Walter Benjamin

“Porcelanas da China”, de W. Benjamin – Trad. : Rubens Rodrigues Torres Filho.

“A força de uma estrada do campo é uma se alguém anda por ela, e outra se a sobrevoa de aeroplano. Assim é também a força de um texto, uma se alguém o lê, outra se o transcreve.

“Quem voa vê apenas o modo como a estrada se insinua através da paisagem, e, para ele, ela se desenrola segundo as mesmas leis que o terreno em torno. Somente quem anda pela estrada experimenta algo de seu domínio e de como, daquela mesma região que, para o que voa, é apenas uma planície desenrolada, ela faz sair, a seu comando, a cada uma de suas voltas, distâncias, belvederes, clareiras, perspectivas, assim como o chamado do comandante faz sair soldados de uma fila.

“Assim comanda unicamente o texto copiado a alma daquele que está ocupado com ele, enquanto o mero leitor nunca fica conhecendo perspectivas de seu interior,  tais como as abre o texto, essa estrada através da floresta virgem interior que sempre volta a adensar-se: porque o leitor obedece ao movimento de seu eu no livre reino aéreo do devaneio, enquanto o copiador o faz ser comandado. A arte chinesa de copiar livros foi, portanto, a incomparável garantia de cultura literária, e a cópia, uma chave para os enigmas da China[i]

[i] BENJAMIN, Walter. “Rua de Mão Única” – Obras escolhidas, vol. II. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo, 3ª. ed., 1993, pág. 15/6.

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O que podemos aprender com o Rabi

UM RABI , MESMO QUANDO VIRTUAL é um bom conselheiro a quem podemos recorrer quando estamos diante de dilemas – eis o que representa para mim este livro de Martin Buber. Mesmo que virtualmente, um sábio pode ajudar. A leitura pode ajudar.  E precisamos entender o sentido correto de “ajuda” – palavra que tem um especial eco Buberiano. “Os anjos, dizem os chassídicos, nascem da ajuda realmente dada”(*).

E quando digo ‘virtual’, traduza, caro leitor, por “a virtualidade do livro“, – de onde emerge um sábio; “não presencial”, sim, mas presente – e este é um meio de recorrer a um sábio a quem costumo buscar em momentos de enfrentamento de um dilema. E eis que o livro se firma como “pura responsabilidade” – como dizia Martin Buber.

A voz dele – Martin Buber – aparece nesta manhã com uma “sabedoria tranquila”, uma voz que soa – como quer Albrecht Goes, no posfácio do livrinho de seis capítulos: “…que não transmite receita nem orientação, mas sim, com uma simplicidade sublime, experiência e sabedoria“. Herman Hesse ao ler este “O Caminho do Homem” disse: “Esta deve ser a coisa mais bonita que li sua. Agradeço-lhe de coração por esse presente nobre e infinito. Ainda voltarei a ele muitas vezes“.

Se transcrevo palavras como essas aqui é porque são textos que me ajudaram a encontrar uma resposta para mim.
Se elas forem úteis para meus seis leitores, já me dou por satisfeito.
Há os que aqui chegam, em busca de algum termo fruto de uma pesquisa (p.ex.: Rabi, virtual, poemas do Autor, Judaísmo etc.). Se é este o seu caso e conseguiu ler até aqui, por favor vá adiante, pois que o texto de Martin Buber é de grande sabedoria.

“Pensamento, palavra e ação” que tal começar Martin Buber_Fotoconsigo mesmo ?

É a pergunta que BUBER nos faz, para pegar o leitor de “O Caminho do Homem” – ser humano (que é também o das mulheres, neste momento em que até os padres dizem todos & todas, por uma questão de sutileza da política de gêneros). Anyway, aí vai o texto:

“CERTA VEZ, alguns grandes de Israel foram fazer uma visita ao rabi Jizchak de Worki. A conversa girava em torno do valor de um empregado íntegro para comandar a casa; se ele fosse bom, tudo se ornaria bom, como aconteceu com José, em cuja mão tudo germinava. O rabi Jizchak objetou: “Essa também era minha opinião, mas meu professor me mostrou que tudo depende do dono da casa. É que, na minha juventude, minha mulher me trouxe muitas dificuldades; suportei a situação, mas me compadeci dos meus empregados. Por isso, fui até meu professor, o rabi David de Lelow, e perguntei-lhe se eu deveria enfrentá-la. Ele me respondeu: ‘Por que você está falando comigo? Fale com você mesmo!”. Tive de dar um tempo a sua resposta antes de compreendê-la, mas o fiz quando me recordei das palavras do Baal Schem : – ‘Existe o pensamento, a palavra e a ação.
O pensamento corresponde à mulher; a palavra aos filhos; e a ação, aos empregados. Tudo ficará bem para aquele que conseguir constituir a ordem dos três dentro de si’ .(1)  Então eu entendi o que meu professor queria dizer: tudo depende de mim”.
Baal Schem
”Essa história toca um dos problemas mais profundos e difíceis de nossa vida: a verdadeira origem do conflito entre as pessoas.
”A princípio, explicamos as origens dos conflitos ou pelos temas que os envolvidos na disputa consideram como o motivo da contenda e pelas situações e acontecimentos objetivos que derivaram desses temas nos quais os dois lados estão envolvidos; ou partimos de maneira analítica e procuramos investigar os complexos inconscientes em relação aos quais esses temas se comportam apenas como sintomas. O ensinamento chassídico tem algo em comum com essa linha, quando diz que a problemática exterior da vida aponta para o seu interior. Mas ele se diferencia em dois pontos essenciais, um fundamental e um prático, embora ainda mais importante”.

“O motivo fundamental é que o ensinamento chassídico não parte da investigação das complicações psíquicas individualmente, mas se ocupa do homem como um todo. Isso não assinala, de modo algum, uma diferença quantitativa. Trata-se muito mais da compreensão de que dissociar elementos e processos parciais do todo sempre atrabalha a compreensão do todo e somente a compreensão do todo como todo pode levar à mudança real, à cura real – primeiro do indivíduo e depois do seu relacionamento com as pessoas próximas. (Exprimindo um paradoxo: a procura pelo ponto principal faz com que ele se desloque, frustrando assim toda a tentativa de superar a problemática). Isso não quer dizer que não devemos observar todos os fenômenos da alma; mas nenhum deles deve ser colocado no centro da observação, como se todo o resto devesse ser derivado dele; antes, é preciso levar em conta todos os pontos, e não um a um, mas exatamente em sua ligação vital.

”A diferença prática, porém, consiste em que o homem aqui não é tratado como o objeto da investigação, mas é conclamado a constituir sua ordem. O homem deve, em primeiro lugar, reconhecer que a situação de conflito entre ele e os outros é apenas efeito de situações de conflito em sua própria alma; em seguida, deve tentar superar esse seu conflito interno, para então ter com seus próximos, como um homem transformado, pacificado, novas relações, transformadas.

“Certamente, o homem procura escapar dessa transformação, decisiva e profundamente dolorosa, de seu relacionamento habitual com o mundo apontando – tanto para aquele que o instiga ou à própria alma, caso seja ela que o instigue – para o fato de que, em todo o conflito, são dois os envolvidos: se exigimos que um deles se volte ao conflito interior, então seria preciso exigir o mesmo do outro. Mas exatamente nessa maneira de pensar – na qual a pessoa se enxerga apenas como indivíduo com o qual outros indivíduos se defrontam, e não como uma pessoa autêntica, cuja transformação do mundo –, exatamente nesse ponto está o engano fundamental, ao qual o ensinamento chassídico se contrapõe. Trata-se apenas de começar consigo mesmo, e nesse momento não devo me preocupar com nada no mundo senão esse começo. Qualquer outra atitude me desvia do meu começo. Qualquer outra atitude me desvia do meu começo, enfraquece minha iniciativa, frustra todo o empreendimento audaz e poderoso. O ponto arquimediano no qual posso movimentar o mundo a partir do meu lugar é minha própria transformação. Se, por outro lado, eu levar em consideração dois pontos arquimedianos, esse aqui em minha alma e aquele lá na alma da pessoa que vive em conflito comigo, então rapidamente desaparecerá aquele ponto no qual um acesso se havia aberto para mim.

”O rabi Bunam ensinava: “Nossos sábios dizem: ‘procure a Paz aí onde estás’. Não podemos procurar a paz em nenhum outro lugar senão em nós mesmos, até encontrá-la. Está escrito nos Salmos: ‘Não há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado’ (2). Somente quando o homem tiver encontrado a paz em si mesmo ele poderá procurá-la no mundo todo”.

”Mas a narrativa, que foi meu ponto de partida, não se satisfaz em apontar a verdadeira origem dos conflitos externos, o conflito interno. Na palavra do Baal Schem, que nela é citado, também é dito claramente qual a composição exata do conflito interno. É o conflito entre três princípios no ser e na vida do homem: o princípio do pensamento, o  princípio da palavra e o princípio da ação. A origem de todos os conflitos entre mim e os que me rodeiam é eu não dizer o que penso e não fazer o que digo. Assim, a situação entre mim e o outro se torna cada vez mais envenenada e tumultuada, e em minha confusão não consigo mais dominá-la; ao contrário, contra todas minhas ilusões, tornei-me seu escravo inerte. Alimentamos e fazemos crescer as situações de conflito com nossa contradição, com nossa mentira, conferindo-lhes poder sobre nós, até que sejamos escravizados por elas. A partir daqui não há outra saída senão pelo entendimento da transformação: tudo depende de mim, e pela vontade da transformação: quero constituir minha ordem.

“Mas, para que o homem alcance esse grande feito, ele precisa primeiro – partindo de todos os penduricalhos de sua vida – chegar ao seu EU (3), ele precisa se encontrar, não o eu evidente do indivíduo egocêntrico, mas o ‘eu’ profundo da pessoa que vive numa relação com o mundo. E também a isso se opõe todo nosso costume.

“Quero encerrar o capítulo com uma velha piada, que se renovou na boca de um zaddik.
”O rabi Chanoch contava: “Em algum momento do passado viveu um tolo, tão tolo que era chamado de Golem. Ao acordar pelas manhãs, sua dificuldade para encontrar suas roupas era tanta que, às noites, pensando nisso, ele muitas vezes se sentia pouco à vontade para ir se deitar. Certa noite, ele finalmente tomou uma atitude, pegou um papel e um lápis e anotou, ao se despir, onde colocava cada roupa. Na manhã seguinte, ele pegou o papel, contente, e leu: ‘o gorro’ – aqui estava a peça, e ele a colocou; ‘as calças’ – lá estavam elas, e ele as vestiu; e assim por diante até o fim. ‘Sim, mas onde estou eu, afinal? ‘, ele se perguntou, preocupado, ‘onde foi que me meti?’ . Ele procurou e procurou – em vão, porque não conseguiu se encontrar. É assim que acontece conosco também, disse o rabi.
(FIM).
[© Martin Buber, fonte citada abaixo.]
+++++
FONTE: BUBER, Martin. “O Caminho do Homem”, É Realizações. S. Paulo, 2006, trad. Claudia Abeling, p. 29/35.
Observações, cfme. Notas da Tradutora:
(1) No original: zurechtschaffen. A tradução por ‘organizar’, ‘arrumar’, seria mais simples, mas perderia a noção de criação, presente em schaffen.
(2) Salmos, 38:3.
(3) “Selbst”, no original.

(*)”Buber escreveu essa frase num agradecimento a Albert Schweitzer, a quem se sentia especialmente ligado como um ‘apóstolo do imediato’; e nós, aqueles que tocados pela ayeka (chamado) divina, procuram pela resposta, pegamos para nós as belas palavras da mão de Buber: recebemos ajuda, ao mesmo tempo atual e atemporal.
(Albrecht Goes, no posfácio da obra citada, p. 55/6).

Alguns termos que estão no Glossário de outro livro de BUBER (Histórias do Rabi):

Chassídico: (ou hasidic) : The Hebrew for Hasidism, hasidut, denotes piety or saintliness, an extraordinary devotion to the spiritual aspects of Jewish life. Hasidism centered on a charismatic personality, the tzaddik. (Zaddik in the usual English transliteration)

Zaddik: a Hasidic spiritual leader believed to maintain a channel to God; is the charismatic leader in Hasidism, also known as the Rebbe in order to distinguish him from the Rabbi in the conventional sense. ©Fontes citadas.

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Uma boa prosa também pode nos ensinar a rezar

Buber, Rabi Baal Schem

Ed. Perspectiva, 2a.ed., SP, 1995

DE MARTIN BUBER (1878-1065), em “Histórias do Rabi“.

Comecei a ler Buber bem antes deste lançamento das “Histórias…”, foi com “Eu e Tu” ali pelo final dos ’70. Tive notícia destas histórias, obra lançada na coleção Judaica da Perspectiva, através de leituras das obras de S. João Paulo II.

Sou muito grato por ter conhecido esta obra de Buber. Vale a pena ler e reler…

Martin Buber

Páginas 112 e 113 de “Histórias do Rabi”, Ed. Perspectiva, 2a. ed., 1995.

 

Edmond Jabès (3.1)

Mais uma citação do “Livro das Perguntas”, do qual ainda não encontrei tradução em português e nem ouso fazê-la. Que os amigos francófonos aproveitem e, espero, gostem tanto quanto eu gostei:

“Yukel, tu as toujours été mal dans ta peau, tu n’as jamais été là, mais ailleurs; avant toi ou après toi, comme l’hiver au regard de l’automne, comme l’été au regard du printemps; dans le passé ou dans l’avenir comme les syllabes dont le passage de la nuit au jour est si fulgurant qu’il se confond avec le mouvement de la plume.
“Le présent, pour toi, est ce passage trop rapide pour être saisi. Ce qui reste du passage de la plume, c’est le mot avec ses branches et ses feuilles vertes ou déjà mortes, le mot projeté dans le futur pour le traduire.
“Tu lis l’avenir, tu donnes à lire l’avenir et hier tu n’étais pas et demain tu n’es plus.
“Et pourtant, tu as essayé de t’incruster dans le présent, d’être ce moment unique où la plume dispose du mot qui va survivre.
“Tu as essayé.
“Tu ne peux pas dire ce que veulent tes pas, où ils te mènent. On ne sait jamais très bien où commence l’aventure et où elle finit; et, pourtant, elle commence en un certain lieu et finit quelque part plus loin, à un endroit précis;
” à une certaine heure, un certain jour.
” Yukel, tu as traversé le songe et le temps. Pour ceux qui te voient – mais ils ne te voient pas; je te vois – tu es une forme qui se déplace dans le brouillard.
“Qui étais-tu, Yukel ?
“Qui es-tu, Yukel ?
” ‘Tu’, c’est quelquefois “Je”.
” Je dis ‘Je’ et je ne suis pas ‘Je’. ‘Je’ c’est toi et tu vas mourir. Tu es vidé.
” Désormais, je serai seul.” (…) .

+++++
Fonte:  JABÈS, Edmond. “Le Livre des Questions (1)”. Paris, Gallimard, 1964, p.37-38.
Alguns amigos não-francófonos reclamaram não entender nada. Já os adverti que saber Francês não os faz ganhar mais dinheiro, senão que um pouco de alegria com a Literatura. E como a França se transformou num país dominado por ‘bárbaros’, em que a tradição católica abdicou de dirigir o país, eu pouco volto lá e pouco tomo seus vinhos (é minha forma de punir os cristãos que abdicaram de seu próprio país e praticaram a ‘Oikophobia’ – Scruton 2011), enfim. Tento abaixo traduzir livremente e sem academicismo o que diz o texto acima:

“Yukel, tu te sentes mal em tua própria pele.
É como se nunca te sentisses onde estás, mas alhures. Antes de ti mesma ou depois.
Como se fosses o inverno à espera do outono. Ou o Verão à espera da primavera. Vives no passado ou no futuro, como tu fosses sílabas na passagem da noite ao dia, tão fulgurantes como se confundissem com o movimento da pena no papel.
O presente para ti, Yukel, é passagem tão rápida que não pode ser entendida. Como se fosse o que resta da pena, é a palavra e seus galhos e folhas verdes ou, quem sabe, folhas mortas: a palavra projetada no futuro a ser traduzida.
Tu lês o futuro, Yukel, tu ofereces pra ler o futuro; ontem tu não eras nada e amanhã não será mais.
No entanto, tu tentas te inserir no presente, e ser parte deste momento único onde a pena dispõe da palavra que vai sobrevir.
Tu tentastes, Yukel.
Tu não podes dizer o que queres, onde eles desejam. Não se sabe nunca bem onde começa a aventura e onde ela termina.
No entanto, sabe-se que ela começa num lugar e termina sabe-se Deus aonde, mais um lugar exato…
…numa hora exata e num dia certo.
Yukel, atravestastes o sonho e o tempo.
Para aqueles que te veem – mas é certo que não te veem de fato – tu és uma forma que se desloca na neblina.
Quem fostes tu, Yukel ?
Quem és tu, Yukel ?
Tu, de vez em quando, sou Eu.
Eu digo “Eu” e não sou eu mesmo.
Eu sou o que vai morrer. E tu estás sem nada dentro de Ti. Tu estás Vazia.
Doravante, eu ficarei sozinho. (…)

Edmond Jabès (3.1)

Mais uma citação do “Livro das Perguntas”, do qual ainda não encontrei tradução em português e nem ouso fazê-la. Que os amigos francófonos aproveitem e, espero, gostem tanto quanto eu gostei:

“Yukel, tu as toujours été mal dans ta peau, tu n’as jamais été là, mais ailleurs; avant toi ou après toi, comme l’hiver au regard de l’automne, comme l’été au regard du printemps; dans le passé ou dans l’avenir comme les syllabes dont le passage de la nuit au jour est si fulgurant qu’il se confond avec le mouvement de la plume.
“Le présent, pour toi, est ce passage trop rapide pour être saisi. Ce qui reste du passage de la plume, c’est le mot avec ses branches et ses feuilles vertes ou déjà mortes, le mot projeté dans le futur pour le traduire.
“Tu lis l’avenir, tu donnes à lire l’avenir et hier tu n’étais pas et demain tu n’es plus.
“Et pourtant, tu as essayé de t’incruster dans le présent, d’être ce moment unique où la plume dispose du mot qui va survivre.
“Tu as essayé.
“Tu ne peux pas dire ce que veulent tes pas, où ils te mènent. On ne sait jamais très bien où commence l’aventure et où elle finit; et, pourtant, elle commence en un certain lieu et finit quelque part plus loin, à un endroit précis;
” à une certaine heure, un certain jour.
” Yukel, tu as traversé le songe et le temps. Pour ceux qui te voient – mais ils ne te voient pas; je te vois – tu es une forme qui se déplace dans le brouillard.
“Qui étais-tu, Yukel ?
“Qui es-tu, Yukel ?
” ‘Tu’, c’est quelquefois “Je”.
” Je dis ‘Je’ et je ne suis pas ‘Je’. ‘Je’ c’est toi et tu vas mourir. Tu es vidé.
” Désormais, je serai seul.” (…) .

+++++
Fonte:  JABÈS, Edmond. “Le Livre des Questions (1)”. Paris, Gallimard, 1964, p.37-38.
Alguns amigos não-francófonos reclamaram não entender nada. Já os adverti que saber Francês não os faz ganhar mais dinheiro, senão que um pouco de alegria com a Literatura. E como a França se transformou num país dominado por ‘bárbaros’, em que a tradição católica abdicou de dirigir o país, eu pouco volto lá e pouco tomo seus vinhos (é minha forma de punir os cristãos que abdicaram de seu próprio país e praticaram a ‘Oikophobia’ – Scruton 2011), enfim. Tento abaixo traduzir livremente e sem academicismo o que diz o texto acima:

“Yukel, tu te sentes mal em tua própria pele.
É como se nunca te sentisses onde estás, mas alhures. Antes de ti mesma ou depois.
Como se fosses o inverno à espera do outono. Ou o Verão à espera da primavera. Vives no passado ou no futuro, como tu fosses sílabas na passagem da noite ao dia, tão fulgurantes como se confundissem com o movimento da pena no papel.
O presente para ti, Yukel, é passagem tão rápida que não pode ser entendida. Como se fosse o que resta da pena, é a palavra e seus galhos e folhas verdes ou, quem sabe, folhas mortas: a palavra projetada no futuro a ser traduzida.
Tu lês o futuro, Yukel, tu ofereces pra ler o futuro; ontem tu não eras nada e amanhã não será mais.
No entanto, tu tentas te inserir no presente, e ser parte deste momento único onde a pena dispõe da palavra que vai sobrevir.
Tu tentastes, Yukel.
Tu não podes dizer o que queres, onde eles desejam. Não se sabe nunca bem onde começa a aventura e onde ela termina.
No entanto, sabe-se que ela começa num lugar e termina sabe-se Deus aonde, mais um lugar exato…
…numa hora exata e num dia certo.
Yukel, atravestastes o sonho e o tempo.
Para aqueles que te veem – mas é certo que não te veem de fato – tu és uma forma que se desloca na neblina.
Quem fostes tu, Yukel ?
Quem és tu, Yukel ?
Tu, de vez em quando, sou Eu.
Eu digo “Eu” e não sou eu mesmo.
Eu sou o que vai morrer. E tu estás sem nada dentro de Ti. Tu estás Vazia.
Doravante, eu ficarei sozinho. (…)