Elogio a Provence

A primeira vez em que fui à Provence, nem sabia em que importante endereço estava…
Provence par Van Gogh
Dito assim, parece que se trata de um navegante perdido num mar de azeite e vinho Vacqueyras, mas não, eu vos afirmo: ali estava este blogueiro encantado mas perdido, porque deixado fora numa gare TGV, com um enorme armário de aço (sem lado de ser carregado) – frente a uma agenda de reuniões em que a minha mulher engenheira teria muito que fazer e eu muito o que descobrir.

Estava a poucos quilômetros de Apt e nem sabia que o publicitário inglês faria o mundo se encantar pela pequena vila com sua feira inesquecível, antes que tantos descobrissem – como eu o havia feito, por conta própria, a beleza de uma feira francesa. No meu caso, na pequena e charmosa Brive la Gallairde. Mas eis que a região e a viagem eram outras e hoje me ocuparei de fazer uma louvação à Provence e não a qualquer dos outros petits pays de la douce France.

Com sabem meus seis leitores, agora voltei à Provence sem maiores compromissos, além de encontrar meu amigo J.M., perto de Aix (num abrigo de frente para o Mediterrâneo), para celebrar ma cinquentaine d´années, conhecer a amiga virtual (agora de carne-e-osso) Maitê, em meio à alegria da notícia de que vou ser avô em 2007. Levava comigo minha co-piloto predileta, com seus mapas e seu métodos – o que são coisas valiosas que não se aprendem facilmente, principalmente se convivendo com um autista: manter os métodos em meio ao caos que este escriba representa no universo de seres humanos (pouco racionais).

Aprecio tudo mas me irrito com as bagagens, como se sabe e em meio à viagem lembrei-me do poeta da minha terra, repetindo velhos romanos:

Com armas e bagagens
e algumas apólices
na armadura,

a(r)ma o teu próximo
para o melhor da viagem
nesta leitura:

há sempre um fósforo
na tua gula

E foi com a “estirpe de fênix” na língua, que parti bem cedo de Sausset-les-Pins para redescobrir o lugar em que me havia perdido há uma década atrás. Não havia desta feita os campos de lavanda floridos como na primavera antiga (é viagem de outono, recordemos), mas a geometria das nuvens era uma apreciação do que melhor me havia ensinado o professor Genésio em suas aulas no Instituto de Matemática e Física da UFG. Eu próprio tentava resolver os exercícios que o céu me apresentava a cada hora que agradecia a Deus pelo sol de outono e pelo azul VanGoghiano.

E assim, em meio a esses exercícios de geometria descritiva e afetiva, eu me perdia em enredos antigos, tentando adivinhar os nomes de todas as plantas da região citadas por Marcel Pagnol em sua trilogia L´Eau des collines e certo, sempre, de que naqueles lugares em que deambulava com meu Peugeot, a vida parecia ter parado – não havia faturas nem pré-datados capazes de me lembrar senão d´être ailleurs e que havia qualquer coisa de doce monotonia no mormaço da memória porque, afinal “dans les villages, la vie continuait, monotone et paisible, du moins en apparence…”

A Provence foi descrita por mais de um escritor de talento e por um gênio do pincel: Van Gogh. Outros os antecederam e há mil formas de você se apaixonar pela região. A pior delas talvez seja pelos catálogos turísticos. A Provence é um estado de espírito como as Astúrias representavam para Ortega Y Gasset seu descanso de Castilla, como Arraial da Ajuda me faz esquecer as rotinas de Aparecida de Goiânia, que amo 364 dias no ano. Tudo trazido significa estar alhures. (Uma observação pertinente seria entender o être ailleurs, pois quando as palavras perdem seu fado, sua química, quando já não se dá mais valor a um desenho de nuvens numa manhã en Provence ou a uma tarde morna das Astúrias, o mundo tem difícil tradução).

Na Provence, somos os turistas envolvidos por uma mágica que supera o catálogo Baedecker (ou o Michelin), não há como vos dizer a alegria de visitar um moinho de azeite, em que a senhora exibe com orgulho as fotos de filmes em que participou como convidada (ponta) ou o mau-humorado tratoristas pára para te dar uma informação com um sotaque inolvidável. Há também os ciprestes e os pinheiros-agulha que sempre confundo até que me lembre da descriçao de Van Gogh, transcita por Monsieur Bottton*: “Eles (os ciprestes) ocupam meu pensamento constantemente. Fico surpreso por ninguém os ter feito como eu os vejo. O cipreste é belo em silhueta e proporções como um obelisco egípcio. E o verde tem uma característica tão diferente! É uma pincelada negra numa paisagem ensolarada, mas é uma das notas negras mais interessantes, e a mais difícil de acertar com exatidão” (carta a Theoem 1889). Van Gogh, nos conta Botton, chegou à Provença em fevereiro de 1888 com 35 anos e lamenta que não tenha chegado à região aos 25. E se ainda orgulhava de andar com a cabeça entre duas orelhas, o angustiado cristão tinha as mãos e os olhos com todas as aptidões para pintar o que talvez continue sendo o melhor texto imagético (as tais mil palavras em um quadro) de todos os tempos sobre a Provence. Naturalmente, quando se viaja com arte, pensa-se em Van Gogh na Provence como se pensa nas viagens pictóricas de Hopper nos postos de gasolina da América, ou em Elstir quando se viaja num livro de Proust.

Eis a Provence que elogio: a doçura de suas paisagens, o céu que só se descreve em poesia, o vinho que só se toma no sonho melhor, o azeite que mina das páginas do Eclesiastes, as moças e velhas que nos olham como se não fôssemos estranhos e o jogo de boule com que alguuns poucos velhos adoçam sua viuvez. Não há guia que nos conte tal segredo. E por tão grande mistério, a ti, Provence, declaro meu amor.

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Fontes: “A arte de Viajar” de Alain Botton, Rocco, RJ, 2000. Marcel Pagnol, “Manon de Sources”, Ed.de Fallois, 1988. Gilberto Mendoça Teles, “Poemas Reunidos”, J.Olympio, 1978.

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