“Na verdade, nem chegamos a saber quem ele foi: pássaro, criança, lobo solitário ou habitante de um mundo que vive no futuro do homem e só é pressentido no sonho dos poetas”.
(Haroldo de britto Guimarães sobre josé décio filho).
Ei-lo, Zé Décio redivivo.
62 anos do lançamento de Poemas e Elegias – em sua primeira edição; 35 Anos depois da publicação da 2a. edição de seus “Poemas e Elegias”.
Para mim, nunca estiveste ausente.
Quando o meu amigo Ailso Braz Corrêa – hoje também como Tu, encantado e encantando o paraíso – me presentou com o livrinho de capa marrom com os teus poemas, sabia a partir da capa (assinada por Trindade e Ailso) que iria amar o que havia dentro.
Mas surpreendeste-me, José, com sua poesia toda essência, diferente de tudo que lera antes em minha terra. Afonso Félix de Sousa, Antonio José De Moura me surpreenderam antes, poetando em minha terra com a força do universal, também Ieda Schmaltz e Gilberto com sua Fábula de Fogo e sua (dele) “Arte de Armar” e sua história da literatura – onde humildemente rende a ti a maior homenagem, admitindo-te a Mestria:
“A sua obra poética é a mais perfeitamente coesa e homogênea em Goiás, constituindo-se numa peça inteiriça os vários poemas que compõem o livro Poemas e Elegias. E de tal maneira esses poemas se completam, se identificam nas suas estruturas e vivências, que os sentimos harmonizados numa única mensagem, altamente humana, marcada entretanto por um vínculo profundo de tristeza e intensa amargura pessoal.”
José Décio, em A Poesia em Goiás (GMT, 1983)
Tinha eu 24 anos de idade quando li pela vez primeira os teus versos. Que grande susto me causaste. Hei de ser sempre teu leitor, pensei. O livro marrom com os teus poemas foi para a estante de minha casa, mas a emoção de tua Poesia ficou adormecendo calada em meu coração e minha mente.
Agora, vieram os jovens (moços) de uma nova editora (Caminhos) e me reacenderam como um clarão na (tua) página adormecida.
Ei-los, os teus poemas, de novo à mercê dos que são capazes de sonhar, das crianças, dos lobos e dos que ainda sonhadores ocupam os bancos das praças (reais e virtuais). Outros Haroldos hão de te saudar na novíssima geração, para a qual não mais designamos “Moços” e sim Jovens – até saberem que te diriges ao “mundo sem idade”! Outros Oscar Sabinos haverão de te enaltecer a obra – porque capazes de ler em teus versos a beleza universal da poesia que não tem como pátria senão o idioma e como arma os afetos e a sensibilidade.
Muitos ainda haverão de dizer teus poemas nas horas mais solitárias, quando “penetrados” pelas “ondas, as músicas mais simples/os longes, íntimas palpitações/de um mundo sem idade”.
“As coisas só me penetram
quando sou livre e humilde,
As ondas, as músicas mais simples,
os longes, íntimas palpitações
de um mundo sem idade,
vêm aninhar-se no meu peito
como asas fluídicas da vida.
Depois vou-me embora,
leve e corajoso.”
Foste tu o lobo, Zé Décio, mas nunca em pele de cordeiro:
Ó lobo, companheiro de solitude!
irmão de São Francisco.
Também meu irmão das selvas,
portador de estranhas gentilezas.
Trouxeste-me o sabor dos campos,
as distâncias dos gerais imensos,
o cheiro da terra virgem
dos brejos de buritis perdidos,
o canto nostálgico da graúna
nos pantanais de minha terra.
E tal qual teu personagem, de nós foste arrancado tão rápido, que teu companheiro Haroldo de ti dissera o que vai na epígrafe desta louvação.
Sim, eu te saúdo, companheiro de amável presença (mesmo nunca real sempre soprada pelos versos); presença que, às vezes, é digna de ter o mesmo tom de um ‘Epitáfio’ como este que erigiste ao lobo.
E foi tão curta a tua presença amável
ao meu lado, tão frágil
tua vida sensível e vibrante!
Foi o que soube de ti, pela notícia dos teus parentes e pela boca da professora Cláudia Balduíno, não sem dizer que tua nobreza, poeta, a todos inundava com um certo mistério, composto de silêncio e sensibilidade – como no Epitáfio teu lobo possui “ternura espinhosa e tirânica”.
José, Zé Décio, todos os que amamos a tua poesia, lembramo-nos do mergulho vertical que em ti mesmo teve a economia da graça de doar-nos algo que nunca estará de todo perdido, mesmo quando o Poeta insiste com:
Quanto trabalho perdido,
quanto tempo dissipado!
Mas de tudo que ajunte
na mais lírica desordem,
alguma coisa houve de ficar,
alguma coisa que às vezes
se resolve em minha poesia ou em silêncio.
Tu, o grilo Zé Décio que nos vai alertando das armadilhas, das insônias que a vida apressada das urbes repletas nos impõe a todos – sobretudo aos que “de alma bravia e torturada” – como Tu sentem “os dedos da agonia” (os que experimetam/ram/rão a mesma esquizofrenia que te exauriu, Poeta!) e às vezes sucumbem n’A Longa Espera:
A cidade me ensinou a esperar.
Pelos dedos da agonia
o tempo se escoa. Para sempre.
Sobre o vício, o crime e a tristeza…
(…)
Ó alma bravia e torturada,
até onde se estenderão teus domínios?
Muito conheço de ti, e nada sei.
Dos teus profundos desmaios
voltas sempre mais forte e mais estranha,
como se teus recados em cifra
não encontrassem eco
neste ser atônito e frágil.”
E deuses permitiram – os da poesia, os da pena solta quando tua alma se libertava – que um Deus te burilasse o talento e te permitisse reinventar um estilo elegíaco, mesmo nas agruras da insônia te permitiu um Alumbramento:
Bem sei que a noite já ficou velha,
mas tenho um medo atroz de ir me deitar,
porque o fantasma da insônia
está me esperando sob o travesseiro.(…)
Foi assim. Sim, foi, Poeta
Momento inédito, alvorada de ouro,
parêntese luminoso no meu cotidiano,
fogueira de são-joão dentro da minha alma,
que me queimou todos os pensamentos tristes,
que fez de mim um sujeito diferente,
parecendo até um camarada feliz!
Queria escrever sobre Ti, como dissera Jorge Lima em outra louvação ao poeta (ficcionista) – o Georges Bernanos – e terminei escrevendo a Ti.
Aqui, José Décio, poeta amado, o tio José de dona Cláudia, o tio-avô de meu amigo-Moço-Jovem Chal, o Zé Décio das pescarias com os amigos Haroldo e outro Zé…Receba minha homenagem e minha louvação, ao lado de tio Paulo, também chamado Bispo Tomás, que espero há-de ter em seu (dele) mais sagrado contentamento (J’éspère!).
+++++
Fonte: todas as citações em negrito e entre aspas são de “Poemas e Elegias”, José Décio Filho, exceto a de Gilberto Mendonça Teles, que tirei de “A Poesia em Goiás”, donde retirei também a foto do José Décio – com Bernardo Élis e Domingos Félix de Sousa. No link abaixo, ouçam Antonio Victor declamando o Poema Vertical de José Décio Filho, do liv. cit.