A crítica literária de inspiração católica — e universalista em sua aplicação — parecia coisa desaparecida na literatura brasileira, e eis que surgiu, não faz muito tempo, Os fios da escrita, uma coletânea de ensaios literários do escritor e poeta goiano Adalberto de Queiroz [v. blog do autor aqui]. O livro saiu em 2020 pela editora baiana Mondrongo, de Itabuna.
O autor insere-se na tradição brasileira do ensaio jornalístico: os textos, que compõem o livro, foram escritos para o jornal goiano Opção, e pensados para o leitor que gosta de literatura, mas sem formação especializada, livres das amarras terminológicas e das firulas mentais que a crítica acadêmica, dita pós-moderna, introduziu entre nós.
A maneira de construir o texto ensaístico, adotada por Adalberto de Queiroz, pressupõe o livre jogo das ideias, conceito que atrai conceito, não por um associacionismo caótico, mas obediente a uma sutil costura de quem…
Morreu hoje o professor e crítico literário ALFREDO BOSI (1936-2021), que iria completar 85 anos em agosto deste ano. Todos os amantes das Letras no Brasil somos devedores de Bosi em maior ou menor grau, por seu guia de estudos que marcou toda uma geração de estudiosos da literatura nacional (História concisa da Literatura Brasileira). Neste artigo, vemos que até ao despedir-se legou-nos pérola – neste seu “Arte e conhecimento em Leonardo da Vinci”. Descanse em Paz, nobre professor Alfredo BOSI.
Eis aqui, benévolo leitor deste blog, os 5 melhores livros que eu tive a chance de ler (estudar) durante a pandemia.
1. “Sou o primeiro e o último”, de Maurício G. Righi.
O que torna este livro extraordinário é a soma de um tema instigante com um estilo que conquista o leitor interessado em história, antropologia e teologia. Mas, convenhamos, nenhum desses temas se configura o que se pode chamar de atração decisiva nos tempos atuais, e mesmo assim o que fica de pé é o fato de que o livro é notável porque muito bem escrito, coisa que nem sempre se vê nessa natureza de estudos acadêmicos. Righi propõe ao leitor um olhar aprofundado da obra do pensador francês René Girard sob a perspectiva do Apocalipse. É livro que está mais para o estudo do que para divertimento.
2. Do livro #1, foram derivadas várias leituras, na linha da literatura Apocalíptica, da vertente girardiana e das obras de Dostoiévski. Portanto, para escolher um só dessas duas linhas, fico com o Girard de “Do duplo à unidade”, estudo sobre o autor russo, que reli em “O idiota” e “Os irmãos Karamazov”, que deixo como dica #2. A outra bifurcação da leitura righiana foi a descoberta fantástica que fiz da teóloga inglesa Margaret Barker, da qual estudei “Introdução ao misticismo do Templo” e “Natal – a história original” (deste sai pequeno artigo até o final do ano em Recorte Lírico.Link para o ensaio: https://recortelirico.com.br/…/arte-profetica-dostoievski/
3. “Hipérion ou O eremita da Grécia” – foi leitura que me abriu novos horizontes na obra do poeta alemão Friedrich Hölderlin. De sua janela, no quartinho na casa do marceneiro Zimmer, onde mora de favor, eu descortinei um mundo – da torre cilíndrica encimada por um telhado circular, Friedrich via o mundo do alto, e se dá um novo nome – Scardanelli – com o qual busca, em sua via poética e particularíssima, o encontro da unidade do conhecimento, estrada que seguiu por 36 anos. À leitura do Hipérion se seguiram a descoberta de “Hinos tardios” e “Canto do destino” –
4. Pushkin, Puskine, Puchkin, Puchkine, Puschkin – não importa a grafia, importa a poesia, que me levou a um mergulho no meu “alienígena” predileto deste 2020. Um dos fundadores da moderna literatura russa me provocou, me desafiou. Releituras, pesquisas, descobertas da obra do poeta se transformaram no meu maior mergulho em um autor russo no ano 2020. A vida de Pushkin me importa muito e deve importar a toda gente interessada na grande literatura. Por isso, lanço meu olhar a dois séculos atrás, onde se pode constatar a alta importância da vida de um menino russo, descendente de escravo e nobre – ambos figuras importantes da corte de Pedro, O grande, – o bisavô militar e o neto que se impôs pelo talento e a nobreza de seus versos. Abaixo link para os 3 artigos da série no site da Recorte Lírico.https://recortelirico.com.br/?s=Pushkin
5. Poetas do Brasil – nova safra.
Livros que apreciei ler ou reler estão assim resumidos (ver link), mas ainda inconcluso, pois deveria incluir o novo Pedro Mohallen – “Véspera; Debris” (prefácio do também poeta Wladimir Saldanha, sobre quem já escrevi e destaquei méritos, principalmente, seu “Natal de Herodes”), de João Filho “Um sol de bolso”, sobre o qual ainda hei de escrever uma resenha – ambos estão no meu livro “Os fios da escrita” (no prelo, lançamento ainda em dezembro 2020, pela Editora Mondrongo). https://recortelirico.com.br/2020/11/sobre-poesia-e-poetas/
Na primeira crônica desta série, procurei situar o leitor sobre a vida do poeta russo Alexandr Pushkin e o meio em que escreveu. Negro, viveu entre eslavos, descendente de escravo africano viveu dentre a nobreza russa, nobre por direito e nobre de coração Pushkin se tornou, com apenas 20 anos de carreira literária, o maior poeta russo de todos os tempos.
Pushkin é aclamado como o maior poeta russo dos século XIX e o criador daquilo que Carpeaux chama de “uma literatura universal em língua russa”. Tendo falecido antes de completar 38 anos e, 220 anos depois, ainda é considerado por muitos como o maior poeta russo de todos os tempos e influência decisiva não apenas entre seus compatriotas (como Gogol, Dostoiévski etc.), mas entre poetas de todo o mundo.
Morto em consequência de ferimentos sofridos num duelo – que poderia ter vencido, porque era bom atirador –, o poeta foi talvez a vítima de sua popularidade. Servidor do czar e admirado pelo povo, foi talvez vítima de armadilhas e do ciúme que rondava a sua casa; e, assim, o antagonista é o cunhado, o oficial francês Georges D´Anthès,
D´Anthès, o lado B do triângulo amoroso
que pode ser considerado o lado B do triângulo amoroso com Natália Gontcharova, a esposa do poeta.
Cena do filme “O escândalo Pushkin”, de Natalya Bondarchuk (2016).
Os 154 poemas canônicos de Kaváfis valem por uns outros mil de outros poetas menores . O poeta grego (1863-1933) é considerado o T.S. Eliot da Grécia e escrevia também em Inglês. Para ler o artigo na íntegra, clique aqui neste link.
A tendência do cronista, já disse, é fazer o que todos fazem, mas as listas abundam em redor, melhor fazer um levantamento poético-afetivo do ano que finda. E para isso, as musas me concederam lembrar de dois poetas – Lucchesi, tradutor e escritor e do poeta Carlos Drummond de Andrade, que em sua receita de ano novo, constata que há muitos que insistem em sonhar com o champanhe e a birita para desvelar o que só o interior pode revelar: a fórmula de um bom Ano Novo.
**************Clique na figura abaixo para ler a crônica na íntegra!****************
Feliz por completar doze semanas da coluna DESTARTE em Opção Cultural (Goiânia).
Fique à vontade para enviar suas sugestões de pauta para meu email: betoq55@gmail.com
Abraços do Beto.
(*)Clique na figura abaixo para ler a minha crônica literária.
Em 1972, eu me preparava para o vestibular de Física (ou de Agronomia) enquanto José Guilherme Merquior, servindo como conselheiro da Embaixada Brasileira na Alemanha, aproveitava todo o tempo livre que tinha para escrever.
Foi nessa época em que ele escreveu um ensaio em 12 pontos intitulado “Para o Sesquicentenário de Matthew Arnold”.
Em 1972, eu não passava de um pé-rapado de terceiro ano secundário (em ritmo de vestibular) comecei a notar que Merquior era o tipo de crítico que me desafiava.
Eu continuava naquele ritmo de estudar Matemática e Física e me divertir (diria: usar as poucas horas vagas), com a Literatura, na mor parte do tempo lendo Hermann Hesse e tudo que me caísse na mão em forma de versos. Tinha eu dezesseis anos (incompletos) de idade, enquanto o gênio da crítica tupiniquim se exercitava no ofício de espantar fantasmas — entre eles o do Formalismo na crítica.
Textos densos e muitas vezes incompreensíveis de um jovem de 31 anos e que já houvera sido parceiro de ninguém menos que Manuel Bandeira, na seleção e organização de “Poesia no Brasil (antologia)”, 1963 e lançado nada menos que três livros de crítica e participado de um panorama da literatura no continente (com vários autores, em “America Latina en su Literatura”, ed. Siglo XXI, México, 1972); os livros do autor até então haviam de se tornar canônicos: “Razão do Poema” (1965), “Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin (1969), “A astúcia da mímese” (1972) e do mesmo ano fatídico de 72 o seu livro de ensaios sobre a crise da cultura, intitulado “Saudades do Carnaval”.
Hoje, aos 62, senti saudades do Merquior, que se foi tão moço em janeiro de 1991 para o convívio do Eterno… Reli “Para o Sesquicentenário…” no meu volume hoje envelhecido (da Editora da USP) de 1979, que comprei por 150 moedas da época na livraria Sulina (em Porto Alegre).
Porto Alegre, como sabem meus seis leitores, foi o meu primeiro lar de jovem casado, (ainda muito desajuizado) e levado pelo vento da mais nova idéia que aparecesse, no entanto, certo de que só eu próprio faria meu caminho futuro — daí porque continuava estudando Física e lendo o melhor da Literatura que garimpava no Martins Livreiro (mais em conta) e nas livrarias do velho centro histórico de Porto Alegre, onde morei por agradáveis seis anos. Sim, lia Merquior, enquanto muito do que ouvia sobre música e literatura, sociologia e política batia de frente com o aprendizado que ia fazendo nos livros do Merquior.
Anos depois, um amigo de juventude me disse que Merquior surpreendera seus professores na London School of Economics (LSE) pela sua capacidade de memorização e pela voracidade de leitura que demonstrava. Era como se ele tivesse lido tudo e lido (muito) mais que o seu próprio orientador.
Deixo dois ou três pontos dos 12 do ensaio citado e devo voltar ao assunto em breve, porque Merquior merece ser lido (e relido).
“The end and aim of (….) literature is (…) a criticism of life.”
(M. Arnold, via J.G.Merquior, “Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da Cultura”, 1974)
“Criticism of life é uma noção cheia de significado, sobretudo quando, na formulação que Arnold lhe dera em 1864 [reproduzida na epígrafe de Merquior e acima], a “crítica da vida” corresponde ao fim e alvo da literatura, e não (como fórmulas mais sintéticas podem dar a entender) a literatura tout court; pois a presença dessa aristotélica causa final (the end and aim…) permite frisar a essencialidade da relação literatura/vida social `sem subestimar as características técnicas do fenômeno literário` (o tipo específico de discurso que constitui o texto artístico; o tipo também específico de experiência em que consiste o seu consumo etc…). Logo, não há razão para descartar com tanta desenvoltura o bravo dito arnoldiano, sob o pretexto de que se trata da funesta heresia didática… a menos que o descartamento proceda do…formalismo dos mencionados críticos-historiadores.” (J.G.Merquior, “Formalismo e tradição moderna”, p.147, ed. da USP, 1974).
O ensaísmo religioso de Matthew Arnold leva a essa posição de considerar a Poesia uma Religião.
9. “Arnold considerava a literatura herdeira da religião, sucessora das emoções fundamentais outrora atendidas pela fé religiosa. É verdade que, humanista liberal em matéria de crença, tocado pela crítica racionalista das Escrituras, ele adere à aposentadoria do dogma, valorizando principalmente o “significado humano” do cristianismo. Ainda assim, no entanto, soa bem parcial afirmar como T.S. Eliot (Arnols and Pater, in Selected Essays, Faber, Londres, 1951, p.434), que o efeito do ensaísmo religioso de Arnold é “to diverce Religion from thought”, transformando a religiosidade “poética”, puramente emotiva, resultante, numa clara prefiguração do hedonismo esteticista de Pater. Pois “a religião sem dogma” é [e eu me pergunto: vem a ser?] Poesia ” — onde há um senso de Beleza e de conduta (Merquior cita “Literature and Science” como a defesa mais apropriada da literatura contra o positivismo de Huxley, que pretendia reduzir a poesia ao “beletrismo ornamental”.
Ainda segundo J.G.Merquior, “justamente por conter esse sentido ético, sem nenhum prejuízo da sua natureza artística, é que a literatura pode ser crítica da vida”. E mais:
“De modo que a poesia herdeira da religião de Arnold não saberia prefigurar, sem mais aquela, o esteticismo de Pater; “a poesia como religião não se confunde com a religião da poesia, culto ´fin-de-siècle`; ela é antes a herdeira laica da religião-como-poesia — da religião como “poesia prática” de Novalis, ou da religião como “poetry of Mankind” de Coleridge e do antiutilitarismo romântico, relembrados por Octavio Paz em El Arco y la Lira. Dando à literatura o papel de orientadora moral da sociedade, o humanismo utopístico de Matthew Arnold inverte a sequência hegeliana : a idade estética sucederá à época da fé” (p.151 do livro citado).
Todo poeta gostaria que a profecia de Matthew Arnold fez, seja realidade: “More and more mankind will discover that we have to turn to poetry…”
(Matthew Arnold cit. by Merquior, p.150).
Bem, eu não vou tomar o tempo do leitor com um post longo sobre um intelectual que merece ser relembrado. Deixo pra vocês um link para a aquisição de livros na editora É Realizações – a obra de J.G.Merquior e um vídeo em que o Merquior é debatido pelo professor João Cézar de Castro Rocha e o economista Joel Pinheiro.
Para ler a coluna DESTARTE de hoje, 02 NOV 2017, peço ao distinto leitor que clique na imagem abaixo que o levará ao link do Jornal Opção Cultural (Goiânia). Dedico-me a entender as conexões do romance “O gigante enterrado” (Kazuo Ishiguro, 2015) – Nobel de 2017; e as relações entre esquecimento e a paz (entre os casais e as Nações). Aproveite, dileto Leitor.
Obrigado.