Chuva feito enxame de abelhas
– à memória de yêda schmaltz,
I
chuva feito enxame
de abelhas que sobrevoam – e querem enxotar –
tomba em tons e sobretons, como se sob
o zinco houvessem.
sobre o teto de minha casa no cerrado esta savana amada chove poesia sobre o teto da casa onde a poeta yêda schmaltz
ante-
vi(u)veu.
eu nem te vi; quem te vê, poeta amiga, sumida nos tempos de antanho; tanta abelha, tanto zumbido tanto som de mato tanto som de rio de riacho.
le douve como o joão leite
rio, riacho clara sanga…
la douce
la douceur
du sexe, du feu.
II
sons de minha terra e da tua terra e era céu o que via ouvia quando era pequeno e o teto desabava e eu nem era Asterix nem era nada
do que eu sou agora –
um nada diante de ti e de tua memória se fosses viva eu te daria um beijo na boca um beijo como só klimt dera em teu poema eu daria uma casa e uma kombi cheia de poesia só para que tu visses ouvisses vivesses o que vivo agora – Withman o que dissera que um menino leria o poema dele (him) –
séculos depois.
Eis-nos: não o dera nada de bandeja para que o menino o lesse – eu o li e tu?
eu o ouvi e a Ti;
(tudo confesso)
fumando um cigarro de folha de chuchu ou diamba – sim, eu ouvi quando a chuva de prata pousou em tua casa do bairro Feliz.
eu vi eu ouvi quando o mato passara pelo couro de gibão do teu avô do meu avô eu prometo que é a mesma coisa do que eu juro eu não esconjuro ninguém que ouve vozes, como tu, você e eu o fizéramos, mas já nos curamos somos todos uns sem ouvidos – oiças duras somos – uns moucos
uns loucos que não ouvimos mais nada…
III
gerardo mourão e hermilo, o borba; e yves bonnefoy, de boa fé ouviam vozes e bruno também – eles ouviam coisas tão claras, tão distintas do sussurro que ouço sem estrutura que resista.
como em joaquim cardozo, o moço nordestino, nas minas gerais que viu ruir toda a sua (dele, him) estrutura mental
– como quando vozes nenhuma ouvia mais
aquele pobre padre –
o que descreu e não conseguia mais celebrar a Eucaristia!
como quando aquele menino lá do abrigo
teve leucemia como aquele que um dia fez um furo no muro do hospício –
e por ali eu ouvi; ele me ouvia – outros também – o José Décio ouvia, José J.Veiga [eu desconfio que também ] –
porque não é possível a ninguém criar nada nesse mundo de meu Deus
se não ouvir vozes,
se não ouvir a chuva como Benedetti a ouvia em menino, se não ouvir o doce frio friozinho friozão; bão-bá-lá-lão –
de um poeta na contramão…
se não, se não …
poesia pé de poesia poesia pela poesia feito sobrinho e sua tia
poesia sobre si sobre Ti
a mesma mentirosa só:
fingida e fugidia…
IV
pode outra coisa a não ser o poeta fazer assim chover?
– pode essa chuva de poesia no meio da madrugada
acordar a gente dizendo
que está chovendo poesia em nossa horta
– quando hei de me lembrar e quem há de?
fazer ouvido mouco para tanta doidera de ouvir vozes
bastardas vespas zumbindo em nossa cabeça quando a tempestade assume o comando e já não se é ninguém
só a memória de abelhas européias
e de sonetos que o florentino –
(não o meu tio Flô!) escrevia
com giz nas paredes antes de (se) jogar
pela janela do paraíso.
Ω
[Goiânia, Abril de 2016]