
No final do ano 2007, passei dez dias na praia.
Aproveitamos a formatura de minha filha caçula (Cecília) na USP/São Carlos e seguimos viagem (toda a família), em caravana de quatro carros, para o litoral norte de S. Paulo.
Por se tratar de uma viagem de férias que há muito não fazíamos e por sermos tantos – éramos 14 pessoas em nossa trupe – pensei que teria muito pouco tempo para a leitura e essa decididamente deveria ser uma leitura leve.
Talvez por isso tenha escolhido Simenon (na versão em livros de bolso, super-práticos e portáteis) para tal ambiente. Levava uns seis volumes na bagagem e éramos, à saída, três fãs do Comissário Maigret. Certamente, alguém mais poderia ser conquistado pelo comissário francês, e então, provavelmente faltariam volumes para os dez dias reservados à temporada em Maresias. Nada grave, se não faltassem sol, repelentes, espumantes e cerveja…
Muito humano, Maigret, passeou conosco, fez parte de nossas conversas e de meus sonhos, e foi companhia indefectível, quando não estava eu babando meu neto Lucas ou abrindo um espumante à beira da piscina da simpática pousadinha. À beira da serra, curtimos momentos muito especiais, naquela que foi nossa casa por dez dias muito agradáveis, apesar da chuva que por dois dias insistiu em nos mandar de volta ao cerrado goyano…
O de que mais gosto no comissário Maigret é sua face humana.
Comungando com o personagem alguns vícios e poucas de suas virtudes, não quero aqui aprofundar a análise, nem me fantasiar de crítico literário e sim ser o que sou: admirador do comissário e de seu criador. Gosto quando Simenon explora essa face humaníssima do policial (Maigret) em várias situações e é minha intenção aqui transcrever alguns trechos, esperando que com isso incentive você, leitor, a conhecer o mais popular escritor da literatura policial francófona:
“O estranho é que tais sentimentos tinham raízes em sonhos da infância e adolescência. Embora a morte do pai houvesse interrompido seus estudos de medicina no segundo ano, ele nunca tivera, na verdade,a intenção de ser médico, de cuidar de doentes.
“A profissão que sempre desejara exercer não existia de fato. Jovem ainda, na aldeia, percebeu que muita gente não ocupava o próprio lugar, assumia um caminho que não era o seu, unicamente por ignorância.
“E imaginava um homem muito inteligente, sobretudo muito compreensivo, médico e sacerdote, por exemplo, alguém que compreendesse, à primeira vista, o destino dos outros.
(…)
“Esse homem seria consultado como se consulta um médico. E seria, de certo modo, um orientador de destinos. Não só por ser inteligente. Talvez não fosse necessária uma inteligência excepcional, e sim a capacidade de viver a vida de todos os homens, de colocar-se no lugar deles.”
“Maigret nunca falara sobre isso com ninguém; não ousava pensar muito no assunto, pois acabaria zombando de si mesmo. Por não ter completado o curso de medicina, acabara entrando na polícia por acaso. Teria sido mesmo por acaso? Os policiais não são às vezes orientadores de destinos?”
(Fonte: “A Primeira Investigação de Maigret”, L&PM Editores, págs. 95/6).
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