Arquivo da categoria: Idade Média
Cultura medieval – parte 2

Leiam, todos – ainda que poucos…
Cultura literária medieval (2)
A história da Idade Média levada a sério
Lucchesi, Drummond e adeus! ano velho…
A tendência do cronista, já disse, é fazer o que todos fazem, mas as listas abundam em redor, melhor fazer um levantamento poético-afetivo do ano que finda. E para isso, as musas me concederam lembrar de dois poetas – Lucchesi, tradutor e escritor e do poeta Carlos Drummond de Andrade, que em sua receita de ano novo, constata que há muitos que insistem em sonhar com o champanhe e a birita para desvelar o que só o interior pode revelar: a fórmula de um bom Ano Novo.
**************Clique na figura abaixo para ler a crônica na íntegra!****************
A virgem Maria
O melhor texto que li nesta quadra do Advento foi (é) de Renan Martins dos Santos, publisher da Editora Concreta.
Deixarei o link ao final, só para reter você, Leitor, por aqui, um pouco, pois o tema que Renan nos leva a repensar é o da centralidade de Nossa Senhora na história da Salvação humana — que nos foi propiciado pelo advento do Encarnado, o Filho de Deus.
Ele diz:
(…) Mas a história nos conta que houve um ser humano capaz de atravessar esses véus de intangibilidade, uma única pessoa que concebeu a partir de uma decisão direta. Esse ser humano foi a Virgem Maria. Virgem, porque, entre o seu espírito e o Espírito que lhe cobriu com sua sombra, não havia os ruídos da carne. A sua decisão repercutiu imediatamente, sem o intermédio dos instrumentos humanos. Certamente ela não podia decidir quem seria esse ser humano que carregaria em seu seio, especialmente quando a forma dessa alma seria a própria Forma divina, pela qual todas as outras coisas foram criadas. O anjo Gabriel lhe deu a notícia de quem seria, e a Virgem, passado o natural espanto, acolheu a decisão divina, determinada a receber o princípio mesmo do universo dentro de sua alma. Só de uma tal decisão poderia brotar, não mais um animal racional entre tantos, mas o próprio Verbo encarnado, a própria Sabedoria que os filósofos tanto buscaram e que parecia infinitamente distante. A partir dela finalmente reestabeleceu-se uma ponte firme e segura entre os dois planos da realidade até então aparentemente irreconciliáveis desde a criação do mundo. O mistério da decisão humana, da escolha da alma racional, onde essa passagem de um plano ao outro acontece em um núcleo escuro e inacessível, em Maria se dá de maneira tão fulgurosa, que é como a versão humana do Fiat lux!, o ato original de toda a realidade. “Faça-se (em mim) a (vossa) luz”.
“A escolha máxima havia de ser uma máxima entrega. A aceitação de um poder infinito em seu seio equivalia à integração definitiva entre o espírito e a matéria, entre o ideal e o real, entre o Céu e a Terra. A humanidade de Deus, longe de ser absurda, era a única resposta possível ao problema mais interior da própria existência. “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”. Imaculado, o seio da Virgem, ao aceitar a proposição que lhe fora feita no sexto mês, tornou-se como a repetição do Sétimo Dia, em que Deus finalmente decidiu repousar. (Renan Martins dos Santos).
SIGAMOS as já famosas “58 Catequeses do Papa João Paulo II” sobre Nossa Senhora, alocuções feitas pelo SS. Padre de 1995 a 1997, nas audiências gerais das quartas-feiras, extrai essas notas (listo-as aqui como anotadas em meu caderno de Catequista, que era à epoca):
- A presença de Maria na Origem da Igreja
- Atos 1:14: Um olhar para a Bem-aventurada…”todos unidos pelo mesmo sentimento…”
- Cap. VIII de “Lumen Gentium” – coloca em evidência a contribuição que a figura da Bem-aventurada Virgem Maria oferece à compreensão do mistério da Igreja.
- Lucas nos Atos dos apóstolos nos fala da presença feminina no Cenáculo. Oração e Concórdia.
- “Bendita sois vós entre as mulheres” (Lc. 1, 42) – que enseja três propósitos:
- Perseverança na oração;
- Concórdia e Amor entre os fiéis;
- Missão singular de Maria.
- A presença de Maria é discreta durante a Vida de Jesus e de singular evidência nos primeiros dias da vida da Igreja. – Atos 1, 14; Lc. 1,35.
- Maria no Cenáculo com “os irmãos de Jesus” – a família espiritual (Igreja).
- Maria operando como “a Mãe da Igreja” – eis o papel da Virgem e sua centralidade: “manter unidos os irmãos, mesmo em meio às disputas“.
- A educação do povo cristão para a Oração.
- Contemplar o rosto de “Theotokos” (Theo: Deus; Tokos: Mãe).
- Contemplar o rosto materno de Maria nos primeiros séculos.
- “Lumen Gentius” – 52. Convoca os fiéis a venerar a memória de Maria, mãe de Jesus, Nosso Senhor.
- “Mãe de Jesus – título que assume todo o seu significado – título honorífico e de veneração, que nos faz recordar o lugar da Virgem Maria na vida de Jesus.
- A maternidade virginal – a origem da Revelação do mistério da concepção por obra do Espírito Santo. É parte do Credo Apostólico: “…nascido da Virgem Maria“.
- A maternidade virginal jamais poderá estar separada da identidade de Jesus.
- Maria é inspiração e modelo. Uma riqueza incomensurável … a vocação especial de Maria alcança seu vórtice no exemplo de Cristo.
- O título “Mãe de Deus” foi atribuído só depois de uma reflexão da Igreja que durou dois séculos.
- No século III d.C., no Egito, começam os cristãos a invocar Maria como “Theotokos”, Mãe de Deus.
- “Sub tuum praesidium” : “Sob Tua Proteção”, Theotokos, mãe de Deus.
- Concílio de Éfeso, 431 d.C., define o dogma da maternidade de Maria: “Mãe de Jesus”; “Mãe virginal” e “Mãe de Deus”.
- O rosto da Mãe do Redentor.
- “A virgem Maria é reconhecida e honrada como verdadeira mãe de Deus Redentor” – (Lumen Gentium, 53).
- Na Idade Média, a piedade e a reflexão teológica aprofundam a sua colaboração na obra do Salvador.
- A “Mariologia” (estudo da vida de Maria Santíssima) se orienta em função da Cristologia e em nenhum outro.
- Final do século II d.C., Santo Irineu, discípulo de Policarpo, diz: “Maria é a antítese perfeita da desobediência e incredulidade de Eva.”
- “….assim como Eva causou a morte, de igual modo Maria, com seu “Sim”, se tornou causa da Salvação para si própria e para todos os homens” (17, 3-2).
- Doutrina – “Vita di Maria”, século X pelo monge bizantino João, o Geômetra.
- São Bernardo, no século XII (1153) comenta a apresentação de Jesus no Templo como um oferecimento do Filho…hóstia Santa, agradável a Deus.”
- Arnaldo de Chartres distingue “dois altares: um no coração do Cristo. Cristo imolava a sua carne; Maria, a sua alma“. Daí em diante, é elaborada a “Doutrina da especial cooperação de Maria no sacrifício do Redentor“.
A compaixão da Mãe e a Paixão do Filho, imortalizadas no mármora já exatamente famoso: “Pietà”, de Michelangelo, no Museu do Vaticano.
- Contemporaneamente, o olhar contemplativo sobre “a compaixão de Maria”, a “Pietá” indica-nos a participação de Maria como “um evento profundamente humano“.
- Santo Anselmo: “Maria, a Mãe da Reconciliação e dos reconciliados, a Mãe da Salvação e dos que forem salvos“.
- A maternidade de Maria não é só um ligame afetivo; é contribuição eficaz para o nascimento espiritual e desenvolvimento da Graça…”Mãe, plena de Graça; Mãe da Vida” – Gregório de Nissa e Guérrico de Igny (1157): “Um só foi gerado, mas todos nós fomos regenerados“.
- Século XIII — “Mariale“: a regeneração é atribuída ao “parto doloroso do Calvário”.
- Concílio Vaticano II: “Maria cooperou de modo singular na obra do Salvador…É por esta razão nossa Mãe na ordem da Graça. (Lumen gentium, 61).
- Maria é nossa Mãe, verdade consoladora que sustenta e encoraja os fiéis à vida espiritual, mesmo em meio ao sofrimento, levando / trazendo Confiança e Esperança. (19).
- Maria na Sagrada Escritura e na reflexão teológica
- Dogma da Imaculada Conceição, Pio IX (1854).
- Dogma da Assunção, Pio XII (1950).
- “Mariologia” é, pois, campo da investigação teológica particular.
- Escassa informação nos Evangelhos.
- De São Paulo, Apóstolo: Epístola aos Gálatas 4,4.
- Bem pouco se sabe sobra a família de Maria de Nazaré:
- Citações a conferir: Mc. 3, 32; Mt. 12, 48; Lc. 11:27.
- Lucas – Anunciação / Nascimento / Apresentação do Menino Jesus no Templo / Encontro com os Doutores da Lei. – essa é a base da “protomariologia“.
- O Evangelista São João aprofunda o valor histórico-salvifíco do papel da Mãe de Jesus em Jo. 2:1-12; 19:25-27; e em Atos 1, 14 (este escrito por S. Lucas).
- Bem pouco se sabe sobra a família de Maria de Nazaré:
- A Exegese atual enriquece Santo Ambrósio: “o foco no propagador do Mistério”, conservando a centralidade do Mistério de Cristo”.
- Em Lucas 2,19: … “mas Maria guardava todas essas, meditando-as no seu coração“.
- Esforçando-se para “pôr juntos” (symballousa), com um olhar mais profundo, todos os eventos de que ela tinha sido testemunha privilegiada. (22)
- O centro é o “Cântico de Maria” (Lc. 1,46-55):
“Magnificat anima mea Dominum
Minha alma exalta ao Senhor Deus
Et exsultavit Spiritus meus in Deo Salutari meo
E meu Espírito se alegra em Deus, meu Salvador.AMÉM!
Fonte:
JOÃO PAULO II, Papa e Santo da Igreja: “A Virgem Maria – 58 Catequeses do Papa João Paulo II”, Editora: Cléofas; Idioma: Português; ISBN: 978-85-88158-46-7; O texto de Renan Martins no Medium.
A defesa da fé e o amor: armas de São Bernardo contra as heresias de Abelardo
LEIA meu artigo-resenha sobre o livro “As heresias de Bedro Abelardo”, trad. Carlos Nougué e Renato Romano, É Realizações, Col. Medievalia, coord. Sidney Silveira.
Edição do livro do santo católico que viveu no século 12, na Alta Idade Média, representa, mais que uma mera publicação para especialistas e eruditos, um ato pedagógico.
Adalberto de Queiroz
Especial para o Jornal Opção
Em abril, foi lançado o livro “As Heresias de Pedro Abelardo” (É Realizações, 120 páginas, tradução de Carlos Nougué e Renato Romano), livro em edição bilíngue latim-português, de alto valor tanto para os fiéis e os estudiosos da obra de São Bernardo de Claraval, bem como para aqueles que mesmo não partilhando da fé católica, prezam a verdade e estão interessados nos pensadores da Idade Média. Depois de publicar Duns Scot, Clemente de Alexandria e Santo Tomás de Aquino, com títulos raros ou disponíveis apenas em edições portuguesas, a editora É Realizações, sob a coordenação do medievalista Sidney Silveira, presta um grande serviço ao leitor brasileiro interessado no pensamento dos filósofos e teólogos medievais. “Este lançamento representa um ato pedagógico”, resume Sidney Silveira.
Continue lendo no link Opção Cultural.
Neste link, leia o artigo completo, antes da edição pelo jornal.
Caderno de Notas, Johan Huizinga (15)

De “O Outono da Idade Média”, J. Huizinga, p.333 e ss. da ed. brasileira. Google Livros pdf anexo.“Ao cultivar o senso contínuo da nossa conexão com o poder que faz as coisas como elas são, estamos mais preparados para nos ajustarmos a sua recepção. A face externa da natureza não precisa ser modificada, mas as expressões de significado precisam.
“”Ao cultivar o senso contínuo da nossa conexão com o poder que faz as coisas como elas são, estamos mais preparados para nos ajustarmos a sua recepção.
A face externa da natureza não precisa ser modificada, mas as expressões de significado precisam.
Estava morto e agora reviveu. É a diferença entre olhar uma pessoa sem amor e olhar a mesma pessoa com amor…
Quando vemos tudo em Deus e atribuímos todas as coisas a Ele, lemos uma expressão superior do significado nas questões comuns.”
(William James, “Varieties of Religious Experience”, pp.474-5, cit. por Huizinga, em O Outono da Idade Média, p.335).
Mais? GoogleBooks – pdf do WJ.
Para Saber Mais, siga o link: http://books.google.com.br/books?id=2AezbiIYHssC&lpg=PP1&dq=varieties%20of%20religious%20experience&hl=pt-BR&pg=PP1&output=embed” target=”_blank”>Google Books.
Hildegard de Bingen: uma vida sob o sopro de Deus (1)
Destacado
“ THE MISTERY OF HILDEGARD OF BINGEN –
Este foi o tema do curso que fiz com a professora, musicista e brilhante palestrante Jane Ellen.
Como meus seis leitores sabem, estou nos EUA, num programa de estudos continuados da UNM CONTINUING EDUCATION – seguindo o “Osher Lifelong Program“, um tempo precioso que estou investindo, neste período outonal no hemisfério norte (Fall’14) em cursos, preferencialmente sobre a era Medieval.
“Knowledge is a road to wisdom.
The Human soul is made for the Eternal”
– esta é minha legenda nesse período, tirei da obra de São Boaventura.
Até agora, passados +30 dias de permanência no Novo México, eu vos digo que este foi o melhor curso. A paixão pelo assunto e o conhecimento da palestrante como musicista que é, fizeram o perfeito complemento para que o curso “19844 Hildegard of Bingen” saísse do catálogo da UNM para o meu coração e minha mente.

O que pretendo com essa série de posts é transmitir-lhes um pouco do continuado interesse que Hildegard pode gerar ao estudioso de nossos tempos interessado nas lições da Idade Média e tão carente de boa música e de aprofundar sua espiritualidade.
Há razões para amar Hildegard hoje, mas é melhor percorrer o caminho que leva ao coração e ao espírito – é o que mais conta nesta jornada. Hildegard é um dos pontos profundos entre os mestres e místicos da Idade Média.
Nascida em família nobre na cidade de Bickelhein/Rhineland (Alemanha), esta freira visionária fundou dois mosteiros, compôs mais de 70 canções – em sua maioria, música angélica -; escreveu mais de 100 cartas a amigos, confessores, bispos, arcebispos e poderosos dirigentes de sua época – em alguns ipassando um pito; compôs mais de 70 poemas; escreveu e publicou 9 livros sobre temas diversos, incluindo temas diversos como o uso medicinal das plantas, botânica e biologia além de, naturalmente, caminhos de divinização da vida (ver ‘Scivia’, adiante).
RECOMENDO que você, leitor, continue lendo e ouvindo a sequência musical abaixo, de uma série de obras compostas por Hildegard, vou contando o resto…
Educação Continuada no meu ano sabático
Primeiro dia do programa de estudos do Fall’14, na UNM.
Depois voltarei com mais detalhes.
Por ora, só passo pra manifestar meu entusiasmo dessa volta às aulas…

Na entrada do CE Building UNM, Albuquerque, NM
Fixo-me neste primeiro insight que recebi no curso – e tal como Sidonius, estou usando o final deste meu ano sabático para estudos e reflexões – “Otium Rustica“.
https://plus.google.com/103334966744194030988/posts/XVeDP5pCW3o
Místicos e Mestres Medievais
Na UNIVERSIDADE DO NOVO MÉXICO (UNM),
passei uma agradável semana acompanhando palestras sobre o tema em referência,
– foi uma excelente atividade no meu período de férias in USA, e uma rara oportunidade de retomar o estudo de assuntos que tangenciavam meu dia-a-dia como comerciante, sofrendo em meio à ázafama do cotidiano o que S.Tomás (ele que foi membro de uma família de comerciantes) – , chamava de “as agruras do comércio”.
O evento MEDIEVAL MYSTICS AND MASTERS, Spring Lectures Series 2014, ocorrido em Albuquerque (NM, USA), de 18 abril/1o. de Maio; de iniciativa do Institute for Medieval Studies (IMS) e apoio da comunidade local.
O fato me animou a retornar à UNM no próximo Outono (Fall ‘14), para me dedicar aos estudos de Humanidades (Francês e estudos Medievais), que por muitos anos foram sendo adiados em virtude da agenda quase sempre repleta de compromissos comerciais, como diretor da Multidata Informática nestes últimos 20 anos.
Abaixo, o leitor encontrará minha visão geral do evento e o que nele mais me chamou a atenção. Foram seis dias de intensa atividade de retorno a uma época da história da Humanidade que é de uma riqueza insondável, às vezes obnubliada pelo preconceito difundido por certa parte da mídia.
Ao designar a era Medieval como idade das trevas, não fazem tais críticos senão uma ‘generalização apressada’ sobre uma período riquíssimo em cultura, espiritualidade e visões definitivas para o que hoje gozam no ambiente acadêmico e cultural pós-Iluminista.
FRANKLIN de Oliveira resumiu muito bem tal preconceito, em seu magistral livro sobre Literatura e Civilização:
“ A idade Média…não foi, de forma alguma, a Dark Ages inventada pelos historiadores liberais do séc. XIX, mas genuína herdeira do mundo greco-romano. (*)
“Desde logo acentue-se que sem o conhecimento de sua história torna-se impossível a compreensão do mundo moderno, consequentemente do mundo contemporâneo.
Há um fato fundamental, que, dizendo de sua importância, também elide as teorias que a definiram como época escura: ela significa a fundação da Europa em sua base cristã-romana. Para apreender-se o veio subterrâneo que a informou basta pensar, numa simplificação que, apesar de ser quase um despojamento histórico, nem por isto despe-se de significação cultural, em dois fatos que ocorreram no seu seio: o estupendo fato da literatura provençal e a aparição da poesia dos clerici vagantes.
“…Pense-se nos vários proto-renascimentos que ocorreram no bojo do Medievo, onde Francesco d’Assisi acionou a grande revolução espiritual de que se nutriram a pintura de Giotto, o visionarismo libertário de Gioacchino da Fiore, de Giovanni da Parma, de Pier di Giovanni Olivi, Ubertino da Casale, Michele da Cesena, Almarico di Bena, os Spirituali e a poesia de Dante.” (1)
a) DO ESCOPO do evento:
NOTA-SE, desde logo, um claro ecumenismo na programação do evento, o que se refletiu também no auditório, onde era notável a presença de diversos credos.
No primeiro dia sentei-me ao lado do meu colega Bernard Hassan (Ossian), e logo travamos relacionamento com dois padres que estavam sentados na fila atrás de nós. O frei Peter é o pároco na igreja santa Maria de la Via Abbey (Our Lady of the Most Holy Rosary). Seu interesse naturalmente é imenso sobre o tema, muito mais porque acaba de concluir alguns anos de pesquisa e deve preparar um livro sobre a idade Média, com foco no Tomismo. Havia outros clérigos católicos e leigos de diversas religiões (protestantes, islamitas, judeus e hindus), além, é claro, de membros (amigos) da sociedade que patrocina o evento junto com o ISM – veja no verso do folheto em cópia os apoios, com destaque para a sociedade “Friends of Medieval Studies”.
O programa incluía, pois, uma mirada ampla que começava nos místicos cristãos Hildegard de Bingen e Giocchiano da Fiore; passando por dois mestres muçulmanos – Avicena e al-Farabi; chegando ao Sufismo medieval (com Jalal al-Din Rumi); além de uma sessão dedicada ao Budismo tibetano, representado na vida e obra de Yeshe Tsogyal, figura central da mais antiga escola tibetana de Budismo.
Sem dúvida, Os palestrantes eram todos de alto nível, como se pode ver pela ficha de cada um deles, sempre professores eméritos, mestres e doutores com uma ou várias publicações sobre o tema que focaram em suas conferências. Um especialista em filosofia islâmica e judaica – Lenn E. Goodman abordou os dois mestres muçulmanos (Al-Farabi e Avicena), além da vida e obra do Rabbi Moses ben Maimon (1138-1204) – que não são objeto deste post.
b) DOS MÍSTICOS CRISTÃOS – O professor Dr. Bernard McGinn foi o palestrante que mais me empolgou, seja pela qualidade das intervenções, seja pela vitalidade e bom-humor demonstrados em suas conferências.
Especialista em história da teologia Cristã, em Patrística e Medievalismo, McGinn tem diversos livros publicados (veja lista no link abaixo) e, recentemente, tem se dedicado a escrever sobre escatologia e história da espiritualidade e do misticismo.
Como fiquei fã do estilo e do alto saber do professor, superei minha timidez e ousei pedir-lhe um autógrafo em livro que eu já havia encomendado à Amazon: “The Doctors of the Church”.
Escolhi esse e mais um outro exemplar para adquirir durante o evento por conta de interesses anteriores – p.ex., minha admiração e constante desejo de conhecer mais aprofundadamente a obra de Santa Teresa d’Ávila, São João da Cruz; Santa Catarina de Sena entre outros Doutore(a)s da Igreja. Adquiri também “ (Modern Library Classics)” – vide resenha neste link.
Ambos estão na fila de leitura que aumentou consideravelmente depois deste seminário na UNM.
Fiquei impressionado com a força espiritual e muito interessado em dois personagens que eu não conhecia tanto, em meio a tantos Mestres e Místicos (do período abordado); além do visionário Gioacchino Da Fiori (que eu já conhecia de minhas leituras nos livros de Eric Voegelin) – destaco Hildegard de Bingen e Mestre Eckhart.
O traço comum que encontrei entre esses homens e mulheres deste rico período medieval foi a imensa capacidade que tiveram de manter contínuo diálogo com Deus, de manter a centralidade no Sagrado e uma forte determinação de manter fina sintonia com o Criador.
Fiquei também muito interessado em ler os Sermões de Eckhart, o dominicano de Colônia (Alemanha) que encantou Paris com suas homilias, mas não agradou o papa João XXIII, que o acusa de heresia e o persegue mesmo depois da morte do mestre Eckhart…
O raro título de “Magister Academus” (Meister) recebido na Sorbonne se incorpora ao seu nome de batismo, passando o dominicano Johannes Eckhart a ser chamado de Meister Eckhart (**) – “um servo de Deus que nunca parou de sonhar e de trabalhar, pregador, doutrinador e escritor incansável..”Ele recebeu de seus colegas dominicanos a fraternidade e a láurea de ser reconhecido o primeiro pregador a juntar a Escolástica com a Nova Teologia em vernáculo (a chamada “emerging vernacular theology”, lembrando que o Latim era a língua da Igreja, nos sermões e nos estudos teológicos à época).
Apesar da grandeza de tudo que fez, Mestre Eckhart teve divergências com o papa. Na época em que João XXIII ordena que ele justifique uma nova série de proposições extraídas de seus escritos, ele declarou:
“Eu posso errar, mas eu não sou um herege, pois errar tem a ver com a mente e o segundo com a vontade!”
Diante de juízes que não tinham experiência mística comparável a sua própria, Eckhart se referiu a sua certeza interior assim:
“…O que eu tenho ensinado é a verdade nua e crua”; pois:
“O olho com que eu vejo Deus é o mesmo pelo qual Ele me vê…”
A bula do Papa João XXII , de 27 de março de 1329, condena 28 proposições extraídas das duas listas. Uma vez que fala de Meister Eckhart como já morto, infere-se que Eckhart morreu algum tempo antes, talvez em 1327 ou 1328. Ele também diz que Eckhart tinha recolhido os erros da acusação.
Era intensa e íntima sua ligação com Deus e esse era o caminho que desejava para os seus fiéis e o que pregava em seus sermões. Uma frase sintetiza sua definição prática do que seu misticismo:
“Misticismo é profunda consciência de Deus em nossa vida;
é busca de profundo conhecimento e profunda União com Deus…”
O professor McGinn criou um gráfico (manual mesmo) sobre o pensamento místico da maturidade do Meister Eckhart – baseado em “Grunt = Ground” – quatro estágios da união entre a alma humana e Deus: algo na linha do que a enciclopédia Britannica considera como traços de “dissimilarity, similarity, identity, breakthrough” no maduro Eckhart (e muito mais!) – e quem sabe, me animo a num próximo post dedicar-me a repercutir esse aspecto da palestra, pois que amplo e profundo demais para o final dessas linhas?!
NOTAS ESPARSAS – de B.McG.
– 3 são os tipos de cristãos do Medievo:
a) Os visionários; b) Os místicos; c) Os Profetas.
Joaquim da Fiori reúne as 3 qualidades. (cfme. II Cor. 12: Os sinais distintivos do verdadeiro apóstolo se realizaram em vosso meio através de uma paciência a toda prova, de sinais, prodígios e milagres.).– No Evangelho de S. João o dom que caracteriza o “Visionário” se torna evidente em 24 citações do verbo “Ver” (em diversos tempos), incluindo o convite: “Vinde e Vede…”
(Ev. Jo.: 1:38 – “Voltando-se Jesus e vendo que o seguiam, perguntou-lhes:
Que procurais? Disseram-lhe: Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?
39 Vinde e vede, respondeu-lhes Ele…”).– Comuns aos apóstolos e seguidores de Cristo até a idade Média, as “Visões” foram decisivas para a construção do Cristianismo e dos espaços que a Igreja viria a ocupar – ordens, templos, escritos, releitura da Tradição etc. A Revelação continuada se traduz, assim, em visões espirituais e intelectuais. Essas visões se tornam formas externas de uma “extasis” (cf. ecstasis).
– Aquilo que designamos por “visões supernaturais”, restritas a uns poucos é “um Olhar especial para Deus”. Por vezes, essas visões permitem construir mosteiros (Hildegard de Bingen e Joaquim da Fiori), descobrir continentes (Colombo e a visão de novas terras); o dom de fornecer “dicas” sobre eventos futuros – vide o encontro de Da Fiori com o Rei Ricardo “Coração de Leão”; exercer uma pedagogia (educação de noviços, disciplina para o serviço religioso: pregadores, monges e monjas) – entender (e fazer entender) o mistério da Santíssima Trindade (p.ex., em Hildegard).
– As visões de Hildegard, diz McGinn “indicam sempre um didático propósito: a Unidade da Santíssima Trindade
(vide figuras que bem ilustram as visões).
Santa Hildegard de Bingen
foi declarada Doutora da Igreja por Bento XVI, em 2012. Sua obra mais difundida e que dela faz quase um consenso de que é uma Santa para o nosso século – “The Book of Divine Works”.Fico devendo também algumas linhas (mais aprofundadas) sobre Gioacchino da Fiori e Hildegard de Bingen, ambos visionários e realizadores, sempre inspirados na sua Fé e em viver o misticismo inteiramente
c) E antes de terminar, alinho minhas perspectivas e sonhos de voltar à UNM no próximo Outono ( Fall’14 ) para cursos de Religião comparada e de Francês, departamento este em que fui muito bem recebido pela professora Marina Peters-Newells.
d) Plano de leituras e livros referenciados no conclave:
Perdoe-me se o tempo e o espaço não me permitem me dedicar a outras conferências, mas como se sabe, todo texto exige escolha de palavras e é comandado pelo gosto pessoal do blogueiro.
Não imagine o leitor que desgostei das demais palestras, mas por ter gostado tanto das palestras e dos temas de McGinn, é que escolhi dedicar-me mais aos tópicos por ele levantados. E, para finalizar, deixo aos interessados nos livros do dr. Bernard McGinn, um link da Amazon dos livros de sua autoria e da página especial dedicada no website ao Autor.
LINK para >>>Dr. Bernard McGinn na AMAZON.com Bernard McGinn
(*) Conexões: um agradecimento especial a meu amigo Bernard Hassan e à professora Marina Peter-Newells (French Department) pelas orientações e pelas conexões que me ajudaram a sonhar com (e tornar possível) meu retorno à Universidade do Novo México em setembro próximo, para estudos em Religião e Francês.
+++++
Fontes:
(1) DE OLIVEIRA, Franklin. “Literatura e Civilização”, Ed. Difel-INL/Mec, S. Paulo, 1978. p.18/19.
“…Idade Média: esta nova aetas, que Melchior Goldast, em 1604 denominou medium aevum e Joachim von Watt media aetas – nesta linha de seccionamento da unidade do fluxo histórico navegaram Beatus Rhenanus e Heerwegwn, utilizando-se em Basiléia dos conceitos de media antiquitas e media tempora, e Georg Horn, em Leiden, que incorporaram em 1665 o período à historia recentior em oposição à historia antiqua…”
(**) Mestre Eckhart nasceu por volta de 1260 e faleceu em 1327/8.
(2) McGINN, Bernard. Obra completa – veja link – Amazon. Ref. cit. acima (link).
Folheto do evento – com os agradecimentos aos patrocinadores.