Drafts de poemas (xii)

Chuva feito enxame de abelhas

 – à memória de yêda schmaltz,

I

chuva feito     enxame
de abelhas           que  sobrevoam      –    e querem enxotar –
tomba  em tons e        sobretons, como se sob
o zinco houvessem.

sobre o teto de minha casa  no cerrado esta savana amada  chove  poesia sobre o teto da casa onde a poeta yêda                                                   schmaltz
ante-
vi(u)veu.

eu nem te vi; quem te vê, poeta amiga, sumida nos tempos de antanho; tanta abelha, tanto zumbido tanto som de mato tanto som de rio de riacho.

le douve como o joão leite

                                   rio, riacho       clara     sanga…

la douce                           

la douceur

du sexe, du feu.

II

sons de minha terra e da tua terra e era céu o que via ouvia quando era pequeno e o teto desabava e eu nem era Asterix                                                  nem era nada

do que eu sou agora  –

um nada diante de ti e de tua memória se fosses viva eu te daria um beijo na boca um beijo como só klimt dera em teu poema eu daria uma casa e uma kombi cheia de poesia só para que tu visses ouvisses vivesses o que vivo agora – Withman o que dissera que um menino leria o poema dele (him) –
séculos depois.

Eis-nos: não o dera nada de bandeja para que o menino o lesse – eu o li e tu?
eu o ouvi e a Ti;
(tudo confesso)
fumando um cigarro de folha de chuchu ou diamba – sim, eu ouvi quando a chuva de prata pousou em tua casa do bairro Feliz.

eu vi eu ouvi quando o mato passara pelo couro de gibão do teu avô do meu avô eu prometo que é a mesma coisa do que eu juro eu não esconjuro ninguém                                                       que ouve vozes, como tu, você e eu o fizéramos, mas já nos curamos somos todos uns sem ouvidos – oiças duras somos – uns moucos
uns loucos que não ouvimos mais nada…

 
III

gerardo mourão e hermilo, o borba; e yves bonnefoy, de boa fé ouviam vozes e bruno também – eles ouviam coisas tão claras, tão distintas do sussurro que ouço  sem estrutura que resista.

como em joaquim cardozo, o moço nordestino, nas minas gerais que viu ruir toda a sua (dele, him) estrutura mental

– como quando vozes nenhuma ouvia mais

aquele pobre padre –
o que descreu e não conseguia mais celebrar a Eucaristia!

como quando aquele menino lá do abrigo
teve leucemia como aquele que um dia fez um furo no muro do hospício –

e por ali eu ouvi; ele me ouvia – outros também – o José Décio ouvia,                           José J.Veiga [eu desconfio que também ] –

porque não é possível a ninguém criar nada nesse mundo de meu Deus
se não ouvir vozes,
se não ouvir a chuva como Benedetti a ouvia em menino, se não ouvir o doce  frio friozinho friozão; bão-bá-lá-lão –
de um poeta na contramão…

se não, se não …

poesia pé de poesia poesia pela poesia feito sobrinho e sua tia
poesia sobre si sobre Ti

a mesma mentirosa só:
fingida e fugidia…

IV

pode outra coisa a não ser o poeta fazer assim chover?

– pode essa chuva de poesia no meio da madrugada

acordar a gente dizendo

que está chovendo poesia em nossa horta

– quando hei de me lembrar e quem há de?

fazer ouvido mouco para tanta doidera de ouvir vozes

bastardas vespas zumbindo em nossa cabeça quando a tempestade assume o comando e já não se é ninguém

só a memória de abelhas                                      européias

e de sonetos que o florentino –
(não o meu tio Flô!) escrevia
com giz nas paredes antes de (se) jogar
pela janela do paraíso.

Ω
[Goiânia, Abril de 2016]

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