Seja bem-vindo, "Monsieur Ouine"

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Bernanos foi assunto central no livro de Sebastien Lapaque (2003) e H. Sarrazin (1968) – a figura do mais brasileiro dos escritores católicos franceses ganha novas leituras

Lançamento do romance de
Georges Bernanos no Brasil

Finalmente, o leitor brasileiro tem à sua disposição esse que é considerado a obra máxima de Georges Bernanos.
A É Realizações, passadas mais de seis décadas do lançamento do livro, publica Monsieur Ouine na tradução de Pablo Simpson.
Confira os dados sobre o livro e a sinopse de Monsieur Ouine (Lançamento)preparada pela competente equipe editorial comandada pelo abnegado Editor Édson Filho.

Aos francófonos, recomendo este site do link abaixo.

via Bernanos, Monsieur Ouine

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No mínimo, um poema ao dia (I)

Chansons – Canções

De Clément MAROT (1497-1544). clément marot por corneille de lyon (c. 1537)
Tradução de Mário Laranjeira.*

De la rose Da rosa
   La belle Rose, à Venus consacrée,     A bela rosa, a Vênus consagrada,
L’oeil et le sens de grand plaisir pourvoir; Ao olho e olfato tanto prazer dá;
Si vous dirai, dame qui tant m’agrée. Assim direi, senhora que me agrada
Raison pourquoi de ruges on en voit. Por que razão tantas vermelhas há.
 
    Um jour Vénus son Adonis suivait     Vênus um dia acompanhava, à toa,
Parmi jardin plein d’épines et branches, Adônis, num jardim cheio de espinhos,
Les pieds sont nus et les deux bras sans                                                         [manches, De pés descalços, nus os dois bracinhos,
Dont d’un rosier l’épine lui méfait; E da roseira o espinho a magoa;
Or étaient lors toutes les roses blanches, Eram brancas então todas as rosas:
Mais de son sang de vermeilles en fait. Seu sangue as faz vermelhas, gloriosas.
    De cette rose ai jà fait mon profit     Desta rosa tirei o meu proveito
Vous étrennant, car plus qu’à autre chose, Por mais que tudo vos fazer ditosa,
Votre visage en douceur tout confit, Pois vosso rosto, de doçura feito,
Semble à la fraîche et vermeillette rose. Parece a fresca e vermelhinha rosa.

*FONTE: Poetas Franceses da Renascença, seleção, apresentação e tradução de Mário Laranjeira – S. Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 22/3.

O poeta e “La belle dame” (1)

alainchartier

Alain Chartier (circa 1380-1433).

Alain CHARTIER , poeta e diplomata francês do séc. XV, foi também um orador célebre – considerado “o Sêneca Francês”. Dele sabemos ter nascido em Bayeux, cerca de 1380. Viveu, pois, no séc. XV – portanto, no chamado outono da Idade Média e madrugada do Renascimento. Teria o poeta sido beijado (enquanto dormia). Margaret da Escócia ? Teria conhecido o primeiro lírico da França e seu contemporâneo François Villon? essas e outras questões nascem da observação do quadro pintado por Edmund-Blair “Alain-Chartier-and-Margaret-of-Scotland” (foto 1).

Chartier viveu no séc. XV – portanto, no chamado outono da Idade Média e madrugada do Renascimento – época que o mestre Segismundo Spina diz viver  “ainda o Primado Italiano” (na obra-prima “A cultura literária medieval”, de 1997).

Já com mais precisão, acentua a sisuda Britannica que, em 1417, como secretário do rei Carlos VI, em virtude da invasão inglesa em França, e pela reação “bourguignonne” ao reinado (Borgonha), segue com a Corte para a Alta Normandia, e continua seu ofício de escritor no estilo dos poemas corteses da época. Em 1422, os males políticos de sua pátria, levam-no a escrever “O Quadrílogo” (Le Quadrilogue) sob forte influência de Sêneca e da oratória Latina antiga. Por sua técnica e estilo, Alain Chartier será conhecido em França como “O Pai da Eloquência“.
Alain Chartier morre por volta de 1449.

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Foto 1. Chartier e Margareth da Escócia*.

Chartier, se perguntado em um balanço final: “o que fizeste de tua vida?” – teria muito a responder.  Não sabemos ao certo, contudo, se Margaret da Escócia teria mesmo beijado o poeta enquanto dormia. Seria mais assunto para colunas sociais e não para a história da literatura francesa. Sabemos que o poeta-diplomata lá esteve para negociar o casamento desta com o futuro Luís XI.

Provavelmente, Chartier viu (santa) Joana D’Arc ser queimada viva (1431). Da santinha camponesa (santa, sim, para os católicos simples e o polemista Bernanos, não para o pessoal da Igreja e os combatentes que a traíram, entregando-a aos ingleses). Georges Bernanos que nos legou “Joana, relapsa e Santa” como o modelo da infância e da coragem dos que crêem – afinal “o coração do mundo está sempre batendo…A infância é esse coração”). Dela mesma, a “santa relapsa” teria dito o poeta Chartier:

Deixe Tróia celebrar Heitor, deixe a Grécia orgulhar-se de Alexandre, a África, de Aníbal, a Itália, de César e de todos os generais romanos. A França, embora conte com muitos destes, pode bem contentar-se apenas com sua donzela” – (Alain Chartier).

Teria Chartier copiado outro poeta ? Teria sido Baudet Herenc o verdadeiro autor da Balada original (como deixa crer um certo Piaget)?

Teria o poeta visto (e lido) o ‘baladeiro‘-mor  de sua época, Monsieur François Villon? –  ele Villon que se desgarrou de seus confrades da épcoa para o panteão da Literatura Francesa com “o maior lírico da Idade Média”?

– São perguntas que nos fazemos os que amamos a idade Média, quando pagamos o preço da honestidade intelectual e não, simplesmente, compramos a balela jornalística de que teria sido uma época de trevas  – mentira difundida à exaustão de se transformar em verdade, após a revolução Francesa e repetida hoje por neo-ateístas que se consagram como medievalistas – argh!

O ingresso na cultura medieval, em especial a literária – ressalta o mestre Spina – “não se faz sem pagarmos um pesado tributo; a compreensão dos valores dessa época exige do estudioso uma perspectiva ecumênica, pois as grandes criações do espírito medieval – na arte, na literatura, na filosofia – são frutos de uma coletividade que ultrapassa fronteiras nacionais. E uma visão de conjunto só se adquire depois de muitos anos de trato e intimidade.” (Segismundo Spina).

A Balada dos Enforcados (La Ballade des Pendus) é publicada em 1462. Está definitivamente no cânone da poesia e da história de França. E, Chartier, oh, pobre poeta menor, nem sequer, no meu tempo de Alliance Française, citado pelo guia de Thoraval (Jean) – Les Grandes Etapes de la Civilization Française. Dommage.

Por uma dessas coincidências literárias, no entanto, Chartier desperta diante do olhar deste sexagenário com tão grata e forte referência, a partir de um inglês – um talentoso poeta morto precocemente aos 26 anos de idade – John Keats (oops! havia escrito Jean!) que reinventa a balada, mesmo sendo conhecido mais por sua Odes… isso já é bem outra estória.

Para ler John Keats que em Chartier se inspirou, veja poema transcrito abaixo e recorra a dois bons sites de traduções de Keats em português: Escamandro e J. Keats on Tublr.

Voltemos às baladas. Primeiro a beleza do manuscrito. Só isso valeria ao bibliófilo a pesquisa mas há mais. Ainda estou à procura de uma tradução do longo poema de Chartier para o português.

Por segundo, e não menos importante, porque o original de Chartier é a inspiração para o poeta inglês, ressalta a Biblioteca de Chetham que é um manuscrito está em distintivo e formosamente executada por mão ‘bastarda’, criação típica das produções literárias francesas do século XV, e é indubitavelmente o resultado de uma comissão de um mecenas rico, com bom pergaminho, margens largas e colorido que ilumina a decoração.

Foto 2. Manuscrito do poema de Chartier, Chetham Library.

 

 

 

 

 

 

 

 

(c)Fotos:  1 – Encyclopædia Britannica Online. Web. 26 Dec. 2015. (Alain-Chartier-and-Margaret-of-Scotland-painting-by-Edmund-Blair).
Foto 2 – manuscrito do poema de A. Chartier do website da Chethams Library UK.


 

La Belle Dame sans Merci: A Ballad

By John Keats

O what can ail thee, knight-at-arms,
       Alone and palely loitering?
The sedge has withered from the lake,
       And no birds sing.
O what can ail thee, knight-at-arms,
       So haggard and so woe-begone?
The squirrel’s granary is full,
       And the harvest’s done.
I see a lily on thy brow,
       With anguish moist and fever-dew,
And on thy cheeks a fading rose
       Fast withereth too.
I met a lady in the meads,
       Full beautiful—a faery’s child,
Her hair was long, her foot was light,
       And her eyes were wild.
I made a garland for her head,
       And bracelets too, and fragrant zone;
She looked at me as she did love,
       And made sweet moan
I set her on my pacing steed,
       And nothing else saw all day long,
For sidelong would she bend, and sing
       A faery’s song.
She found me roots of relish sweet,
       And honey wild, and manna-dew,
And sure in language strange she said—
       ‘I love thee true’.
She took me to her Elfin grot,
       And there she wept and sighed full sore,
And there I shut her wild wild eyes
       With kisses four.
And there she lullèd me asleep,
       And there I dreamed—Ah! woe betide!—
The latest dream I ever dreamt
       On the cold hill side.
I saw pale kings and princes too,
       Pale warriors, death-pale were they all;
They cried—‘La Belle Dame sans Merci
       Thee hath in thrall!’
I saw their starved lips in the gloam,
       With horrid warning gapèd wide,
And I awoke and found me here,
       On the cold hill’s side.
And this is why I sojourn here,
       Alone and palely loitering,
Though the sedge is withered from the lake,
       And no birds sing.

NOTES: POL participants and judges: in this poem’s third-to-last stanza, recitations that include “Hath thee in thrall!” or “Thee hath in thrall!” are both acceptable.

*****

Fonte para J. Keats: Selected Poems (Penguin Classics, 1988).

 

 

 

O ruído do século

Faz bastante tempo que o sr. H. Taine, de L´Academie Française escreveu palavras sábias sobre livros, viagens e pessoas.
Relendo um volume da 3a. edição de 1903, da editora Hachette (“Derniers Essais/De C|ritique et D´Histoire), encontro esta pérola sobre os franceses (mas podemos dizer o mesmo de nós, brasileiros, sem o charme dos que vivem (viveram) na Cidade-Luz):

Artificiels et agités” ; il a raison, c´est bien ansi que nous sommes. Les rues sont trop pleines, les visages trop affairés. Au soir, le boulevard fourmillant et lumineux, les théatres étincelants et malsains, partouts le luxe, le plaisir et l´esprit outrés aboutissent à la sensation excessive et apprêtée. La machine nerveuse est à la fois surmenée et insatiable. (…)

++++
Post-Post, em 30.01.13. Na sequência do texto, vem uma citação aos estrangeiros ricos (les étrangers riches) – un Brésilien, un Moldave, un Américain qui ont fait fortune ou qui s’ennuient de vivre parmi leurs esclaves ou leurs paysans, viennent à Paris pour jouir de la vie. (…)
Depois, Taine cita os franceses endinheirados e continua com a descrição do “mal” et du bien que agitava a Cidade-Luz, à época, para concluir: “je me sui dit le mal tout bas; à présent disons le bien tout haut”. Imagine se o crítico do séc. XIX ressuscitasse em pleno XXIème? O que não diria hoje dos hábitos e das artes e costumes da Paris dos dias de hoje…

O ruído do século

Faz bastante tempo que o sr. H. Taine, de L´Academie Française escreveu palavras sábias sobre livros, viagens e pessoas.
Relendo um volume da 3a. edição de 1903, da editora Hachette (“Derniers Essais/De C|ritique et D´Histoire), encontro esta pérola sobre os franceses (mas podemos dizer o mesmo de nós, brasileiros, sem o charme dos que vivem (viveram) na Cidade-Luz):

Artificiels et agités” ; il a raison, c´est bien ansi que nous sommes. Les rues sont trop pleines, les visages trop affairés. Au soir, le boulevard fourmillant et lumineux, les théatres étincelants et malsains, partouts le luxe, le plaisir et l´esprit outrés aboutissent à la sensation excessive et apprêtée. La machine nerveuse est à la fois surmenée et insatiable. (…)

++++
Post-Post, em 30.01.13. Na sequência do texto, vem uma citação aos estrangeiros ricos (les étrangers riches) – un Brésilien, un Moldave, un Américain qui ont fait fortune ou qui s’ennuient de vivre parmi leurs esclaves ou leurs paysans, viennent à Paris pour jouir de la vie. (…)
Depois, Taine cita os franceses endinheirados e continua com a descrição do “mal” et du bien que agitava a Cidade-Luz, à época, para concluir: “je me sui dit le mal tout bas; à présent disons le bien tout haut”. Imagine se o crítico do séc. XIX ressuscitasse em pleno XXIème? O que não diria hoje dos hábitos e das artes e costumes da Paris dos dias de hoje…

Edmond Jabès (3.1)

Mais uma citação do “Livro das Perguntas”, do qual ainda não encontrei tradução em português e nem ouso fazê-la. Que os amigos francófonos aproveitem e, espero, gostem tanto quanto eu gostei:

“Yukel, tu as toujours été mal dans ta peau, tu n’as jamais été là, mais ailleurs; avant toi ou après toi, comme l’hiver au regard de l’automne, comme l’été au regard du printemps; dans le passé ou dans l’avenir comme les syllabes dont le passage de la nuit au jour est si fulgurant qu’il se confond avec le mouvement de la plume.
“Le présent, pour toi, est ce passage trop rapide pour être saisi. Ce qui reste du passage de la plume, c’est le mot avec ses branches et ses feuilles vertes ou déjà mortes, le mot projeté dans le futur pour le traduire.
“Tu lis l’avenir, tu donnes à lire l’avenir et hier tu n’étais pas et demain tu n’es plus.
“Et pourtant, tu as essayé de t’incruster dans le présent, d’être ce moment unique où la plume dispose du mot qui va survivre.
“Tu as essayé.
“Tu ne peux pas dire ce que veulent tes pas, où ils te mènent. On ne sait jamais très bien où commence l’aventure et où elle finit; et, pourtant, elle commence en un certain lieu et finit quelque part plus loin, à un endroit précis;
” à une certaine heure, un certain jour.
” Yukel, tu as traversé le songe et le temps. Pour ceux qui te voient – mais ils ne te voient pas; je te vois – tu es une forme qui se déplace dans le brouillard.
“Qui étais-tu, Yukel ?
“Qui es-tu, Yukel ?
” ‘Tu’, c’est quelquefois “Je”.
” Je dis ‘Je’ et je ne suis pas ‘Je’. ‘Je’ c’est toi et tu vas mourir. Tu es vidé.
” Désormais, je serai seul.” (…) .

+++++
Fonte:  JABÈS, Edmond. “Le Livre des Questions (1)”. Paris, Gallimard, 1964, p.37-38.
Alguns amigos não-francófonos reclamaram não entender nada. Já os adverti que saber Francês não os faz ganhar mais dinheiro, senão que um pouco de alegria com a Literatura. E como a França se transformou num país dominado por ‘bárbaros’, em que a tradição católica abdicou de dirigir o país, eu pouco volto lá e pouco tomo seus vinhos (é minha forma de punir os cristãos que abdicaram de seu próprio país e praticaram a ‘Oikophobia’ – Scruton 2011), enfim. Tento abaixo traduzir livremente e sem academicismo o que diz o texto acima:

“Yukel, tu te sentes mal em tua própria pele.
É como se nunca te sentisses onde estás, mas alhures. Antes de ti mesma ou depois.
Como se fosses o inverno à espera do outono. Ou o Verão à espera da primavera. Vives no passado ou no futuro, como tu fosses sílabas na passagem da noite ao dia, tão fulgurantes como se confundissem com o movimento da pena no papel.
O presente para ti, Yukel, é passagem tão rápida que não pode ser entendida. Como se fosse o que resta da pena, é a palavra e seus galhos e folhas verdes ou, quem sabe, folhas mortas: a palavra projetada no futuro a ser traduzida.
Tu lês o futuro, Yukel, tu ofereces pra ler o futuro; ontem tu não eras nada e amanhã não será mais.
No entanto, tu tentas te inserir no presente, e ser parte deste momento único onde a pena dispõe da palavra que vai sobrevir.
Tu tentastes, Yukel.
Tu não podes dizer o que queres, onde eles desejam. Não se sabe nunca bem onde começa a aventura e onde ela termina.
No entanto, sabe-se que ela começa num lugar e termina sabe-se Deus aonde, mais um lugar exato…
…numa hora exata e num dia certo.
Yukel, atravestastes o sonho e o tempo.
Para aqueles que te veem – mas é certo que não te veem de fato – tu és uma forma que se desloca na neblina.
Quem fostes tu, Yukel ?
Quem és tu, Yukel ?
Tu, de vez em quando, sou Eu.
Eu digo “Eu” e não sou eu mesmo.
Eu sou o que vai morrer. E tu estás sem nada dentro de Ti. Tu estás Vazia.
Doravante, eu ficarei sozinho. (…)

Edmond Jabès (3.1)

Mais uma citação do “Livro das Perguntas”, do qual ainda não encontrei tradução em português e nem ouso fazê-la. Que os amigos francófonos aproveitem e, espero, gostem tanto quanto eu gostei:

“Yukel, tu as toujours été mal dans ta peau, tu n’as jamais été là, mais ailleurs; avant toi ou après toi, comme l’hiver au regard de l’automne, comme l’été au regard du printemps; dans le passé ou dans l’avenir comme les syllabes dont le passage de la nuit au jour est si fulgurant qu’il se confond avec le mouvement de la plume.
“Le présent, pour toi, est ce passage trop rapide pour être saisi. Ce qui reste du passage de la plume, c’est le mot avec ses branches et ses feuilles vertes ou déjà mortes, le mot projeté dans le futur pour le traduire.
“Tu lis l’avenir, tu donnes à lire l’avenir et hier tu n’étais pas et demain tu n’es plus.
“Et pourtant, tu as essayé de t’incruster dans le présent, d’être ce moment unique où la plume dispose du mot qui va survivre.
“Tu as essayé.
“Tu ne peux pas dire ce que veulent tes pas, où ils te mènent. On ne sait jamais très bien où commence l’aventure et où elle finit; et, pourtant, elle commence en un certain lieu et finit quelque part plus loin, à un endroit précis;
” à une certaine heure, un certain jour.
” Yukel, tu as traversé le songe et le temps. Pour ceux qui te voient – mais ils ne te voient pas; je te vois – tu es une forme qui se déplace dans le brouillard.
“Qui étais-tu, Yukel ?
“Qui es-tu, Yukel ?
” ‘Tu’, c’est quelquefois “Je”.
” Je dis ‘Je’ et je ne suis pas ‘Je’. ‘Je’ c’est toi et tu vas mourir. Tu es vidé.
” Désormais, je serai seul.” (…) .

+++++
Fonte:  JABÈS, Edmond. “Le Livre des Questions (1)”. Paris, Gallimard, 1964, p.37-38.
Alguns amigos não-francófonos reclamaram não entender nada. Já os adverti que saber Francês não os faz ganhar mais dinheiro, senão que um pouco de alegria com a Literatura. E como a França se transformou num país dominado por ‘bárbaros’, em que a tradição católica abdicou de dirigir o país, eu pouco volto lá e pouco tomo seus vinhos (é minha forma de punir os cristãos que abdicaram de seu próprio país e praticaram a ‘Oikophobia’ – Scruton 2011), enfim. Tento abaixo traduzir livremente e sem academicismo o que diz o texto acima:

“Yukel, tu te sentes mal em tua própria pele.
É como se nunca te sentisses onde estás, mas alhures. Antes de ti mesma ou depois.
Como se fosses o inverno à espera do outono. Ou o Verão à espera da primavera. Vives no passado ou no futuro, como tu fosses sílabas na passagem da noite ao dia, tão fulgurantes como se confundissem com o movimento da pena no papel.
O presente para ti, Yukel, é passagem tão rápida que não pode ser entendida. Como se fosse o que resta da pena, é a palavra e seus galhos e folhas verdes ou, quem sabe, folhas mortas: a palavra projetada no futuro a ser traduzida.
Tu lês o futuro, Yukel, tu ofereces pra ler o futuro; ontem tu não eras nada e amanhã não será mais.
No entanto, tu tentas te inserir no presente, e ser parte deste momento único onde a pena dispõe da palavra que vai sobrevir.
Tu tentastes, Yukel.
Tu não podes dizer o que queres, onde eles desejam. Não se sabe nunca bem onde começa a aventura e onde ela termina.
No entanto, sabe-se que ela começa num lugar e termina sabe-se Deus aonde, mais um lugar exato…
…numa hora exata e num dia certo.
Yukel, atravestastes o sonho e o tempo.
Para aqueles que te veem – mas é certo que não te veem de fato – tu és uma forma que se desloca na neblina.
Quem fostes tu, Yukel ?
Quem és tu, Yukel ?
Tu, de vez em quando, sou Eu.
Eu digo “Eu” e não sou eu mesmo.
Eu sou o que vai morrer. E tu estás sem nada dentro de Ti. Tu estás Vazia.
Doravante, eu ficarei sozinho. (…)

Bonjour, Tristesse…

Brincando com títulos de romances de Françoise Sagan, Alain Souchon consegue nessa ´colagem` musical (de títulos de livros de Françoise e seus próprios comentários poéticos) fazer uma boa homenagem à escritora, no mesmo tom melancólico de quase tudo que ele compõe.

Dans ses romans, dans ses nouvelles,
Cette dame-demoiselle mêle
De jolies mélancolies frêles

Acho mesmo que é a melancolia que os une… estou quase certo disso, se eu próprio não estivesse atraído por esse estado de espírito. E por isso mesmo me uno a Alain nesse verso:

“Et je chante ma ritournelle
A la gloire d’elle
…”

Aproveitem a canção.
Boa Semana!

Post-Post: No próximo post, prometo um poeminha de Emily (que não postei no sábado, como de costume, porque estava de pernas pro ar… porque ninguém é de ferro!).

Le Clézio, há 20 anos atrás…

Na Aliança Francesa de Goiânia, há 20 anos atrás o incentivo à leitura e ao debate de bons escritores franceses era animado pelo nosso melhor diretor Pedagógico na história de nossa Alliance local – Monsieur Serge Evreinhoff.
Embora Le Clézio não tenha feito parte do curriculum oficial, foi motivado pelo diretor (e amigo) – a quem ajudei como conselheiro da AF -, bem como pelo “professor-Leitor” da UFG, Monsieur Souchon que cheguei a adquirir esses dois livrinhos da foto e muitos outros em minhas primeiras viagens à França.
Le Procès-Verbal et Le chercheur d’or (este último mal traduzido para A busca do ouro) passaram a fazer parte de minha biblioteca e de minhas fracas memórias de leitor (nem tão atento) desde 1988.
Agora que o romancista francês arrebatou o prêmio Nobel, faço essa releitura despretensiosa e como tudo nesse blog, vou na contra-corrente dos acontecimentos e sim enfatizando minhas escolhas. (E aqui cabe uma confissão: como não sou ‘ligado’ na poética de enredo, confesso a meus 3 leitores que não me lembrava de nada… Mas como 88 ainda era tempo em que eu sublinhava trechos, só me ocorria durante a releitura, pensar: meu Deus, por que sublinhei isso? Mais admirei Carpeaux ao final da releitura!)
De “Le Procès-Verbal” posso dizer que é, guardada as enormes diferenças de enredo, o filho de uma incompreensão enorme do leitor assim como anos depois tive com “La Joie” de Georges Bernanos. São esses romances do tipo que, diante dos quais o leitor comum se sente, ao final da leitura, pensando em como juntar os pedaços como num puzzle para compreender a exata mensagem do romancista comunicador ou, até mesmo, se há uma mensagem real desse ‘comunicador’.

No caso de Le Clézio esse livro vem mesmo com a mensagem antecipada do então jovem autor (23 anos na época) de que realmente queria mesmo “derrubar as muralhas da indiferença do público“, acreditando que “escrever e comunicar é ser capaz de fazer alguém crer em não importa que assunto“. Le Clézio escolhe como primeiro passo um aliado diferente – o personagem Adam Pollo, personificação do primeiro Adão que no resumo do próprio Le Clézio: “a história de um homem que não sabia ao certo se saíra do exército ou de um asilo psiquiátrico”. E assim começa a história dessa confusa jornada:

« Il y avait une petite fois, pendant la canicule, um type qui était assis devant une fenêtre ouverte ; c’était un garçon démesuré, un peu voûté, et il s’appelait Adam ; Adam Pollo. Il avait l’air d’un mendiant, à rechercher partout les taches de soleil, à se tenir assis pendant des heures, bougeant à peine, dans les coins de murs. »

Podemos afirmar que as citadas “muralhas da indiferença” não esperaram tanto a cair, permitindo o acesso de J.G-M Le Clézio ao respeitável (e respeitado) universo romanesco francês. Desde o primeiro romance foi bem aceito pela crítica (recebe o Prix Renaudot em 1963, pelo seu primeiro romance; em 1980, o Grand prix Paul-Morand de l’Académie Française, por “Le Desert”) e continua escrevendo (e sendo lido em todos o mundo) com regularidade há 40 anos.

O problema de “Le ProcèsVerbal” é o da compreensão desse discurso romanesco, enredado em artimanhas e recursos de composição (próximos do Nouveau Roman), tarefa que Ricard Ripoll Villanueva (em colóquio na Universidad de Valencia, coordenado por Elena Real e Dolores Jiménez) designou como compreender as “estratégias do enigma”.

O próprio autor já havia alertado no prefácio que estava à cata da “fiction totale”, um gênero próximo do amante da literatura policial que ele gostaria de intitular “Roman-Jeu” ou “Roman-Puzzle”. O fato é que no meio dessa teorização toda parece meio pretensioso que um autor de 23 anos invente algo novo no mundo sofisticado do romance francês com o peso dos Balzac e dos Stendhal, mas ele o faz mesmo assim, pedindo desculpa: “Je m´excuse d´avoir accumulé ainsi quelques théories; c’est une prétension um peu trop à la mode de nos jours”.


E para entender o problema deste inquérito conduzido em torno de Adam Pollo – personagem e falso narrador (numa obra em que a alternância do próprio autor e do personagem geram discursos dúbios que confundem narrador-leitor-narração-autor). E ao fim e ao cabo da leitura dão-nos a sensação de que Villanueva está certo quando afirma:

« écrire l´énigme c´est, avant tout, rechercher la confusion; c´est aussi provoquer un décryptage qui va s´étendre peu à peu à toute la géographie du texte. Tou devient signe. L´énigme renvoie au jeu, à un jeu qui place l´Homme face à son destin. »


É preciso dizer que a confusão começa pelo fato de o jovem estreante no romance ter optado por não numerar os capítulos de seu romance de estréia, atribuindo letras a cada capítulo. Há 18 capítulos – de A a P, depois um ´capítulo vazio` (Q) e no final o capítulo R. O cap. Q conta como vazio/presente, na acepção de Villanueva que completa: “se aceitamos a possibilidade, constataremos que há 9 letras não expressas – STUVWXYZ e o Q. O capítulo ausente (Q) evoca, segundo o crítico, o número 9. Olhando para um quadro de correspondência de letras e números, pode-se concluir que a letra Q corresponde ao número 8 (17a. letra do alfabeto: 1+7=8)”.

Ora, conclui: “o que o livro quer nos dizer é que o 8 representa a Morte“.

On lui avait coupé les cheveux et rasé la barbe, et sa tête à noveau très jeune, était tournée vers le rectangle monochrome de la fenêtre: Adam avait déjà trouvé le moyen de choisir un des compartiments formé par l’interesection des barreaux; para mauvais goût, ou par hasard, il avait choisi le hitième à partir de la gauche. En tout cas, que le choix fût délibéré ou non, Adam savait bien que, d’aprés Manilius, la Huitième Maison du Ciel est celle de la Mort.” (p.256).

A referência bíblica é constante no fim do romance, como acentua Villanueva. Adam Pollo, ele próprio, se descreve diante do interrogatório final – típico de um inquérito do título do romance) como:

Je suis comme ce type de la Bible, vous savez, Giézi, le serviteur d´Elisée : on avait dit à Naaman de se baigner sept fois dans le Jourdain, ou quelque chose comme ça. Pour se guérir de la lèpre. Une fois guéri, il avait envoyée um présent à Élisée mais Giézi avait tout gardé pour lui. Alors, pour le punir, Dieu lui avait donné lèpre de Naaman. Vous compronez? Giézi, c’est moi. J’ai attapré la lépre de Naaman.” (p.292).

O prenome do personagem (Adão) nos remete ao texto sagrado e o personagem central se refere aos santos da Igreja e ao misticismo (referências explícitas a Santo Antonio e o Cura D’Ars, a a Occam) – o que, segundo a análise de Villanueva, não é gratuito pois, se julgarmos pelos números da geração, de Adão a Noé contam-se 9 gerações; de Noé a Abraão, outras nove. Adão teve 3 filhos: Caim, Abel e Seth. Noé, por sua vez, outros 3: Sem, Cam e Jafet. Todos esses homens representam o desenvolvimento da consciência humana, que, segundo a Bíblia, se dá em 18 ciclos (há também 18 capítulos em Le Procès-Verbal!).

O fato é que a confusão mental desse novo Adão que não demonstra crença em Deus, que se isola da família e do convívio social, se contentando com um apelo à sexualidade como fuga (sua ligação com a personagem feminina Michèle, usada, agredida, presente apesar de tudo em boa parte da vida de Adam e, depois, ausente, só retornando na ‘colagem de jornais’ entre os capítulos P e R…) mostra-nos um mundo de confusão mental e de abandono dos que não têm esperança. De outra natureza é o difícil entendimento do romance do romance (católico?) de outro francês (G. Bernanos), La Joie, que pretendo investigar em outro post.
+++++
Fonte: Le Clézio, J.M.G. “Le Procés-Verbal“, Paris, Gallimard, 1963.

Un petit coin de parapluie

Abaixo, a trilha sonora ideal para essas manhãs chuvosas, em que nos sentimos mais sós do que nunca, úmidos até os ossos, a caminho do dentista.
Brassens na voz do pianista suíço François Ingold
Para acompanhar a música, abaixo transcrevo “les paroles“, observando que se tivesse o próprio Brassens, seria dar-lhes a versão perfeita…

Le parapluie

Georges Brassens

Il pleuvait fort sur la grand’route
Elle cheminait sans parapluie
J’en avais un, volé sans doute
Le matin même à un ami
Courant alors à sa rescousse
Je lui propose un peu d’abri
En séchant l’eau de sa frimousse
D’un air très doux elle m’a dit oui.

Un p’tit coin d’parapluie
Contre un coin d’paradis
Elle avait quelque chose d’un ange
Un p’tit coin d’paradis
Contre un coin d’parapluie
Je n’perdais pas au change
Pardi.

Chemin faisant, que ce fut tendre
D’ouïr à deux le chant joli
Que l’eau du ciel faisait entendre
Sur le toit de mon parapluie
J’aurais voulu, comme au déluge
Voir sans arrêt tomber la pluie
Pour la garder sous mon refuge
Quarante jours, quarante nuits.

Mais bêtement, même en orage
Les routes vont vers des pays
Bientôt le sien fit un barrage
A l’horizon de ma folie
Il a fallu qu’elle me quitte
Après m’avoir dit grand merci
Et je l’ai vue toute petite
Partir gaiement vers mon oubli