Poesia falada

CONTINUAÇÃO do projeto – agora com poemas de amor (1).
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Poemas lidos nesta versão:

Poeminha Amoroso – Cora Coralina

 

Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu…
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu…

E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.

Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.

Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo…
eu te amo, perdoa-me, eu te amo…

♠♠♠♠♠♠

As sem razões do amor  Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,

E nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.

Amor é dado de graça
É semeado no vento,
Na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,

Não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.

♠♠♠♠♠♠

Bilhete – Mário Quintana

 

Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…

Clique no link abaixo para ouvir os poemas falados:
SOUNDCLOUD do Beto.

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O Direito ao Tédio reeditado ou: como uma crônica pode reviver…

EM UMA CRÔNICA que bem poderia ser classificada como aguda, Otto Lara Resende dizia que todos temos “Direito ao Tédio“.

Seu argumento – se isso é matéria de preocupação do cronista (decisão que deixo para especialistas) – vem de tecer o curto fio da meada com Afonso Arinos, Drummond, até chegar a Paul Valéry (síntese):

Les événements m’ennuient”
(Os acontecimentos me entediam). Ou me chateiam, 
na tradução livre”diz o Otto em sua página de 1991.

– “Outro dia me apanhei bocejando de tédio diante da televisão“, diz o cronista que era do tipo insone. É o bastante em matéria da Razão para me fazer refletir sobre como outro grande – o poeta gaúcho Mário Quintana traduzia esse tédio. E sobre a política  (a realidade) o que tens a dizer, poeta? – teria lhe perguntado um jovem repórter.
– Ah, eu nada tenho a ver com ela. Só estou imerso na realidade. É tudo.
E se não foi exatamente isso que disse o poeta gaúcho, assim é que me entrou o dito memória adentro; sendo o caldo que me resta na memória, e com o qual desejo levar o leitor, agora, a pensar sobre o episódio de nosso alcaide contra o humorista (Garcia versus Jorge Braga – prefeito vs. humorista de O Popular).

(…) Ah, sim, agora recuperei os versos do Quintana:

Soneto V

Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente…
E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda a gente,

Nem é deste Planeta… Por sinal
Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu Anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal… 

(…)

E este cronista-blogueiro, poeta-menor, imerso que está nessa coisa chamada realidade política, vê na crônica de Otto uma acuidade, uma agudeza notável, que a faz tornar viva.

Viva no justo momento em que o partido do nosso prefeito municipal tenta impor ao país sua vontade de controlar a imprensa, surge uma polêmica que intitulei “Garcia versus Braga“.

E assim sinto-me como o Quintana (aquele diante da questão social), ou como o Otto Lara Resende (este diante da pena-de-morte). Semelhante a tantos outros, diante da mesmice da discussão sobre censura em nosso país (e alhures): “Dessa discussão não nasce Luz, só perdigotos” (O.L.R.) . E, portanto, a crônica de Otto se reedita, pois, morro de tédio.

Afinal, “le monde est frivole et vain, tant qu’il vous plaira. Pourtant, ce n’est point une mauvaise école pour un homme politique”,   afirmava o escritor Anatole France em outro contexto. Sou forçado a concordar que “Ah, o Mundo – o mundo é frívolo e vão, de tal modo que, se ao político agrada, ao eleitor pode até ao choro nos levar. No entanto, não é de modo algum má escola para um homem político…

Veja, Sr. Prefeito, aonde nos leva a escola do mundo.
E se a algum leitor, a quem a política não tenha destituído ainda o senso de humor (e espero que nunca detenha o direito) de rir ou chorar; se para esse leitor persiste válida a crença de que uma charge não pode nos fazer entrar em choque com a crença maior nos valores da democracia, repito: o tédio não ataca nem por tão pouco o riso se aplaca… Vivamos o direito de sorrir e chorar, sem censura!

E mesmo que pareça ‘off-topic’, finalizo recomendando (re)leitura de um texto famoso (agora reabilitado por Daiana, em administradores.com) intitulado “Mensagem à Garcia” – algo que só um herói (como diz a Daiana no blog linkado – “…o herói é aquele que dá conta do recado: que leva a mensagem a Garcia! – seja humorista ou anônimo portador de u’a mensagem importante.

Porque Braga não é Rowan, o alcaide só tem Garcia no sobrenome, mas a história vale a pena pelo que nos ensina sobre valores hoje tão ausentes – “Mensagem a Garcia” é uma expressão corrente, para designar uma tarefa muito difícil e espinhosa, mas que é absolutamente necessária, e precisa ser realizada de qualquer maneira, sob risco de grandes perdas para a empresa”.

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Post-Post.: Aos advogados do Alcaide, ressalto que, em princípio, trata-se o último de texto não-censurável, pois que corre mundo em diversos idiomas, de autoria de Helbert Habbard (1899). Confira: http://bit.ly/1Jz9Lei

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E quem quiser entender a história, que vá atrás com este link – “Garcia vs. Braga” http://bit.ly/GarciaVsBraga

Outras fontes citadas (links) + Anatole France, em “Le Jardin D’Epicure” (1949); Otto Lara Resende, “Bom dia para nascer”, Cia.das Letras, 1993.

Lua cheia sobre o meu jardim

Ontem à noite, a lua cheia apareceu no alto do nosso jardim, democraticamente dividida entre os poetas, os apaixonados e alguns vampiros modernos.

lua cheia no aldeia 2 Assim que ela se exibiu para nós, desatou em mim aquele desejo de saber fotografar, mas minhas retinas cansadas já tinham registrado o que o iPhone (com este inabilidoso usuário) não podia fazer com maior mestria.
Deu-se que comecei a pensar em algumas referências poéticas à lua, que veio me iluminando os dias, ao longo desses 57 anos. Algumas vêm da música popular e, da literatura, as mais caras ao meu acervo emocional. Como se sabe, desde o tempo de nossos avoengos, a lua exerceu ao longo da história humana um grande feitiço como neste exemplo de post: A lua no imaginário popular.

E para os amantes (com ou sem vinho ou conhaque), como este bloguero, a primeira grande referência poética é mesmo a de Carlos Drummond de Andrade (no famoso Poema de 7 Faces):

Eu não devia te dizer , mas essa lua, mas esse conhaque, botam a gente comovido como o diabo…

Eu nem mesmo sei se o diabo é um sujeito comovido ou não, mas estou certo de que a lua exerce uma verdadeiro fascínio sobre os poetas em especial os brasileiros.
Mas a expressão poética me remete aqueles (e àquelas) poetas que tem “fases como a lua”, feito Cecília Meireles e o poeta irlandês  W.B. Yeats que nos legou o livro dos livros sobre as fases da lua.
De Cecília assim entendemos suas “fases” (enquanto em Yeats há mais segredos a desvendar em sua prosa-poética:

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

(…)
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…”

Nessas fases ando interessado,  como W.B. Yeats em seu estudo “A Vision” – por isso deposito meu cansaço em olhar perdido para a lua nesse final de ano, que me faz pensar que o Poema 20 de Pablo Neruda, só poderia ter sido escrito com o olhar para uma noite de lua cheia, embora só haja referência a “la noche estrellada” onde “brilham os astros, azuis, à distância…”
E assim o poeta  sente a imaginação que criadora do antológico
“Puedo escribir los versos más tristes esta noche”
— Sinceramente, parece-me quase impossível que aí no nascedouro desse poema (sobre uma perda amorosa) não houvesse uma lua cheia.

Há ainda o delicioso Poema 184 de W.B.Yeats The Cat and The Moon (para os anglófonos):

THE CAT AND THE MOON

The cat went here and there
And the moon spun round like a top,
And the nearest kin of the moon,
The creeping cat, looked up.
Black Minnaloushe stared at the moon,
For, wander and wail as he would,
The pure cold light in the sky
Troubled his animal blood.
Minnaloushe runs in the grass
Lifting his delicate feet.
Do you dance, Minnaloushe, do you dance?

When two close kindred meet,
What better than call a dance?
Maybe the moon may learn,
Tired of that courtly fashion,
A new dance turn.
Minnaloushe creeps through the grass
From moonlit place to place,
The sacred moon overhead
Has taken a new phase.
Does Minnaloushe know that his pupils
Will pass from change to change,
And that from round to crescent,
From crescent to round they range?
Minnaloushe creeps through the grass
Alone, important and wise,
And lifts to the changing moon
His changing eyes.

E se a memória já se vai esvaindo (em busca de tantas outras referências poéticas à irmã Lua – pobre irmão Sol, Francisco); a visão abençoada da lua cheia me faz reler Mário Quintana:

A LUA DE BABILÔNIA

Numa esquina do Labirinto
às vezes
avista-se a Lua.
“Não! como é possível uma lua subterrânea?”

(Mas cada um diz baixinho:
Deus te abençoe, visão…)
~~
Mário Quintana

E encerro essa primeira busca ouvindo “A Lua é dos Namorados” (marchinha com Ângela Maria, que inclui na minha seleção “Canto do Beto 5.7” para uns poucos (e valiosos) amigos que me vieram cumprimentar no último 5 de fevereiro; de ouvido atento ao Caetano de “Lua de São Jorge”. E injustiça seria encerrar esse primeiro post sobre o tema, sem lembrar do velho Catulo da Paixão Cearense e o seu luar do sertão.
Até a próxima lua cheia, amigos.
++++
Fontes: NERUDA, Pablo. “20 Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”; DRUMMOND, Carlos. “Seleta em Prosa e Verso”.  W.B.YEATS. “The Colected Poems”, p. 167,  Simon & Schuster. Scribner Paperback Poetry. Cecília, Quintana e outros poetas brasileiros embevecidos pela lua podem ser lidos neste link.

Sobre um poema de Quintana

“…rãzinha verde….
tu nem sabes
quanto foi o bem
que eu quis
ao te encontrar…” |

(Mário Quintana)

Passeando pelo livro
do Quintana encontro
um riozinho ou sanga
clara através d’onde:

Vejo que ler é caminhar
através de floresta
insondável por Outro
concebida…

A minh’Alma ia adoçando
com carinho os poeminhas
grandes eu seguia assim.

Eu, tão bobinho
Encontro uma rã
une rainnette
que era um imã.

Pra minha memória
fico melhor assim
Sem mal nenhum
Nada dentro de mim.

Fui andando pela
Floresta toda
Que o livrinho
me abriu…

E desdobrou-se
Em mim – alma, coração
Iluminuras na manhã.

Continuei repetindo:
“rãzinha verde…
tu nem sabes
quanto foi o bem
que eu quis
ao te encontrar…”

E cada mulher que
Passava era lufada
de paixão que vento
Qualquer me soprava.

E a tudo que voava:
Borboleta ou passarim
Um sonho declarava
Primavera dentro de mim.
++++

Fonte: ©Adalberto de Queiroz, 50 Poemas aos 50, Editora do Autor, Goiânia, 2010.