A poesia e o Mito (1)

Estimados amigos.

Continuo firme a missão educativa, pois creio no poder da leitura e, assim, fazendo o bom uso da crítica, espero contribuir para gerar mais leitores e mais atentos. Espero que gostem deste novo artigo.

Destarte

Crítica, litertura. Da série "O leitor diante dos mitos"
Clique para ler.https://www.jornalopcao.com.br/categoria/opcao-cultural/destarte/
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Meus posts mais lidos em 2016

Leitores amigos de Leveza & Esperança:

Olá! As veredas da leitura e da reflexão. É o que posso dizer sobre meu persistente trabalho aqui no blog. Um exercício pessoal que vai ganhando adeptos, sem nunca ceder à mesmice e ao mainstream editorial – estou mais interessado naqueles “talvez uns dois em mil” leitores de que nos fala o poema de  Wislawa SZYMBORSKA
(1923-2012).

Alguns gostam de poesia

Alguns –

ou seja nem todos.

Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Sim, dois em mil. Não milhões, tampouco half a million –  como parece imperar nos sites e portais atuais aqui você e eu (dois em mil) podemos nos deleitar com temas que não passam na web massiva; notadamente temas como Literatura e Fé, catolicismo, poesia e crítica literária. Essas reflexões sobre leituras ganharam este ano uma nova série de posts, intitulada “Queres ler o quê?” 

Eis-nos diante de mais um ano que chega, com aquela tendência natural ao ser humano racional e minimamente organizado: fazer um balanço do ano que se vai…

Nas estatísticas de 2016, eis os 5 posts mais lidos:

  1. Queres ler o quê (IV).

    BALZAC

    Se disser sim a Honoré de Balzac, terá o leitor uma miríade de informações a seu dispor – entre romances, originais e em tradução ao português, bem como uma das mais ricas fortunas críticas. Siga lendo…

  2. A Prece, Emily Dickinson.

    PRAYER is ……
    Pintura_Sassoferrato-The-Virgin-in-Prayer MilleChristi

    Prayer is the little implement…continue lendo!

  3. José J. Veiga – a ilha dos gatos pingados.

    Um conto excepcional, lido por mim… confira neste link.

  4. Especial Georges Bernanos

    DAQUI, você pode ir direto aos posts dedicados a Georges Bernanos, o mais brasileiro dos autores franceses. Confira no link.

    Capas Novos Livros Bernanos
  5. Livros – a lista 2015.

    Confira no link.

  6. Observação final.

    Espero que você, leitor especial do blog – dois deles especialíssimos (Eliana Pessoa e Nelson L. Castro) que sempre vêem, lêem e nem sempre comentam – tenha um bom 2017.

    Que a leitura seja sua, minha, nossa companheira, nosso alimento e nossa reserva de isolamento do mundo que se encontra em atoleiros cultural e moral inaceitáveis.
    Dois dos novíssimos escritores apreciados numa nova série de posts também tiveram enorme repercussão aqui e no Facebook. Autores do século XXI – uma fortuna crítica para os que (ainda) não são escritores famosos!
    6.1 – Karleno Bocarro – que apreciei neste post (ver link).
    karleno-bocarro_perfil
    6.2 – Rodrigo Duarte Garcia – neste aqui.
    O artigo completo está nos arquivos de Opção Cultural.
    os-invernos-da-ilha
    Em 2017, espero continuar trazendo até, você leitor, minhas avaliações de leituras, reflexões poéticas e culturais sobre o que vai publicando, aquilo que considero o melhor, sem influências outras que as dos irmãos de Fé e da tradição Católica. Espero continuar respondendo à pergunta:  “Queres ler o quê?
    Au revoir. Merci!
    Ω.Ω.Ω.Ω.Ω

Queres ler o quê?

cropped-estantebibliobeto1.pngNão sei. Quero ler e quero ler bem! – dispara o  amigo à minha pergunta. E me devolve a palavra:

– Sabe o amigo que agora realizo esse sonho de tantos seres humanos – e o faço em tempo integral. Leio quase o tempo todo e sem a obrigação de o fazer. Talvez por isso, tenho seguido algumas regras para ler e aproveitar bem o que leio. Seguindo esse princípio, cheguei, por sugestão do professor Rodrigo Gurgel, ao livro “A arte de escrever – em 20 lições”, de Antoine Albalat.

[Uma pausa aqui para dizer da minha admiração pelas aulas que nem parecem a distância, virtuais, que tenho com o professor Gurgel. As bases da criação literária, então, recomendo a todos que amam a leitura, independente de querer ou não se tornar um escritor ou aperfeiçoar o estilo!]

– Mas serve mesmo a quem não quer escrever e só se interessa por leitura?

Sim, respondo de pronto. E dou um exemplo.

– “A leitura dos bons autores é …indispensável para a formação do estilo
(segundo Albalat). E eu diria ler é indispensável à formação do caráter.
Bem, mas isso já seria outra história e tema para outro post.

Lendo (e não precisa ser os textos sagrados), aprecia-se a vida através de um espelho que nas páginas se colocam para que nos observemos. Um criminoso de uma página de Dostoiévsky ou de Simenon – exemplos aparentemente díspares – podem, ambos, ensinar-nos de modo diverso a fixarmo-nos em valores e numa reta conduta. Estou certo em 99% (com erro de 1% para mais ou para menos!) de que Albalat está certíssimo: “o proveito da leitura depende da maneira como se lê.

Ansioso por saber mais?

– Abra o clássico de Albalat na altura da Apresentação, feita por Gurgel: “como toda leitura este livro exige bom senso, pois há uma diferença abissal entre orientar-se por meio destas lições [as 20 lições] e copiar, sem espírito crítico, os exemplos.”

– Refiro-me especificamente ao tema que hoje me ocupa a mente e a preocupação. Leio, ainda, com o fito de aperfeiçoar o próprio estilo e desenvolver um método para ajudar aos outros que gostam de ler e se vêem perdidos num mar de produções em que a subliteratura enfeita estantes e desborda as listas de vendas.


Vilém Flusser: capa-vilem-flussera-escrita
“Ler” (legere, legein) significa escolher (Herauspicken), selecionar (Klauben). A atividade de selecionar denomina-se “eleição”; a capacidade para realizá-la “inteligência”; e o resultado dessa ação, “elegância” e “elite”. (*)

A missão, pois, que se transformou na primeira tarefa foi ler tomando notas, até porque Albalat confirma o que a memória sexagenária vai confirmando: “ler, sem tomar notas, é como se nada houvesse lido.” Albalat chega a mensurar que o prazo de “esquecimento” da leitura é de seis meses. Há em relação ao enredo prazos ainda mais exíguos. Há quem devore o livro e não o tenha digerido, assinala A.A. Como a poética de enredo nunca foi o que mais me atraiu nos livros, sigo pensando que é preciso entender a mensagem de fundo que o livro me traz. Nos dois casos, não é bom valer-se apenas da memória.

A memória é coisa oscilante – adverte o escritor francês. “Não haveria sábios, se nos fiássemos nela. A verdadeira memória consiste, não no recordar, mas em ter, ao alcance da mão os meios de encontrar. A primeira condição para ler bem é, portanto, fixar o que se quer reter, e tomar notas. Um livro que se deixa sem ter extraído dele alguma coisa é um livro que não se leu.

O bom livro tem uma  capacidade de criar nos leitores tão diversas sensações quantas são as leituras atenciosas e anotadas. Lê-se também por puro entretenimento e não há mal nenhum nisso. Um Rex Stout ou um Simenon podem fazer parte de seu pacote de livros de férias, sem ferir os Gurgel, Albalat ou um Flaubert – para falar em três autores que trabalham a preocupação 1 – estilo… Um Alexandre Soares Silva pode ficar ao lado de Rodrigo Duarte Garcia ou de um Karleno Bocarro.

Mas que miscelânea! um Balzac ao lado de Javier Marías; um Linhares ao lado de McEwan?

– Não tenha medo, dileto amigo, de se entregar à leitura diversa; e que o faça também nos livros não tradicional (de papel, celulose); use-os no Kindle, no celular ou tablet, mas lembre-se: tome notas.

Nessa série de posts, vou anotando observações dessas viagens que venho fazendo a livros e autores os mais diversos (só ficção ou crítica).  Sigo o mandato do anjo a São João no Apocalipse, a respeito de um certo “livrinho” – “Toma-o; e come o livro”. 

Ler, devorar, digerir. Em papel ou digital. Separar as correntes, percorrer as vertentes de cada qual – entender sua filiação, sua história – afinal cada livro há de valer pelo suor que emanou do autor e se este levou a sério o seu ofício – terá captado (e atiçado) “o nervo divino das coisas” (Ortega Y Gasset, via Gurgel) – e só por esta razão há de ser lido (e às vezes relido).

Uma lista recente anotada no caderno de “linguados” à minha própria maneira (sem ordem alfabética), seja para tomar notas (de comparação antes que de erudição!), para obter citações e registrar apreciação pessoal do que se vai devorando.  Isso não significa que falarei de todos, mas um pouco do que vale a pena apreciar em alguns deles como numa “conspiração com o Leitor” (Tóibin) deste leitor:

  • “A próxima leitura”, Felipe Fortuna.
  • “Poems” by Elizabeth Bishop (original e traduções de P.H. Britto).
  • “Crítica, literatura e narratofobia”, Rodrigo Gurgel.
  • “O bispo negro e Arras por foro de Espanha”, Alexandre Herculano.
  • “O trem e a cidade”, Thomas Wolfe, trad.Marilene Felinto.
  • “O pai Goriot”, De Balzac.
  • “Mrs. Dalloway”, Virgína Wolf.
  • “Os mímicos”, V.S. Naipaul.
  • “A estrada”, Cormac McCarthy.
  • “O palhaço”, Heinrich Böll.
  • “As almas que se quebram no chão”, Karleno Bocarro.
  • “Maya”(releitura) e “Idílio na Serra da Figura”, Ursulino Leão.
  • “O livro roubado”, Flávio Carneiro.
  • “Ferreiro do bosque grande”, J.R.R. Tolkien.
  • “Reçaga”, Carmo Bernardes (releitura, 40 anos depois!)
  • “The Language Instinct”, Steven Pinker (eBook/Kindle).
  • “Assim começa o Mal”, Javier Marías.
  • “Os palácios distantes”, Abílio Estévez (interrompido!)
  • “Os invernos da ilha”, Rodrigo Duarte Garcia.
  • “Um velho que lia romances de amor”, L. Sepúlveda.
  • “Wilful Disregard”, Lena Andersson (autora sueca, em inglês).
  • “The Children act”, Ian McEwan (em inglês).
  • “A orgia perpétua”, Vargas Llosa (em andamento).

Se você, dileto leitor, tiver interesse em saber mais ou participar dessa aventura da leitura, fique à vontade para enviar-me uma mensagem para betoq55 at gmail.com.

Meu velho tamboril & memórias de Carmo Bernardes

PUBLICADA EM OPÇÃO CULTURAL em 16.JUN.2016.

Clique na figura para ler o artigo no site do Opção Cultural ou leia a íntegra abaixo.

2016-06-16 (2)

 

Meu velho tamboril  ensina-me a ouvir o vento

                                                                                          Adalberto de Queiroz, Especial para o jornal Opção

Dia desses conversava com um dos meus compadres sobre as árvores do quintal da casa de minha filha. Lá, existem algumas espécies que me surpreenderam quando adquirimos o terreno. Tudo fiz para manter as árvores e enfrentei com bravura a mudança de um velho bacuri que havia anos se erguia faceiro no que hoje é um dos quartos da casa. Quando soube, por telefone – estava nos EUA, que o velho bacuri teria que ser removido fiquei furioso e pedi que adiassem a decisão.

Com a casa pronta, em uma das primeiras reuniões em território de meu genro e de minha filha, orgulhoso, mostrei ao compadre Chico cada uma das árvores – todas têm sua história especial e única, principalmente o bacuri que se mudara e pousa com galhardia em frente aos quartos da nova residência.

– Você devia escrever sobre as árvores – arrematou ele, ao final do giro que fizemos em torno da casa, rodeada de belas espécies: dois ingazeiros, um baruzeiro[1], o formoso bacuri que, mesmo mudado (em uma odisséia familiar importante) continua lá, altivo, a provar meu amor pelas árvores.

Um dos responsáveis pelo meu interesse pelas árvores foi um monitor de nome e personalidade estranhas que conheci no orfanato – Sêo Alcides, que, perdoados os hábitos rudes com que tratava a todos – meninos e adultos, transmitiu-me a consciência de que tudo deveríamos fazer para plantar e cuidar das árvores, pois delas dependia nossa sobreviência. Mais tarde, o pouco de nomes e da sabença real que possuo sobre tão vasto tema, aprendi mesmo foi lendo e observando os escritos de Carmo Bernardes.

Ele foi o mais acadêmico dos mateiros goianos, nascido mineiro e criado nos campos dos Goyazes, aprendeu com o pai tudo que nos transmitiu sobre a riqueza vegetal do cerrado. O Sêo Carmo, ou para o respeito do cargo de imortal – o escritor Carmo Bernardes é, pois, um dos responsáveis por este meu amor às árvores.

Fui conversar com um amigo dele, por conta das memórias todas que esta crônica veio me trazendo. O poeta Aidenor Aires conviveu com Carmo e dele aprendeu muito, não apenas sobre árvores.

– Eu tenho uma relação muito próxima com as árvores – disse-me o poeta Aidenor Aires. “A primeira imagem importante que eu tenho na vida é de um jatobazeiro que existia na porta de nossa casa no sertão do oeste da Bahia. Esse jatobazeiro era meu parque de diversões, ali caíam uns jatobazinhos que a gente fazia de boizinhos, para brincarmos…”.

O improviso do brinquedo infantil transforma-se em aprendizado do adulto que, mais tarde em Goiânia, torna-se amigo de Carmo Bernardes.

– Aprendi com a amizade e na convivência com o Carmo que os nomes das árvores vêm do papel econômico que têm numa sociedade: “olha, dizia o Carmo, toda árvore que você conhece tem nome; árvore que não tem nome você chama de pau-à-toa!”. É pau à toa porque não servem pra nada” –  diz o poeta. “Aroeira serve para fazer estacas, a sicupira serve como remédio e boa madeira, imburana, idem; o mogno e o cedro – pela preciosidade do móvel que podem gerar; até aquelas árvores que servem só pra fazer um chicote que corrija menino têm nome. O restante, se você perguntar a um cidadão da roça: que árvore é esta aqui? Se não souber, ele dirá logo: “É pau-à-toa!”

Carmo Bernardes, em sua obra inteira tanto a respeito da fauna quanto da flora – sempre vai nominando as árvores que conhece e quase sempre dá informações sobre elas. Carmo é classificado pelo poeta Aidenor como um verdadeiro pedagogo: “O Carmo achava que só podia escrever se sua escrita servisse para alguma coisa e para alguém, fosse para conscientizar, fosse para que o leitor aprendesse alguma coisa…” – diz Aidenor.

Em “Jângala”, livro em que Carmo Bernardes faz um levantamento da fauna e da flora do “Complexo do Araguaia”, surge informação relevante a cada capítulo. O 7º capítulo, intitulado “As madeiras” nos dá exemplos da pedagogia do Carmo:

“O jatobazeiro, uma leguminosa – cesalpinácea – é a espécie predominante nos matos de terra seca; depois vem o angelim, também chamado angelim-pedra. Tem esse nome devido à fibra da madeira ser encaracolada, entremeada de resinas, com a aparência de pedra; pertence à família das ochnáceas, bela madeira de marcenaria, muito macia para cortar; as peças confeccionadas com ela não trincam e aceitam finíssimo polimento”.

E sobre aquele Baru à porta da casa de minha filha, que, mesmo agredido pelo caminhão de entregas durante a obra, permanece firme em  frente à casa…, quem há de contar sua história? Histórias de uma família que da sombra e dos frutos tirará proveito das castanhas? Falará esta árvore com os netos que começam a ter notícia de uma nova cidade, de um novo clima (nascidos fora do Brasil), de uma nova cidade para onde se mudaram e onde começam a fazer sua história?

Carmo responde em “Jângala”: “O  Baru aparece mais para a área de beira-campo, uma Papilionácea, árvore de tronco médio, madeira fixe[2], apropriada para trabalhos de torno. É do grupo dos castanheiros. O fruto tem a forma achatada e ovalada, é revestido por uma polpa farinácea de acentuado sabor de alcaçuz, apreciado pelo gado e pelo índio Xavante. Cada fruto contém uma pequena castanha, de sabor próximo ao do amendoim, mas com um cheiro forte e enjoativo do feijão cru.”

Do destino do baruzeiro e das histórias que este haverá de reunir, o tempo dirá.

Carmo Bernardes foi pioneiro da chamada “maré ecológica” em Goiás, e sempre nutriu umaconsciência a respeito do meio-ambiente. “Desde os tempos em que foi editor em Anápolis, ele lutava contra os efeitos da migração do homem rural para as grandes cidades. Às vezes, quando viajávamos juntos, passando numa estrada, ele mostrava no meio do pasto um pé de limão-rosa abandonado, um pé de manga morrendo, pé de laranja; e dizia: ‘aqui morou uma família que foi obrigada pelo êxodo rural a sair da fazenda, portanto, as árvores são o testemunho da vida das pessoas lá naquele ermo…”, relata Aidenor Aires.

Às vezes, o “mateiro Carmo” usava uma linguagem euclidiana, nota Aidenor Aires: “O Carmo tinha uma versatilidade muito grande. Foi secretário da Celg [distribuidora de energia elétrica de Goiás], secretário da Universidade, depois assessor de governos. Ele era perito em escrever correspondências oficiais, discursos. Ele era um mago. Um dia ele me falou: “Olha, Aidenor, para nós, que andamos com essas caraminholas na cabeça, é muito difícil arrumar emprego, então, aprende isso aqui: escrever um ofício, uma carta para um embaixador, um presidente da República – com todos os formalismos, sem a dureza da linguagem oficial. Ele era perito nisso. “Nosso destino”, disse Carmo a Aidenor, “é carregar jumento. Eu carreguei jumento a vida inteira…isto é, nós escrevemos, trabalhamos, para outro levar a fama, mas disso, ele viveu a vida inteira, porque livro não dá fortuna pra ninguém…”

O título de “Jângala: Complexo do Araguaia” foi inspirado em “Jangal”, do escritor britânico Rudyard Kipling, revela Aidenor. E é um livro onde fala tanto da fauna quanto da flora, porque “para ele, Carmo, o mundo é uma coisa só…porque a vida que tem na formiga tem em nós – a vida das árvores, dos animais é a mesma e temos que preservá-la porque as vidas estão interconectadas. A falta de uma é uma perda para a Humanidade, como acentua Hemingway na epígrafe do romance “Por quem os sinos dobram ?”

                “A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne).

É Bento Fleury, outro apaixonado pelas árvores, quem me justifica meu choro quando dizimam-nas em nome do progresso ou de uma bela construção, como se parte de nossa vida fossem. Na crônica “O jatobazeiro da Chácara Baumann” (ou: “O espaço que uma arvore ocupa na nossa vida”), Bento Fleury resume o que poderia essa crônica dizer em uma frase: “Eu amo as árvores, pois elas sabem do seu destino”, aduzindo: sabem do destino delas e do destino humano.

Retomo o fio da prosa e o eito dessa crônica para não se tornar infinda. À história de minhas árvores devo sempre adicionar a observação que não sou nem nunca fui um que vive em partido em defesa do meio ambiente ou se intitula “verde” por oportunismo ou como seguidor de um modismo, de uma ‘maré ecológica’ passageira.

O parágrafo que se segue dedico-o a lembrar como veio Sêo Carmo a gostar de árvores. E se você tiver paciência de ler esta crônica descobrirá como a orelha-de-macaco pode apontar os rumos do vento e sentir o cheiro da chuva que se avizinha.

Nascido em Patos de Minas, a 2 de dezembro de 1915, Carmo se mudou com a família para a cidade de Formosa em 1920 e, em 1925, para o município de Anápolis. Estudou o primário entre as duas cidades e acompanhou o pai em suas atividades madeireiras. Fez curso de estatística e recenseamento e, a seguir, publicou os primeiros trabalhos de uma escrita pródiga e diversificada: contos, crônicas e romances, além do ofício administrativo de secretário de muitas entidades. Os “volantes de propaganda do recenseamento de 1940”, no entanto, foram seus primeiros trabalhos publicados.

Jornalista durante boa parte de sua vida, Carmo Bernardes foi um autodidata em tudo. Em 1972, contava já 30 anos de atividades no setor de defesa do meio-ambiente. Quando poucos ou ninguém falava do tema, já estava o Carmo dedicando-se ao tema em suas andanças por Goiás. Foi conselheiro da Fundação Inca e representante ao I Encontro Nacional sobre a Proteção e Melhoria do Meio Ambiente e à 1ª Conferência Nacional do Meio Ambiente – conforme se aprende na sua pequena biografia publicada na 2ª edição do romance “Jurubatuba” (1979).

O pesquisador Bento Fleury em artigo intitulado “Carmo Bernardes, o Doutor do Sertão”, justifica o título. “O Carmo escreveu ensinando e foi um doutor no tema sertão e cerrado. Sua obra fala, ensina, tem sabor. Ele conseguiu fazer uma literatura que não está apenas escrita, mas também vivida“.

Bariani Ortêncio, companheiro de amizade e profissão do Carmo, conviveu com ele no programa de televisão “Frutos da Terra”, da TV Anhanguera e como cronistas do jornal “O Popular”. É outro que pode falar com autoridade sobre a formação do “Doutor do Cerrado”.

Foi o pai o grande instrutor do Carmo. “Luiz Bernardes, trançador de couro, carapina, construtor de engenhos de cana, currais, madeiramentos de casas, pilões, colher de pau, monjolos e até trapizonga, ensinou ao filho Carmo tais profissões, deixando para ele, que já se julgava homem, pois andava calçado de botas, os “servicinhos”, como tecer chicote e colocar argola em laço. O avô, José Pernagrossa, também artesão, era fabricante de produtos à base de chifres, de berrantes a pentes e até botões.”

Conheci Sêo Carmo numa sessão de autógrafos em Anápolis. Em minha cidade de formação, onde ele fora editor do jornal “O Anápolis”. Essa oportunidade, perdida na memória, se salva pelo autógrafo na letrinha miúda que me deixou em “Reçaga”: “Adalberto: os meus  votos pelos seus êxitos nos estudos e obrigado por ser você o primeiro a adquirir este livro”. Seguem-se a assinatura de Carmo Bernardes e data. Em Anápolis, 25 de setembro de 1972.

Mais tarde, já estudante em Goiânia, encontrei-o, diversas vezes, na Livraria Cultura Goiana e na Feira Hippie, onde, nas manhãs de domingo ele e outros escritores faziam ponto na banca do Paulo Araújo, assinando livros e conversando entre si. Eu os apreciava de longe, por pura timidez de jovem distante dos graúdos das letras. Bernardo Élis, tímido, nunca deu-nos a mesma atenção que o Sêo Carmo. Este, à sua maneira, tímido também, meio que ensimesmado permitia-nos aproximação e tinha uma resposta sempre didática, ainda que sempre voltado para assuntos da mais alta metafísica interior.

Lembro-me bem de uma vez, na livraria, em que solicitei ao Sêo Carmo uma sugestão de leitura. Foi na exígua mas riquíssima livraria que o Paulo Araújo mantinha, próxima ao Café Central (a Cultura Goiana). Com seu jeito mateiro, sempre ensimesmado, ele não titubeou, foi à estante próxima e retirou o livro de Evgueni Evutchenko – “Os Frutos Silvestres da Sibéria”. Guardo-o comigo, como um troféu, autografado que foi pelo autor russo, em Recife, em 1987 – sempre os frutos silvestres hão de me trazer à memória o Sêo Carmo Bernardes.

Aí se vai a crônica finda sem que eu justifique o título. O perdão que pede o cronista, talvez não o mereça. O vento desse junho já friorento à beira desse lago bate na copa rala de um dos dois pés de tamburil que mantenho a todo custo em frente à minha casa, avisando-me que é hora de eu virar a folhinha da época de minha própria vida. Na próxima jornada chuvosa que virá depois desse friozinho de junho/julho, os galhos mais altos do mais jovem dos tamburis deve oferecer perigo ao beiral da minha casa. Essas árvores chegaram aqui bem uns 30 anos antes de mim, mas a eles devemos o respeito e a defesa inconteste da vida que representam.
Quando os sinos dobrarem por nós ou por nossos semelhantes serão as árvores que darão o melhor testemunho do que somos e do melhor que legamos ao futuro.
Goiânia, 11 de junho de 2016.

(*) Carmo Bernardes, o autodidata que se fez “Doutor do Cerrado”, foi membro da Academia Goiana de Letras e recebeu prêmios internacionais de literatura. Listam-se entre seus livros os títulos: Reçaga, Rememórias (vols. I e II), Vida Mundo, Jurubatuba, Idas e Vindas, Ressurreição de um Caçador de Gatos, Santa Rita, Nunila, Quarto Crescente, Memórias do Vento, Jângala: Complexo Araguaia e Força da Nova.
[1]O baruzeiro é uma espécie importante para o equilíbrio do Cerrado, pois se trata de uma das poucas árvores cujo fruto amadurece na seca. Nessa época, torna-se uma valiosa fonte de alimento para muitos animais.

[2] Fixe, no original, 2. [Popular] Que é fixo, firme ou seguro.

 

Um ensaio que não sai…

Leveza & Esperança | Literatura e Arte: um olhar Cristão

IMPRESSIONANTE como em minhas leituras sou vítima de uma tendência a pensar em círculos.
Nada mal, pois que desses círculos, saio sempre nutrido mas com uma certa fadiga.
Se e quando a leitura me agrada, penso em esparramar o amor ao texto (livro, artigo) lido; mas aprendi que para refletir sobre o que foi lido, é preciso tempo e um projeto contínuo de leitura e reflexão.
Duro é quando o ciclo (ou círculo) – como agora – anuncia-se como passado e a reflexão objetiva e lógica parece não vir.
(…)

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EIS PORQUE TAIS FASES precisam ser emolduradas em seus próprios limites. Em minhas leituras foram tantas as fases quantas idades. Ventos diversos me levaram (e continuam me levando) a uma espécie de ‘rincão’, um “terrain”, donde colho algumas boas uvas e parece necessário um certo tempo para que essas se acomodem até se transformar em suco ou vinho e possa passá-las a uma garrafa e transportá-las, já consumíveis, por algum leitor ávido do fruto da videira do leitor, o outro. Busco o segredo e o limite, esperando…

LEMBRO-ME com alegria de fases de leituras antigas e essas se vão, como a água do João Leite, pois que nunca hei de considerar-me um leitor de Araguaia, Tocantins ou – suprema vontade – um leitor amazônico.

HOUVE um tempo em que me debrucei sobre os gregos, a Eneida eu a comprei num livrinho barato dessas editoras (livro de bolso), creio que Ediouro. Eu quebrei-o em pedaços que levava comigo no trajeto até o trabalho. E assim fui substituindo os “pedaços” até o final do longo poema Virgiliano. Vieram outros da mesma safra e preço.

COM a biblioteca Pública de Porto Alegre, vieram-me os livros emprestados e lidos durante as noites frias da cidade de Dyonélio Machado (ou por onde ainda passeava o poeta-anjo e suas heras, Mário Quintana). Uma das fases mais interessantes deste período ficou-me gravada – a leitura das fantasias de J. L. Borges e seu amigo Adolfo (Bioy Casares).

JÁ ganhava alguns trocados a mais e pude começar minha coleção de livros que ia alinhando nas prateleiras de minha casa (apartamento) em Porto Alegre. Os sebos sempre foram uma fonte acessível e me deram a Comédia Humana de Balzac em estado de seminovos. Dias e noites de boa leitura. Cartas, anotações, paixão.

Minha mulher não teve dúvida, anos mais tarde, de nomear nosso lindo ‘collie’ de Balzac; a quem o amigo francês, quando nos honrava com sua visita chamava-o por Honoré…

Comecei pensando nas leituras e na pilha de livros e nas fases para tecer-lhes a planta-baixa de minha dificuldade atual. Tenho todo o tempo do mundo para ler e não consigo palmilhar a lista interminável de livros (bons) que alinhei para a leitura, sobretudo com o apoio do curso de Filosofia que faço online.

JUSTO quando a fase de Augusto Frederico Schmidt, revisitado por seis meses, é dada como fase passada, tenho a chance de publicar um ensaio em uma conceituada revista online, mas sinto-me paralisado pela síndrome do “ensaio-que-não-sai…

Se é verdade que “o grande segredo da ação bem sucedida é o seu limite” – como ensina-me o pensador Olavo de Carvalho –, eis-me a impor um limite.

O limite da hora presente é o de ouvir o ruído da ventania que me traz um dado autor (ou conjunto de autores, pois que nunca chegam sozinhos); prescrutar-lhe(s) o sentido e a mensagem da(s) obra(s), artigos, aulas etc. e deixar passar um tempo, até que amadureça o bom vinho do ensaio, da reflexão meditada.

Ensaio que no fundo é “tentativa” de dizer algo, para além do que foi lido.
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Eis um plano aceitável como limite para um leitor que deseja colocar na imortalidade sua esperança.

Assim, o ensaio virá e já disponho de uma justificativa interessante perante o amigo-professor Francisco, mesmo que a fase A.F. Schmidt pareça ter visto seu FIM.

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