Com a palavra, Julián Marías:
Uma investigação adequada da felicidade exige que se leve em conta o que se pode denominar, com alguma impropriedade, felicidade coletiva, talvez dizendo melhor “ambiente”: a que afeta a uma sociedade ou a um grupo social, aquela que cada indivíduo encontra a seu redor e reflui sobre a sua própria, favorecendo-a ou atenuando-a, estorvando-a por acaso. Como se pode investigar? Sociólogos e psicólogos responderiam provavelmente com estatísticas. Mas não é suficiente, porque são sempre abstratas, se fazem com perguntas que condicionam as respostas, porque se movem em uma dimensão determinada, em um ‘leito’ pelo qual correrá aquilo que se disser ao responder. Isto, sem levar em conta o fato de que a maior parte das pessoas respondem com temor, ou com insinceridade – o que acreditam ‘devem responder’, ou o contrário se é demasiado impertinente -, ou simplesmente a primeira coisa que lhes ocorrer.
Haveria outras maneiras de conhecer a felicidade coletiva, métodos visuais por exemplo, como o aspecto das ruas. Poucas coisas são mais reveladoras. Sem sair da Espanha, há grande diferença entre as ruas de diversas ciades, de umas regiões a outras, e inclusive entre os bairros das cidades grandes como Madri ou Barcelona. Comparando-se uma rua argentina com uma rua sueca ou francesa, brasileira, suíça, hindu, ou uma rua de New York com uma de Los Angeles, as diferenças são enormes.
De espontaneidade, de presença mútua das pessoas, de comunicação, do que poderíamos chamar de alegria ambiente… se impregna o indivíduo. Quero dizer que uma pessoa que está triste, se a rua é alegre acaba por alegrar-se um pouco, e se uma pessoa alegre anda por ruas tétricas, sujas, mortas, ou simplesmente enfadonhas, sente que sua alegria vai pouco a pouco se apagando.
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E há fatores que podem dominar uma forma de vida coletiva, como a ambição, a vaidade ou o medo. Não se esqueça que há países em que o medo é a forma habitual de viver, nos quais o indivíduo permanentemente tem medo. De quê? A melhor resposta seria: de tudo, embora esse medo geral se articule e se diversifique em formas distintas; há países, pelo contrário, em que os indivíduos não têm nenhum medo envolvente e, salvo exceções, vivem com espontaneidade.
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Um homem tão sutil como Stendhal, ainda que fosse inteiramente francês, não tinha um entusiasmo excessivo por seu país e preferia o tom de vida da Espanha ou, sobretudo, da Itália, com a qual se sentia identificado (por isso queria ser enterrado na Itália e que sobre o seu túmulo se pusesse: Arrigo Beyle, Milanese); a França lhe parecia dominada pela ambição e pela vaidade; na Espanha e na Itália encontrava, pelo contrário, paixão, e isto a seu juízo permitia outras possibilidades, especialmente felicitárias.
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Não percamos de vista… a felicidade é assunto pessoal, é feliz ou não cada pessoa. A sociedade propriamente dita não pode ser feliz, nem sequer proporciona felicidade. É o alvéolo da felicidade, por onde esta transcorre, e que a faz mais ou menos provável. (…) Nada coletivo me pode fazer feliz; mas pode me fazer infeliz? É evidente que sim. Pode destruir a vida privada, a vida pessoal, e por isso aqueles regimes que nos prometem a felicidade são enganadores, e não o seriam os que poderiam prometer a infelicidade.
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Fonte: Marías, Julián. “A Felicidade Humana“, Trad. Diva Ribeiro de T. Piza. S. Paulo, Duas Cidades, 1989. Pág. 62/67.