Com licença poética ******Adélia Prado Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. ++++ Fonte: Bagagem. São Paulo: Siciliano. 1993. p. 11.
ESTE ANO como há muitos outros...
Eis a lista, que de resto serve a muito pouco. 2 ou 3 comentários e lixo!
O que importa é que se algum moço ou moça pelo Brasil afora tomar essa lista e procurar ler um livro por mês no ano que se segue, o blogueiro terá cumprido sua missão.
Separei este ano apenas 12 livros – nem todos dados como lidos, concluídos – pois que alguns são livros de consulta e de estudo.
A tônica de 2015 foi mesmo a de que estivemos diante de um bom ano para os conservadores. Muitos bons livros que não constam da lista – pela rigidez que me impus do número 12 atestariam essa afirmação. O catálogo de editoras como a É Realizações, Resistência Cultural e outras “alternativas” – como Concreta; o vigor de uma revista como “Nabuco” e um certo destemor na expressão de setores do pensamento nacional que pareciam sufocados pela política editorial-educacional do governo no poder são outras evidências objetivas disto.
Livros novos ou antigos – o conservador ganhou espaço nas estantes das livrarias e editoras.
2015 – deve (e para mim foi) lembrado como o ano do Cinquentenário do livro 1 da lista – “Sonetos”, de Augusto Frederico Schmidt e da morte do autor. Este blog tem uma boa memória sobre o assunto, pois com Caminhos Livraria e Editora produzimos um livreto sobre a efeméride. O livro 2 – é “Esquecidos & Superestimados” de Rodrigo Gurgel, o professor que realizou o prodígio de nos fazer voltar a ler boa crítica literária em português do Brasil – no dizer de Bruno Garschagen, agradecimento feito na “orelha” do livro e que endosso, quando mais não fosse pelos ensaios sobre Euclides da Cunha e Coelho Neto. 3 – A Beleza Salvará o Mundo (Gregory Wolfe) – um estilo próprio para dizer o que precisamos em meio ao ruído ideológico das guerrilhas, elevando o debate e marcando estilo próprio. Não, não é um pastiche de Bloom como este não o foi de Mortimer Adler…Escritor, professor e editor, Wolfe é um dos pioneiros do ressurgimento do interesse na relação arte e religião. 4 – A Poeira da Glória – Um Martin Vasques da Cunha para ser estudado. Livro de referência. Como anda na contra-mão da crítica tupiniquim, há de desagradar a muitos. O curriculum do autor e a qualidade do texto devem enriquecer meu 2016. 5 – Bruno Garschagen – fez-me sedimentar uma intuição. O que eu já imaginava – que “governo nos olhos dos outros é refresco” – se confirma; foi por isso que acompanhei com prazer a leitura de “Pare de Acreditar no Governo”. 6 – JÚLIO MESQUITA e seu tempo – de Jorge Caldeira, vol. 1 – o Jornal de prelo locomotores e República; seguido de outros 3 volumes. Do primeiro posso dizer que há sim interesse por um catatau sobre a história do criador de O Estado de São Paulo, porque o que se conhece não é apenas o jornal (do qual sou leitor e assinante) mas o país do período retratado e este assino deste pequenininho – como nacionalista não eufórico. 7 – G.K. Chesterton – “Contos de fadas e Outros Escritos” – outro exemplo de retomada da obra de um conservador na mão de uma editora alternativa, publicação via crowdfunding – sem dinheiro de governos e bancado pelos leitores, como este blogueiro. 8 – Javier Marías – “Assim começa o mal” – Uma ficção de valor que é para a vida se movimentar em pura imaginação. Neste caso pecaminosa e soberbamente bem escrita. O desejo é o pano de fundo da história, tal como “é um dos motores mais poderosos da vida”. Uma outra Beatriz que não move o poeta mas um ficcionista de valor – um dos que dominam plenamente sua arte.
9 – O diário sentimental de uma viagem ao Chile será sempre lembrado pelos bons livros que de lá trouxe. Em minha viagem, relatada aqui e no jornal Opção, cito este e outros livros. O Antologista Erwin Díaz nos prova com “Poesia chilena de hoy” que o pequeno país costeiro tem, além de dois prêmios Nobel, uma rica poesia, além e apesar do icônico Pablo Neruda.
10 – Dona Adélia – Poesia Reunida. A paixão do verso e a postura civica me fazem amar esta cidadã. “Lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo” – tenho que concordar em como Drummond colocou-a em verso definida. 11 – “A vida intelectual” – Há muitos anos recebi um arquivo pdf com este texto que agora a É Realizações traz a lume. O padre e educador A.D.Sertillanges é para ser lido, relido, estudado e tido à cabeceira. Evoé, editores, por este “livro dedicado a todos aqueles que desejam uma vida pleana…” Eu me senti incluído e feliz com a edição. 12 – Olavo de Carvalho – “A dialética simbólica”. Sim, não se assuste amigo de formação e prática política. É muito bom esse livro, apesar de ser uma seleta de artigos, anotações de aulas e que ficariam dispersos não fosse o esforço do pensador e do editor de reuni-los em livro “de grossa lombada”. Mesmo que considerados “escritos menores” esses textos trazem a marca de “um dos mais originais e audaciosos pensadores do Brasil”. Eu sou muito grato ao professor Olavo por ter acompanhado seu (dele) COF – não a tosse! – mas o Curso Online de Filosofia e com ele aprendi muito. Se você conseguir passar por sobre a camada de verniz que o nome recebeu – como os móveis antigos de bom Carvalho devem receber – perder o preconceito, há de descobrir um pensador original e um provocador que nada tem de sisudo mas que pode e deve ser levado a sério para pensarmos o país.
De resto, Boas Leituras a você e um 2016 de reencontro com a Essência.
Abraço fraterno
Poesia Falada também é Poesia…É o declamador que vai acordar os poemas prisioneiros das páginas dos livros antigos (e nem tanto…).
Capa de “Filandras”, livro de 43 narrativas de Adélia Prado
Por Adélia Prado, poetisa e cronista mineira.
Minha alma debate-se, tentada à tristeza e seus requintes. Meu pai morto não vai repetir este ano: “Nada como um frango com arroz depois da missa“. Minha irmã chora porque seu marido é amarradinho com dinheiro e ela queria muito comprar uns festões, uns presentinhos mais regalados, ô vida, e ele acha tudo bobagem e só quer saber de encher a geladeira com mortadela e cerveja.
Talvez, por isto, ou porque me achei velha demais no espelho da loja, sinto dificuldades em ajudar Corália. Queria muito chorar, deveras estou chorando, às vésperas do nascimento do Senhor, eu que estremeço recém-nascidos.
Estou achando o mundo triste, querendo pai e mãe, eu também. Corália disse: você é tão criativa! E sou mesmo, poderia inventar agora um sofrimento tão insuportável que murcharia tudo à minha volta. Mas não quero. E ainda que quisesse, por destino, não posso.
Este musgo entre as pedras não consente, é muito verde. E esta areia. São bonitos demais! À meia-noite o Menino vem, à meia-noite em ponto. Forro o cocho de palha. Ele vem, as coisas sabem, pois estão pulsando, os carneiros de gesso, a estrela de purpurina, a lagoa feita de espelhos.
Vou fazer as guirlandas para Corália enfeitar sua loja. A radiação da “luz que não fere os olhos” abre caminho entre escombros, avança imperceptível e os brutos, até os brutos, banhados. Desfoco um pouco o olhar e lá está o halo, a expectante claridade, em Corália, em Joana com seu marido e em mim, também em mim que escolho beber o vinho da alegria, porque deste lugar, onde “o leão come a palha com o boi“, esta certeza me toma: “um menino pequeno nos conduzirá”.
Foto de culturamix.com
+++++
Fonte: PRADO, Adélia.
“Filandras”, Editora Record –
Rio de Janeiro, 2001, pág. 111.
ADÉLIA nos alerta que estamos vivendo “um tempo cinzento… em que o Mal está em toda parte, por todo canto dos poderes do Brasil e isso gera um país triste…
“Nós estamos vivendo um momento muito esquisito, um momento muito triste. É uma ditadura disfarçada. Não me sinto em um país democrático. (…) Na ditadura (militar) nós estávamos mais vivos do que estamos agora.”
“Eu não me sinto vivendo numa democracia” (Adélia Prado). “Ai, a ausência de Qualidade do nosso Parlamento…”
Sobre a omissão dos intelectuais, ditos de esquerda: “Os intelectuais estão ausentes… os ditos artistas, intelectuais de esquerda…essas pessoas se calaram”. ”Os que faziam o panegírico do PT, não tiveram a humildade de dizer: ERRAMOS!” O País está naquele estágio em que Jean Braudillard chamava de “transparência do Mal”… Ele, o Mal, está por toda a parte, em todos os poderes da República, na vida do país.
Vivemos num país que é como “comida envenenada”. “Isso tudo me dá uma ‘aflição danada’…”
Será que só a Poetisa sente isso?
A banalidade do Mal tirou da República sua face alegre… Talvez por isso mesmo as bandeiras verde-amarelas não tremulam a 25 dias da Copa do Mundo.
A honestidade intelectual e a coragem desta poetisa mineira já vem de longe, no livro de estréia:
“Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.”
(Com Licença Poética, Adélia Prado)
Um desabafo tão lúcido assim tem a ver com um tema histórico, recorrente na história da humanidade: a banalidade do Mal.
ADÉLIA nos alerta que estamos vivendo “um tempo cinzento… em que o Mal está em toda parte, por todo canto dos poderes do Brasil e isso gera um país triste…
“Nós estamos vivendo um momento muito esquisito, um momento muito triste. É uma ditadura disfarçada. Não me sinto em um país democrático. (…) Na ditadura (militar) nós estávamos mais vivos do que estamos agora.”
“Eu não me sinto vivendo numa democracia” (Adélia Prado). “Ai, a ausência de Qualidade do nosso Parlamento…”
Sobre a omissão dos intelectuais, ditos de esquerda: “Os intelectuais estão ausentes… os ditos artistas, intelectuais de esquerda…essas pessoas se calaram”. ”Os que faziam o panegírico do PT, não tiveram a humildade de dizer: ERRAMOS!” O País está naquele estágio em que Jean Braudillard chamava de “transparência do Mal”… Ele, o Mal, está por toda a parte, em todos os poderes da República, na vida do país.
Vivemos num país que é como “comida envenenada”. “Isso tudo me dá uma ‘aflição danada’…”
Será que só a Poetisa sente isso?
A banalidade do Mal tirou da República sua face alegre… Talvez por isso mesmo as bandeiras verde-amarelas não tremulam a 25 dias da Copa do Mundo.
A honestidade intelectual e a coragem desta poetisa mineira já vem de longe, no livro de estréia:
“Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.”
(Com Licença Poética, Adélia Prado)
Um desabafo tão lúcido assim tem a ver com um tema histórico, recorrente na história da humanidade: a banalidade do Mal.