora Contato/Kelps, 2015, p. 65/6.

Foto 1 – Com Ursulino na Casa Altamiro (1); e em visita a sua residência – (2).
A gênese de um livro (III)
Canções americanas (2)
Ah! azevinheiro em minha janela
mas meu coração não está mais lá;
estreita era a cama – nós dois nela,
mas meu amor está amarrado lá.
Mas meu amor está amarrado lá
onde a grama está sempre verde
o silêncio permite ao nightingale
cantar sem que o deserdem.
Cantar sem que o deserdem
o poeta deseja desde Homero;
sem Calipso o verso tecer-lhe
com saudades partir austero.
Com saudades, partiu austero
sobre o mar do Caribe e além –
só desejava um passarinho
do cerrado que o acordasse
de madrugada
de volta ao domo donde provém.
./.
Plantation, Fl, 15.02. GYN, 23.02.17
Poesia e profecia
Lábios Impuros (II)*
Cresta a brasa em seus lábios –
o serafim contra o canto inerte.
Ei-lo aqui, a contestar os sábios
sua voz clamando no deserto.
E mesmo dos mares inavegados
sua voz clama por delicadeza –
deixai que o anjo de livro antigo
salte e vos desperte à Natureza.
As cores todas redivivas colhei
e da montanha antiga descei
ó bardo, e mostrai à nossa face
as tábuas de uma nova grei.
Todo homem sob a Terra
ainda que o mais triste,
o mais trôpego que seja
o peregrino exangue…
Saibam todos agora e exaltem
o passo à próxima porta aberta
salvos que foram pela tenaz.
O anjo crestou o lábio impuro.
Saiba todo homem e súbito
exalte a mensagem do profeta:
o vislumbre de sonho novo.
Que um pássaro da noite veio
é quem desata o próximo portal.
O poeta pela tenaz do Anjo –
fez-se em profeta alucinado.
Sim, ante à tenaz do arcanjo
de toda solidão curado,
toca o clarim da alvorada;
em rouxinol transmutado,
do Amor tece sua balada.
./.
Plantation (Flórida), 13 de FEV/2017.
[(*) Poema composto a partir da leitura de um trecho de Isaías, 6.]