Não sei. Quero ler e quero ler bem! – dispara o amigo à minha pergunta. E me devolve a palavra:
– Sabe o amigo que agora realizo esse sonho de tantos seres humanos – e o faço em tempo integral. Leio quase o tempo todo e sem a obrigação de o fazer. Talvez por isso, tenho seguido algumas regras para ler e aproveitar bem o que leio. Seguindo esse princípio, cheguei, por sugestão do professor Rodrigo Gurgel, ao livro “A arte de escrever – em 20 lições”, de Antoine Albalat.
[Uma pausa aqui para dizer da minha admiração pelas aulas que nem parecem a distância, virtuais, que tenho com o professor Gurgel. As bases da criação literária, então, recomendo a todos que amam a leitura, independente de querer ou não se tornar um escritor ou aperfeiçoar o estilo!]
– Mas serve mesmo a quem não quer escrever e só se interessa por leitura?
Sim, respondo de pronto. E dou um exemplo.
– “A leitura dos bons autores é …indispensável para a formação do estilo”
(segundo Albalat). E eu diria ler é indispensável à formação do caráter.
Bem, mas isso já seria outra história e tema para outro post.Lendo (e não precisa ser os textos sagrados), aprecia-se a vida através de um espelho que nas páginas se colocam para que nos observemos. Um criminoso de uma página de Dostoiévsky ou de Simenon – exemplos aparentemente díspares – podem, ambos, ensinar-nos de modo diverso a fixarmo-nos em valores e numa reta conduta. Estou certo em 99% (com erro de 1% para mais ou para menos!) de que Albalat está certíssimo: “o proveito da leitura depende da maneira como se lê.”
Ansioso por saber mais?
– Abra o clássico de Albalat na altura da Apresentação, feita por Gurgel: “como toda leitura este livro exige bom senso, pois há uma diferença abissal entre orientar-se por meio destas lições [as 20 lições] e copiar, sem espírito crítico, os exemplos.”
– Refiro-me especificamente ao tema que hoje me ocupa a mente e a preocupação. Leio, ainda, com o fito de aperfeiçoar o próprio estilo e desenvolver um método para ajudar aos outros que gostam de ler e se vêem perdidos num mar de produções em que a subliteratura enfeita estantes e desborda as listas de vendas.
Vilém Flusser:
“Ler” (legere, legein) significa escolher (Herauspicken), selecionar (Klauben). A atividade de selecionar denomina-se “eleição”; a capacidade para realizá-la “inteligência”; e o resultado dessa ação, “elegância” e “elite”. (*)
A missão, pois, que se transformou na primeira tarefa foi ler tomando notas, até porque Albalat confirma o que a memória sexagenária vai confirmando: “ler, sem tomar notas, é como se nada houvesse lido.” Albalat chega a mensurar que o prazo de “esquecimento” da leitura é de seis meses. Há em relação ao enredo prazos ainda mais exíguos. Há quem devore o livro e não o tenha digerido, assinala A.A. Como a poética de enredo nunca foi o que mais me atraiu nos livros, sigo pensando que é preciso entender a mensagem de fundo que o livro me traz. Nos dois casos, não é bom valer-se apenas da memória.
“A memória é coisa oscilante – adverte o escritor francês. “Não haveria sábios, se nos fiássemos nela. A verdadeira memória consiste, não no recordar, mas em ter, ao alcance da mão os meios de encontrar. A primeira condição para ler bem é, portanto, fixar o que se quer reter, e tomar notas. Um livro que se deixa sem ter extraído dele alguma coisa é um livro que não se leu.
O bom livro tem uma capacidade de criar nos leitores tão diversas sensações quantas são as leituras atenciosas e anotadas. Lê-se também por puro entretenimento e não há mal nenhum nisso. Um Rex Stout ou um Simenon podem fazer parte de seu pacote de livros de férias, sem ferir os Gurgel, Albalat ou um Flaubert – para falar em três autores que trabalham a preocupação 1 – estilo… Um Alexandre Soares Silva pode ficar ao lado de Rodrigo Duarte Garcia ou de um Karleno Bocarro.
Mas que miscelânea! um Balzac ao lado de Javier Marías; um Linhares ao lado de McEwan?
– Não tenha medo, dileto amigo, de se entregar à leitura diversa; e que o faça também nos livros não tradicional (de papel, celulose); use-os no Kindle, no celular ou tablet, mas lembre-se: tome notas.
Nessa série de posts, vou anotando observações dessas viagens que venho fazendo a livros e autores os mais diversos (só ficção ou crítica). Sigo o mandato do anjo a São João no Apocalipse, a respeito de um certo “livrinho” – “Toma-o; e come o livro”.
Ler, devorar, digerir. Em papel ou digital. Separar as correntes, percorrer as vertentes de cada qual – entender sua filiação, sua história – afinal cada livro há de valer pelo suor que emanou do autor e se este levou a sério o seu ofício – terá captado (e atiçado) “o nervo divino das coisas” (Ortega Y Gasset, via Gurgel) – e só por esta razão há de ser lido (e às vezes relido).
Uma lista recente anotada no caderno de “linguados” à minha própria maneira (sem ordem alfabética), seja para tomar notas (de comparação antes que de erudição!), para obter citações e registrar apreciação pessoal do que se vai devorando. Isso não significa que falarei de todos, mas um pouco do que vale a pena apreciar em alguns deles como numa “conspiração com o Leitor” (Tóibin) deste leitor:
- “A próxima leitura”, Felipe Fortuna.
- “Poems” by Elizabeth Bishop (original e traduções de P.H. Britto).
- “Crítica, literatura e narratofobia”, Rodrigo Gurgel.
- “O bispo negro e Arras por foro de Espanha”, Alexandre Herculano.
- “O trem e a cidade”, Thomas Wolfe, trad.Marilene Felinto.
- “O pai Goriot”, De Balzac.
- “Mrs. Dalloway”, Virgína Wolf.
- “Os mímicos”, V.S. Naipaul.
- “A estrada”, Cormac McCarthy.
- “O palhaço”, Heinrich Böll.
- “As almas que se quebram no chão”, Karleno Bocarro.
- “Maya”(releitura) e “Idílio na Serra da Figura”, Ursulino Leão.
- “O livro roubado”, Flávio Carneiro.
- “Ferreiro do bosque grande”, J.R.R. Tolkien.
- “Reçaga”, Carmo Bernardes (releitura, 40 anos depois!)
- “The Language Instinct”, Steven Pinker (eBook/Kindle).
- “Assim começa o Mal”, Javier Marías.
- “Os palácios distantes”, Abílio Estévez (interrompido!)
- “Os invernos da ilha”, Rodrigo Duarte Garcia.
- “Um velho que lia romances de amor”, L. Sepúlveda.
- “Wilful Disregard”, Lena Andersson (autora sueca, em inglês).
- “The Children act”, Ian McEwan (em inglês).
- “A orgia perpétua”, Vargas Llosa (em andamento).
Se você, dileto leitor, tiver interesse em saber mais ou participar dessa aventura da leitura, fique à vontade para enviar-me uma mensagem para betoq55 at gmail.com.