José Geraldo Vieira

A ladeira da memória (2a. ed., 1962).José Geraldo Vieira

Assista ao vídeo abaixo, sobre a origem do romance, no grupo coord. por Francisco Escorsim em Instituto Borborema.
22/07 – Post-post – foi somente vendo o segundo vídeo, que devo dar divulgação amanhã, que me dei conta de que a edição que eu lera (1962) foi totalmente modificada pelo Autor. José Geraldo muda passagens inteiras dando-lhes mais verossimilhança e mais concatenação para o entendimento do leitor e chega a alterar o final.
As duas capas – sendo que a segunda é de minha leitura via Kindle – com uma boa introdução de André Caramuru Aubert (março de 2015), Editora Descaminhos – edição digital, disponível em Amazon.com.Capas de José Geraldo Vieira_60 e 70

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Da série Queres Ler o quê? (v) – “Sangue Sábio”

SANGUE SÁBIO (WISE BLOOD)*

POR MUITO TEMPO ouvi falar de Flannery O’Connor nos meios católicos do Brasil, sem nunca ter encontrado um livro dela traduzido para o português. Li trechos de obras, algumas amostras em inglês, mas nada que me levasse (ou trouxesse) um romance ou um livro de contos às mãos.

Em Maceió, passeando pelos sebos – na verdade, uma corrida, pois era próximo da hora do fechamento e os livreiros têm medo de permanecerem abertos muito após 17h30, quando proliferam os  assaltos na região; pois bem, lá na capital das Alagoas encontro por uma pechincha este “Sangue Sábio” que arrematei (por ótimo preço) junto a outros dois livros que me interessavam (um A.J. Cronin e uma antiga edição portuguesa das Confissões, de Agostinho, em bom estado de conservação).

Bem, eis-me, finalmente, diante da Sra. O’Connor.

flannery-oconnor_perfil

A noção da liberdade não pode ser percebida facilmente. Trata-se de um mistério, o qual um romance, mesmo cômico, deve necessariamente explorar” (Flanney O’Connor).

Seguindo um conselho do professor Olavo de Carvalho, coloco o livro de lado, para voltar com um comentário mais denso depois. Nem por isso, não estou ainda vivendo com os personagens, rindo das suas peripécias, das trapaças e pensando muito nos personagens – sobretudo nesse menino Hazel Motes e em seus (também da autora, por certo!) conflitos existenciais, suas dúvidas atrozes entre o sentido da vida prática (o que o tradutor chama de “vida secular” e o “sentido religioso” da vida – que eu prefiro chamar de Destino.

Pois é justamente sobre o Destino que o professor Rodrigo Gurgel lembrou-nos em pequena nota sobre Flannery que:
“A Graça é o acontecimento perante o qual o homem entende o seu destino, o seu verdadeiro destino”

Originária do Sul dos EUA, como Thomas Wolfe e Faulkner para só citar dois sulistas, a sra. Flannery O’Connor é a menos prestigiada pelos nossos tradutores – enquanto os citados por O’Shea (incluindo Clemens, Porter, McCullers, Welty e Caldwell) têm vários livros traduzidos e até mais de uma versão no Brasil ou Portugal.”É deveras surpreendente que, até a publicação de “Sangue Sábio”, nenhum escrito de Flannery O’Connor houvesse sido publicado em português.Tal vazio é inexpicável…” – arremata J.R. O’Shea para justificar seu trabalho.

O vácuo preenchido representa parte da tese de doutoramento de J.R. O’Shea que é Ph.D. em literatura anglo-americana pela Universidade da Carolina do Norte (EUA). De 2002 p’ra cá, as editoras parecem ter redescoberto Flannery O’Connor que teve outros livros traduzidos no Brasil.

Fiquem por ora, com essa pequena nota, enquanto eu reuniria reflexões para confirmar minha tese: uma católica escritora que vale a pena ser lida – seu nome Flannery O’Connor.
Livros de O’Connor em Português na EstanteVirtual.

http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/352/literatura-e-cultura

O que ainda espero ler:

Sobre o primeiro, edição da Cosac Naify, tem posfácio de Cristovão Tezza e traz a seguinte ficha biográfica:Flannery O’Connor (1925-1964)  – É considerada uma das maiores escritoras norte-americanas do século XX. Nascida na Geórgia, Sul dos Estados Unidos, onde passou toda a sua breve existência – interrompida pelo lúpus aos 39 anos de idade -, sua obra consiste em dois romances e nestes 31 contos traduzidos por Leonardo Fróes, oitavo título da coleção Mulheres Modernistas, que a Cosac Naify lança agora em sua primeira edição integral no Brasil. Os contos de O’Connor, gênero em que adquiriu maestria, abordam, essencialmente, a religião (ela era católica numa região predominantemente protestante), o racismo (ela era branca e filha de proprietários de terra) e a violência, sempre numa atmosfera de extremo realismo. Como observa o escritor Cristovão Tezza, no posfácio escrito especialmente para a edição, “ela é curiosamente mais moderna que Faulkner (…) não é a dimensão divina que é seu objeto de literatura, mas o homem que pensa sobre ela”. O volume inclui fotos da autora, indicações de leitura e bibliografia.

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Fonte: O’CONNOR, Flannery. Sangue Sábio. Trad. José Roberto O’Shea. – S. Paulo : Arx, 2002. 227 páginas.

Os políticos

Uma página de V.S. NAIPAUL*

“O tipo mais comum de ambição política é o desejo de derrubar e suceder” (Naipaul)

Os políticos são pessoas que verdadeiramente fazem algo a partir do nada. Pouco de concreto têm a oferecer. Não são engenheiros nem artistas; nada constróem. São manipuladores; oferecem seus serviços de manipulação. Como nada têm a oferecer, raramente sabem o que querem. Por vezes afirmam querer o poder. Mas o definem de modo vago e impreciso. O que é o poder? A limusine com chofer e bancos forrados de fino linho branco, os agentes de segurança esperando no portão, os criados hábeis e respeitosos? Mas isto é apenas comodismo, coisa que pode ser adquirida por qualquer um a qualquer momento, num hotel de primeira. É o poder de intimidar, humilhar, vingar-se?

Mas esta é a espécie mais efêmera de poder, que desaparece tão depressa quanto surge; e o verdadeiro político é aquele que quer jogar o jogo o resto da vida. O político é mais do que um homem imbuído de uma causa, mesmo quando a causa em questão é apenas subir na vida. Ele é impelido por alguma magoazinha, uma falhazinha. Ele tenta exercitar uma habilidade que, mesmo para ele, nunca é tão concreta quanto a do engenheiro; só se torna consciente da verdadeira natureza de sua habilidade quando começa a exercitá-la. É muito comum ocorrer de um homem, depois de anos de lutas e manipulações, chegar bem perto do posto que almeja, por vezes chegar a conquistá-lo, e então revelar-se um fracassado.

Tais indivíduos não merecem piedade, pois, dentre os que aspiram ao poder, eles são homens completos; buscaram e conseguiram a auto-realização em outra área; foi necessária uma guerra mundial para salvar um Churchill do fracasso na política. Já o verdadeiro político só exerce sua habilidade e se completa quando tem sucesso. De repente, seus talentos se manifestam. O homem que antes era mesquinho, descontrolado e inseguro agora revela qualidades insuspeitas: generosidade, moderação e a capacidade de agir com uma brutalidade rápida. Apenas o poder revela o político; é ingenuidade manifestar surpresa perante um fracasso inesperado ou um sucesso inesperado.

“O mais comum, porém, é vermos o verdadeiro político em decadência. Os talentos, jamais manifestos, as habilidades, jamais descobertas, azedam dentro dele; e o homem que começou sábio e generoso, lutando por uma causa nobre, termina se revelando fraco e vacilante. Abandona seus princípios; a cada derrota torna-se mais desesperado; perde seu senso de oportunidade e muda de posição cedo demais ou tarde demais; chega até a perder sua dignidade. Recorre à bebida, à gastronomia, às mulheres, vulgares ou refinadíssimas; torna-se um bufão, algo que até mesmo ele considera desprezível, menos nas horas tranqüilas do cair da tarde, quando sua platéia se reduz a ele próprio e sua esposa, que, embora cheia de rancor, permanece fiel, porque só ela o conhece de verdade. E, aconteça o que acontecer, ele jamais desiste. Este é o líder. Este é o verdadeiro político, o homem versado numa nebulosa arte. Ofereça-lhe o poder. O poder o reanimará, fará com que ele volte a ser o que era antes.”


(*) NAIPAUL, V.S. “Os Mímicos”, trad. Paulo Henriques Britto. – S.Paulo : Cia. das Letras, 1987. p.45/6. Vidiadhar Surajprasad Naipaul nasceu em 1932 (83 anos) em Trinidad e Tobago, tendo se fixado na Inglaterra em 1950. Considerado “o Mestre do Romance”, recebeu o prêmio Nobel de 2001.

Novelist and travel writer VS Naipaul

(c) Foto Eamonn McAbe

Sobre Naipaul, disse Irving Howe, no New York Times Book Review: “Por seu enorme talento, dificilmente pode haver um escritor vivo que supere V.S.Naipaul. Tudo que se espera de um romancista é encontrado em seus livros… a Inglaterra, mas ninguém pode considerá-lo um inglês. Mas o que ele é afinal? Eu diria: ele é o escritor do mundo, um mestre da linguagem e da percepção, é a nossa amarga bênção.”  (Trad. P.H. Britto).

Willa Cather – escritores católicos da América

Dias atrás, uma dileta amiga (virtual) me sugere entusiasmada, a leitura de Willa Cather.

Vou ao sebo virtual e ao cabo de alguns dias, eis-me nesta tarde que nos ameaça com uma tempestade real, finalizando a leitura de “A Morte vem Buscar o Arcebispo“.

Agradeço a dica da amiga e recomendo a leitura, ousando emendar sua frase de um texto antigo em seu ex-blog: que se inicia assim:

Tolstói diz a respeito de Dickens “Todos os personagens de Dickens são meus amigos pessoais“.
Claire dizia em 2005: “todos os meus escritores favoritos são meus amigos pessoais. Não os conheço como indivíduos, a maioria deles já faleceu. Contudo eles me falam – como amigos. Cúmplices. Como pessoas a quem amo mesmo quando discordamos. E como eu discordo de Doris Lessing, de Fernando Pessoa, de Bilac – mas meu coração se abre carinhosamente para abrigá-los…“.
Ao final dessa apaixonada leitura, posso afirmar: eu me sinto amigo desses dois personagens humaníssimos e cristãos – os Padres Vaillant e Latour, ou, simplesmente, padres Joseph e Jean, missionários franceses no Novo México, nos desertos do Arizona e nas rochosas do Colorado.

De Willa Cather, disse mestre Otto Maria Carpeaux que “o catolicismo foi elemento significativo de sua arte”, no que posso adicionar que é com sua arte que Willa aproxima o leitor de essência mesma do Cristianismo, na escolha de personagens de carne-e-osso que são capazes de entender o milagre da vida, em meio às provações do dia-a-dia, no cotidiano duro da vida de missionários.

A melhor fotografia do Padre Vaillant no romance está num trecho das páginas 170-172:

O bispo Latour (padre Jean) “embora trabalhasse com padre Joseph (Vaillant) havia já vinte e cinco anos, jamais lograra solucionar as contradições de sua natureza. Simplesmente as aceitava, e, quando Joseph se ausentava por longo tempo, dava-se conta de que as amava todas. O seu vigário era um dos homens mais verdadeiramente espirituais que jamais conhecera, embora estivesse tão apaixonadamente apegado a tantas coisas deste mundo. Por mais que gostasse de comer e beber bem, não apenas observava rigorosamente todos os jejuns da Igreja como jamais se queixava da pobreza ou escassez do passadio nas suas longas jornadas missionárias. A inclinação do padre Joseph pelo bom vinho poderia ter sido considerada falta num outro homem. Mas, de constituição franzina, ele parecia necessitar de algum forte estimulante físico que lhe suportasse os súbitos arroubos de vontade e imaginação. Repetidas vezes, o Bispo vira um bom jantar, uma garrafa de clarete, transformarem-se, a seus olhos, em energia espiritual. De um pequeno festim, que tornaria outros homens sonolentos e desejosos de repouso, o Padre Vaillant saía revigorado, e trabalhava durante dez ou doze horas com aquele ardor e absorção que davam resultados tão duradouros.”
(…)
Mas “nada do que se pudesse dizer do Padre Vaillant bastaria para explicá-lo. O homem era muito maior do que a soma de suas qualidades. Acrescentava um fulgor a qualquer espécie de comunidade humana em que lhe acontecesse ingressar. Um hogan Navajo, qualquer pequeno amontoado, abjetamente pobre, de choças mexicanas, ou a companhia de Monsenhores e Cardeais em Roma – dava tudo no mesmo“.

A paisagem recriada por Willa Cather é memorável neste livro. Os leitores viajamos com os dois padres missionários e temos o céu imenso da região por testemunha da dedicação cristã e de suas lutas às vezes inglórias contra os eventos naturais (neve, tempestades de poeira, imensas extensões desérticas, e os canyons…), de suas amizades com os Navajos e os Mexicanos da perdida Arquidiocese do Bispo Latour e das pedras de Santa Fé e a sua tão sonhada Catedral à francesa (em estilo românico do Midi France).

A viagem de volta a Santa Fé era coisa de umas quatrocentas milhas. O tempo alternava entre tempestades de areia enceguecedoras e sol brilhante. O céu estava cheio de movimento e mudança, ao passo que o deserto abaixo dele se estendia monótono e parado; e havia muito céu, mais do que no mar, mais do que em qualquer lugar do mundo. A planície ali estava, sob os pés do viandante, mas quando se olhava em derredor, só se via um brilhante mundo azul de ar ardente e nuvens movediças. Alhures, o céu era o teto do mundo, mas ali a terra era o chão do céu. A paisagem por que o viandante ansiava quando estava muito distante, a coisa que o cercava de todos os lados, o mundo em que na realidade vivia era o céu, o céu!

Cavalgando pela estrada de Albuquerque a Santa Fé, o jovem bispo Jean-Marie Latour se perde em meio a árida região do Novo México central, perde-se, tem sede e se inspira na Paixão de Cristo (no grito arrancado ao Salvador na cruz: “J’ai soif!“) para prosseguir em busca de seu vicariato e de sua missão. Ao final do livro, o arcebispo Latour contempla o pôr-de-sol, nas proximidades de sua catedral firmada na pedra de Santa Fé, deixando a imaginação às recordações de toda uma vida dedicada à causa da Igreja numa missão distante de sua França (distante do seu Puy-de-Dôme), sem perspectiva nas lembranças, desligado do tempo, do calendário e assim resume Cather:

– “Não tardaria que se desligasse do tempo marcado no calendário, que já deixara de contar para ele. Estava postado no meio de sua própria consciência; nenhum dos seus estados de espírito pregressos se perdera ou fora esquecido. Estavam todos ao alcance da mão, e eram todos compreensíveis.”

Como imagino, compreensível era também a idéia de que um dos pensamentos de Pascal que fizera o Bispo construir (incentivando os novos padres de seu vicariato a plantarem árvores) tantos jardins em meio à aridez, era uma luz em sua vida: “o Homem se perdera e fora salvo num jardim“(*).

Foram assim os últimos dias do padre Latour, sob o poder das lembranças, as leituras de Santo Agostinho, Madame de Sevigné e de seu conterrâneo Auvergnais, Pascal, seu favorito… Sob o ar do Novo México, o mesmo ar que por tantos anos lhe fora tão necessário, pois, “aliviava o coração e, de mansinho, bem de mansinho, abria o ferrolho, corria os trincos e libertava o espírito do homem para o vento, o azul dourado, para a manhã, a manhã!

***
Estou diante de um belo livro, constato. E de uma grande escritora da qual desejo ler mais livros.
– Se a pergunta de minha amiga há quase três anos atrás era: “E a cada vez que apanho um ‘novo’ para ler, inédito para mim, existe a possibilidade, a pergunta: será que vou fazer mais um amigo?“, hoje a minha resposta é com certeza:
– Willa Cather é amiga deste leitor apressado e desatento, mas amorável.

A tempestade que se anunciava se esvai e a tarde cai em meu jardim à espera da enchente de São José, neste nosso país com o verão mais chuvoso de que tenho notícia. Posso me sentir só mas o sinete do anel do padre Vaillant (valente, bravo, não por acaso!) vem me lembrar porquê: “Auspice Maria” (lat. que significa “Sob a proteção de Maria”).

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Fonte: “A Morte vem Buscar o Arcebispo”, Edit. Guanabara, trad. do poeta José Paulo Paes, 1985; “História da Lit. Ocidental”, O.M. Carpeaux, pág.1969, vol. 7′; (*)”Pensamentos”, Pascal, pág. 168, 553 – “Jesus está em um jardim, não de delícias como o primeiro Adão, onde este se perdeu e com ele todo o gênero humano, mas num jardim de suplícios, de onde se salvou e com ele todo o gênero humano.”
(Vinhos) Clarete, como se diz hoje, é a forma usada para descrever os vinhos tintos de Bordeaux. Em geral, grafado com o “t” mudo: Claret.
A citação ao ex-Blog da Claire.