Livros, 2017

O poeta goiano Heleno Godoy foi muito feliz nesse exercício de nomear o objeto livro. Livraria em Lucca (It.) (c)By Beto Queiroz

O LIVRO
Heleno Godoy*

“Um livro responde às assinaturas
subscritas, incorpora tempestades,
incendeia oceanos poderosos,
ervas frágeis, manhãs que des-
pertam quando a lua ainda
não se foi. Um livro abrange
um delírio, homens livres
e fugitivos. Um livro estreita
relações, anula diferenças
ou estabelece seus contrários,
como a aranha surpreende
sua presa, enredando-lhe
os contornos, sintética, fria,
anagramática. Um livro
é mortal como esmeralda
falha e falsa, reconciliação
de cômodos intervalos.

Mas pode ser violento como
um tribunal ou uma missa
rezada em silêncio, um vinho
bebido em jejum, pão comido
lentar e parcimoniosamente.

Um livro é um sacramento.
É uma sagrada eleição
de eternidade, uma desolação
dirigida, rumor de elementos
em voo para a especulação
de circunstâncias, um quarto
empoeirado, um astronauta
com o corpo em chamas, re-
entrando o espaço finito.

Um livro inventa e cega.
A abelha jovem, o livro se
constrói como um aparelho
funciona, impenetrável em sua
aparente simplicidade externa,
adormecido e intrincado em seu
interior preciso e visitado.
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Um livro constrói uma direção,
ilude um homem, indústria outro.
Todo livro subsidia a luz e a
escuridão. Um livro contra
diz.”

Aos meus seis leitores, deixo a bibliografia de minhas leituras dos últimos cinco meses do ano que finda. Esses livros foram suporte fundamental ao uso da crítica, um exercício semanal que desenvolvo publicando em Opção Cultural Online, coluna “Destarte”. A quem interessar possa, a Lista 2017 – clique no link abaixo para acessar o arquivo em PDF:
https://cloud.acrobat.com/file/53d7292a-7eff-44b3-bf16-0f337c86b632


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(*) Fonte: GODOY, Heleno. “Inventário: poesia reunida, inéditos e dispersos (1963-2015)”. Goiânia: Casa Editorial martelo, 2015. Org. Solange Fiuza Cardoso Yokozawa, p.318/9.

 

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Queres ler o quê?

cropped-estantebibliobeto1.pngNão sei. Quero ler e quero ler bem! – dispara o  amigo à minha pergunta. E me devolve a palavra:

– Sabe o amigo que agora realizo esse sonho de tantos seres humanos – e o faço em tempo integral. Leio quase o tempo todo e sem a obrigação de o fazer. Talvez por isso, tenho seguido algumas regras para ler e aproveitar bem o que leio. Seguindo esse princípio, cheguei, por sugestão do professor Rodrigo Gurgel, ao livro “A arte de escrever – em 20 lições”, de Antoine Albalat.

[Uma pausa aqui para dizer da minha admiração pelas aulas que nem parecem a distância, virtuais, que tenho com o professor Gurgel. As bases da criação literária, então, recomendo a todos que amam a leitura, independente de querer ou não se tornar um escritor ou aperfeiçoar o estilo!]

– Mas serve mesmo a quem não quer escrever e só se interessa por leitura?

Sim, respondo de pronto. E dou um exemplo.

– “A leitura dos bons autores é …indispensável para a formação do estilo
(segundo Albalat). E eu diria ler é indispensável à formação do caráter.
Bem, mas isso já seria outra história e tema para outro post.

Lendo (e não precisa ser os textos sagrados), aprecia-se a vida através de um espelho que nas páginas se colocam para que nos observemos. Um criminoso de uma página de Dostoiévsky ou de Simenon – exemplos aparentemente díspares – podem, ambos, ensinar-nos de modo diverso a fixarmo-nos em valores e numa reta conduta. Estou certo em 99% (com erro de 1% para mais ou para menos!) de que Albalat está certíssimo: “o proveito da leitura depende da maneira como se lê.

Ansioso por saber mais?

– Abra o clássico de Albalat na altura da Apresentação, feita por Gurgel: “como toda leitura este livro exige bom senso, pois há uma diferença abissal entre orientar-se por meio destas lições [as 20 lições] e copiar, sem espírito crítico, os exemplos.”

– Refiro-me especificamente ao tema que hoje me ocupa a mente e a preocupação. Leio, ainda, com o fito de aperfeiçoar o próprio estilo e desenvolver um método para ajudar aos outros que gostam de ler e se vêem perdidos num mar de produções em que a subliteratura enfeita estantes e desborda as listas de vendas.


Vilém Flusser: capa-vilem-flussera-escrita
“Ler” (legere, legein) significa escolher (Herauspicken), selecionar (Klauben). A atividade de selecionar denomina-se “eleição”; a capacidade para realizá-la “inteligência”; e o resultado dessa ação, “elegância” e “elite”. (*)

A missão, pois, que se transformou na primeira tarefa foi ler tomando notas, até porque Albalat confirma o que a memória sexagenária vai confirmando: “ler, sem tomar notas, é como se nada houvesse lido.” Albalat chega a mensurar que o prazo de “esquecimento” da leitura é de seis meses. Há em relação ao enredo prazos ainda mais exíguos. Há quem devore o livro e não o tenha digerido, assinala A.A. Como a poética de enredo nunca foi o que mais me atraiu nos livros, sigo pensando que é preciso entender a mensagem de fundo que o livro me traz. Nos dois casos, não é bom valer-se apenas da memória.

A memória é coisa oscilante – adverte o escritor francês. “Não haveria sábios, se nos fiássemos nela. A verdadeira memória consiste, não no recordar, mas em ter, ao alcance da mão os meios de encontrar. A primeira condição para ler bem é, portanto, fixar o que se quer reter, e tomar notas. Um livro que se deixa sem ter extraído dele alguma coisa é um livro que não se leu.

O bom livro tem uma  capacidade de criar nos leitores tão diversas sensações quantas são as leituras atenciosas e anotadas. Lê-se também por puro entretenimento e não há mal nenhum nisso. Um Rex Stout ou um Simenon podem fazer parte de seu pacote de livros de férias, sem ferir os Gurgel, Albalat ou um Flaubert – para falar em três autores que trabalham a preocupação 1 – estilo… Um Alexandre Soares Silva pode ficar ao lado de Rodrigo Duarte Garcia ou de um Karleno Bocarro.

Mas que miscelânea! um Balzac ao lado de Javier Marías; um Linhares ao lado de McEwan?

– Não tenha medo, dileto amigo, de se entregar à leitura diversa; e que o faça também nos livros não tradicional (de papel, celulose); use-os no Kindle, no celular ou tablet, mas lembre-se: tome notas.

Nessa série de posts, vou anotando observações dessas viagens que venho fazendo a livros e autores os mais diversos (só ficção ou crítica).  Sigo o mandato do anjo a São João no Apocalipse, a respeito de um certo “livrinho” – “Toma-o; e come o livro”. 

Ler, devorar, digerir. Em papel ou digital. Separar as correntes, percorrer as vertentes de cada qual – entender sua filiação, sua história – afinal cada livro há de valer pelo suor que emanou do autor e se este levou a sério o seu ofício – terá captado (e atiçado) “o nervo divino das coisas” (Ortega Y Gasset, via Gurgel) – e só por esta razão há de ser lido (e às vezes relido).

Uma lista recente anotada no caderno de “linguados” à minha própria maneira (sem ordem alfabética), seja para tomar notas (de comparação antes que de erudição!), para obter citações e registrar apreciação pessoal do que se vai devorando.  Isso não significa que falarei de todos, mas um pouco do que vale a pena apreciar em alguns deles como numa “conspiração com o Leitor” (Tóibin) deste leitor:

  • “A próxima leitura”, Felipe Fortuna.
  • “Poems” by Elizabeth Bishop (original e traduções de P.H. Britto).
  • “Crítica, literatura e narratofobia”, Rodrigo Gurgel.
  • “O bispo negro e Arras por foro de Espanha”, Alexandre Herculano.
  • “O trem e a cidade”, Thomas Wolfe, trad.Marilene Felinto.
  • “O pai Goriot”, De Balzac.
  • “Mrs. Dalloway”, Virgína Wolf.
  • “Os mímicos”, V.S. Naipaul.
  • “A estrada”, Cormac McCarthy.
  • “O palhaço”, Heinrich Böll.
  • “As almas que se quebram no chão”, Karleno Bocarro.
  • “Maya”(releitura) e “Idílio na Serra da Figura”, Ursulino Leão.
  • “O livro roubado”, Flávio Carneiro.
  • “Ferreiro do bosque grande”, J.R.R. Tolkien.
  • “Reçaga”, Carmo Bernardes (releitura, 40 anos depois!)
  • “The Language Instinct”, Steven Pinker (eBook/Kindle).
  • “Assim começa o Mal”, Javier Marías.
  • “Os palácios distantes”, Abílio Estévez (interrompido!)
  • “Os invernos da ilha”, Rodrigo Duarte Garcia.
  • “Um velho que lia romances de amor”, L. Sepúlveda.
  • “Wilful Disregard”, Lena Andersson (autora sueca, em inglês).
  • “The Children act”, Ian McEwan (em inglês).
  • “A orgia perpétua”, Vargas Llosa (em andamento).

Se você, dileto leitor, tiver interesse em saber mais ou participar dessa aventura da leitura, fique à vontade para enviar-me uma mensagem para betoq55 at gmail.com.

Entrevista ao Opção Cultural

Nota

Conversei com Yago Rodrigues Alvim, editor de Cultura do semanário Jornal Opção (Goiânia). Leia a entrevista abaixo.

Clique no logo do jornal para ler a entrevista Opção Cultural.capa-opcao-16out2016