Nada importa menos ao nosso amor que a ingênua rima em flor – rosa nomeada. Pouco importa, ainda que um soneto – pouco importa a forma exata, a rima ao nosso amor pouco importa.
Nada importa, amor, se lhe dou forma no leito, em lugar e fora de hora se cedo ou tarde, não importa, se madrugada clara ou à nona hora.
Nada importa menos ao nosso amor o tempo que sem cessar conforma o outro ao desalento, ao desamor – ao nosso amor pouco importa.
Ao nosso amor nada importa
menos. Pois, sem cessar, ele se conforma ao leito como o rio ao que a chuva forma.
Ao nosso amor pouco importa o som dos outros, a balbúrdia, bailado ou alaúde pois a todos ele contorna: ao amor, à paz volta-se; ao aconchego sem alarido; e amiúde nosso amor pouco se importa com o que se passa lá fora…
Nada em nosso amor seja triste pois que à lágrima opor-se-á o vento – no silêncio de nossas madrugadas estelares.
Só nós dois, amor, resistimos sob a chuva ao frio e ao calor – entrelaçados, sim; não importa – nada – amor, nem goteiras
de um telhado antigo e sob a chuva; um pistilo se anunciando calmo, um que duas estalactites soam: plânctons, íons, átomos de um só.
Mesmo com a advertência de Drummond na memória (“Não faças versos sobre acontecimentos“),
ousei um poema para minha musa, neste Valentine’s Day in USA.
Confira, caro(a) leitor(a). AQ./. Plantation, Florida, US, 14th, Feb/2017.
A AMÉRICA intitulou-os “Poems by occasions“. Eles existem em profusão e não estão no meu radar de leitor. A Poesia me basta pelo universo paralelo que engendra…pois creio que “ermas de melodia e conceito/elas se refugiaram na noite, as palavras.”
O poeta maior da língua portuguesa no séc. xx – CDA – aconselhava a não fazer versos sobre acontecimentos; mas vamos lá uma só concessão ao coração dos que amam ou desejam ser amados.
“Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.”
Portanto, façamos aqui uma pausa crítica,
para Valentine’s Day e poemas de amor e de anti-amor.
Primeiro, um poema de John Donne “Definição de Amor”, na tradução de Aíla de Oliveira Gomes. Depois, algo mais de Poesia Metafísica, que já citei outrora, sem data especial nem nada, só pela beleza e qualidade da poesia.
+Dois Poemas de Poesia Metafísica*
1) John Donne – Preleção sobre a Sombra
Espera, que uma preleção eu vou te ler,
Amor, sobre o amor e sua filosofia.
Nessas três horas de nosso lazer,
Aqui vagando, um par nos precedia
De sombras, que eram por nós mesmos projetadas;
Ora o sol está a pino sobre nós, tu vês,
E nossas sombras, sob nossos pés;
E tudo se reduz à brava claridade.
Assim, ao que nosso amor infante crescia,
Nossas sombras, o nosso disfarce, sumia
De nós e nossos medos; mas avança o dia.
Nenhum amor atinge o seu mais alto grau
Enquanto a vista alheia teme, como um mal.
A menos que o amor no zênite haja parado,
Produziremos novas sombras do outro lado.
Se as primeiras servem a nos ocultar,
Aos outros cegando; estas, a atuar
Atrás de nós, é qual a nós mesmos cegar.
Se nosso amor definha e declina no poente.
Tu a mim e eu a ti, falsamente,
Nossas ações deixamos se disfarcem
Entre nós. As sombras da manhã se desfazem;
Estas crescem sempre mais, todavia,
Pois, ai! se o amor se esvai, curto é o dia.
O amor é uma luz sempre crescente e constante;
Seu primeiro minuto após meio-dia é noite.
2) Henry Vaughan – Instante – slide abaixo.
Instante – poema de Henry Vaughan, trad. Aíla de Oliveira Gomes.
ΨΩΨ FONTE: Poesia Metafísica / William Shakespeare…[et alli]; seleção, tradução, introdução e notas de Aíla de Oliveira Gomes. – S. Paulo: Companhia das Letras, 1991.