crônica de viagem – extremo oriente (CHINA 1)

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Crônica em que junto joaquin rodrigo ao ano 1973 em Goiânia

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Crônica onde junto drummond À minha história pessoal (1973)

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crônica no jornal o popular de goiânia (GO)

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De um caderno de memórias, a 51a. crônica publicada no Jornal O Popular, de Goiânia (GO), onde o cronista se lembra de sua mudança de Anápolis para a Capital goiana

celebrando os 50 anos de poesia de aidenor aires

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50 Anos de Poesia – uma caixa com a Poesia Completa do Autor
Um "intelecto inebriado do néctar" da Poesia faz de Aidenor Aires uma das principais figuras da cena poética goiana
Leia e comente meu artigo em A Redação

Resenha do Romance Fogo de Junho, de Ademir Luiz

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Romance Fogo de Junho (2021) é parte de caixa literária que contém 4 livros
Ademir Luiz e o conteúdo da box literária lançada em 2021 pela N&S editora (Barueri, SP). Para ler o ensaio crítico, clique sobre a imagem acima.

crônica no popular de Goiânia

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No limiar da adolescência, o narrador vê-se numa floresta de eucaliptos, sem saber do incógnito futuro que o espera, mas sonhador que é "inventa o cais"

balanço do simpósio 200 anos de Dostoiévski, em Goiânia

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Chamada para a matéria, no site de A Redação, Goiânia, 15/09/2023.

Para quem desejar ler o texto cru (sem edição), siga lendo abaixo:
https://www.aredacao.com.br/artigos/195317/simposio-200-anos-de-dostoievski-um-marco-na-cena-cultural-goiana

Simpósio 200 Anos de Dostoiévski
 Um marco na cena cultural goiana

Por Adalberto de Queiroz[1]

Um jovem se apressa ao entrar no Teatro do Sesc/Centro, em Goiânia, na rua 15, esquina com a 19 no dia 29 de agosto. É uma segunda-feira à tardezinha e ele se junta a uma multidão de apaixonados por literatura, ávidos por ouvir as palestras e participar dos debates em torno do escritor russo Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) cujo bicentenário passou um tanto apagado em 2021, por conta da pandemia do Covid-19.

Aquele jovem se juntou a muitas outras pessoas que se deleitaram com duas noites de intenso aprendizado para os goianienses que encheram o teatro, ouviu música russa, conviveu com outros fãs do escritor russo. Naquele momento, ao cair da tarde de 29 de agosto (e no dia seguinte), ele foi parte integrante de um projeto inusitado para os padrões de sua cidade – o simpósio dos 200 Anos de Dostoiévski, realizado no Teatro do SESC/Centro.

Na abertura oficial do Simpósio, o poeta Aidenor Aires, presidente da Academia Goianiense de Letras, em curto discurso (ver matéria correlata), acentuou a importância dos dois dias de debates, ressaltando: “O território de Dostoievski é o ser humano, não apenas colado à paisagem de seu tempo, mas em mergulho destemido às geografias sombrias e nebulosas e luminosas do ser. Dostoievski é o dedicado cirurgião da existência humana, abraçando sua face fenomenológica e transcendente.”

Aquele momento único que tipifica, segundo pessoas importantes da área cultural, um evento inédito em Goiânia, computou a significativa presença de aproximadamente 300 pessoas nos dois dias do Simpósio, mesmo sendo esses dias uma segunda e uma terça-feira ao cair da tarde. Segundo Ademir Luiz, presidente da União Brasileira de Escritores (UBE)/Seção Goiás, “o Simpósio foi um marco para o cenário cultural goiano, provando que existe interesse do público goiano em prestigiar bons eventos literários”.

O simpósio que fez parte das comemorações de 85 anos do jornal O Popular, foi patrocinado pelo Sesc/Goiás, com a chancela do diretor Leopoldo Veiga Jardim e do Presidente da Fecomércio, Marcelo Baiocchi Carneiro.

Quando apresentei esse projeto à Diretoria do Sesc, eu próprio temia pelo fiasco da iniciativa, mas fui incentivado por outro poeta e sonhador, meu amigo e confrade Aidenor Aires, presidente da Academia Goianiense de Letras (AGnL) e, em seguida, tive como fiel escudeiro da empreitada o sempre ativo e generoso escritor Ademir Luiz, presidente da UBE/Seção Goiás.

O Simpósio 200 Anos de Dostoiévski foi uma ideia que alimentei após a imersão feita  na obra do autor russo, durante a pandemia do, quando isolados numa praia na Bahia, minha mulher e eu passamos horas lendo e discutindo a obra dele, Dostoiévski, juntamente com o livro “Sou o primeiro e o último”, de Maurício G Righi.

No caso de Righi, o estudioso se vale dos estudos do teórico francês René Girard para analisar a obra do escritor russo – “ambos, um na literatura e outro no pensamento teórico, dividem o mesmo pensamento sobre a condição humano” – diz Maurício, que assinala: “eles são idênticos, porque indicam a perene insustentabilidade social e histórica, nossa necessidade de Deus. Essa é uma questão-chave em ambos os autores, que são, em essência, autores apocalípticos”, como Maurício pôde bem explanar em sua palestra durante o Simpósio.

No primeiro dia do conclave, a professora e pesquisadora russa Elena Vássina, que leciona na Universidade de São Paulo (USP), mostrou parte do universo e filosófico de Dostoiévski com foco nos seus mais importantes romances: “Crime e castigo”, “O idiota”, “Os demônios” e “Os irmãos Karamazov”.

Elena Vássina que abriu o Simpósio, tendo como debatedores Solemar Oliveira, Carlos Willian
(à esq. na foto) e Adalberto de Queiroz (dir.)

Elena situou o autor em seu mundo, desde a infância de filho de médico – falou da casa (hoje museu em São Petersburgo) de onde o menino Fiódor via a fila de pacientes humildes de seu pai, se emocionava vendo os mais necessitados em busca de atendimento médico (é de onde extrai material narrativo para o romance Humilhados e Ofendidos).

Elena falou dos terrores sofridos na prisão-fortaleza Pedro e Paulo, da condenação à morte, com pena comutada no derradeiro minuto, dos trabalhos forçados na Sibéria, da escola de engenharia militar, da importância da matemática e do desenho, que o autor tanto usou para esboçar seus personagens – Dostoiévski primeiro desenhava o personagem para depois descrevê-los e inclui-los na narrativa. A professora russa debateu com os escritores Solemar Oliveira e Carlos William Leite e respondeu questionamentos da plateia.

No segundo dia do Simpósio, José Donizete Fraga e Maurício G. Righi dividiram a cena do teatro do Sesc, onde Dostoiévski continuou sendo o centro dos debates. Donizete trouxe aos ouvintes traços de sua tese de mestrado na PUC/GO, ressaltando que “ler Dostoiévski é mergulhar no caos da vida real”, justificando que a poética do escritor russo se assenta em três trilhos, a saber: a liberdade, a polifonia e a dissonância.

José Donizete palestrando, tendo a sua esquerda o debatedor Tobias Goulão
e do lado oposto, Maurício e eu

Para argumentar sobre as profundas questões que levam Dostoiévski ao que o palestrante intitula de “o homem fraturado”, Donizete abriu com uma frase de um crítico russo que sempre afirmava “lá vem Dostoiévski trazendo Jesus a golpes de pecado”, pois é a partir mesmo da falha, do pecado que ocorrem as fraturas recorrentes na obra do autor, como nas mais evidentes de Sônia Marmieládova e Rodion Raskólnikov ou do Stárietz Zóssima e Ivan Karamazov – em todos esses, este “fraturamento” pode levar à queda, ao suicídio ou à violência, mas pode também conduzir à conversão (como em Zóssima).

Fraga argumentou que talvez para muitos leitores por essa técnica da fratura e queda Dostoiévski torne-se tão árido para alguns, mas é isso que o fez romper com o romance do século XIX e influenciar tantos nesses duzentos anos desde seu nascimento em Moscou em 1821.

Em sua intervenção no Simpósio, Maurício G. Righi justificou que não sendo um literato, propriamente, mas sim alguém do campo da Antropologia Religiosa e da História da Cultura, faria sua abordagem com enfoque histórico, antropológico. E o fez.

Maurício G. Righi responde às perguntas da plateia. Eu o observo…

Maurício mostrou como Dostoiévski foi um homem do seu tempo, mas que se reporta a muito aquém e se projeta para muito além, como um profeta da modernidade. Aqui, Righi acentua que profeta deve ser tomado no sentido do entendimento hebraico do termo, daquele ser que não apenas faz previsões, mas que compreende os pecados da comunidade, os malfeitos dos governantes e, assim procedendo, Dostoiévski antecipou os temas que dominam a modernidade.

Depois de fazer uma ampla revisão da vida de Dostoiévski (nascido em 1821), passando pelas guerras napoleônicas, o surgimento de Karl Marx, a Queda de Napoleão, o Congresso de Viena, os tratados entre as grandes potências europeias e os 80 anos seguintes de paz ininterrupta, Righi ressaltou o papel do czar Nicolau I e a queda do Império Otomano.

Righi lembrou que os russos chegaram até Istambul e só não a tomaram por conta da intervenção inglesa. A Europa era a oficina e a senhora do mundo. Tudo isso Dostoiévski viveu e refletiu profundamente em seus romances: o surgimento da indústria, a evasão do campo, o surgimento das megalópoles, o crescimento da população urbana, o crescimento da Ciência no séc. XIX, em forma de Saber por excelência – a Antropologia, ela mesma, a Teologia etc.

Por tudo isso, Dostoiévski é um escritor antropocêntrico e faz isso no diapasão do seu mundo – ressaltou Righi. Sua obra enxerga o mundo atrás de si e esclarece um tempo que está por vir. A face de Dostoiévski pode ser vista no narrador do subsolo (personagem de Memórias do Subsolo), o da agressão gratuita, que vê o inimigo na esquina; o do universo das multidões anônimas, em meio às inúmeras frustrações.

Para Righi, Dostoiévski é um cientista das Letras, que experimenta com seus personagens e assim “não há tepidez na obra dele”. Dostoiévski não é um esteta, mas um investigador que cria personagens nas situações-limite e, talvez por isso mesmo, tenha se tornado um clássico universal.

Maurício Righi completou sua apresentação fazendo um paralelo entre a obra do teórico francês René Girard, sobretudo no livro Mentira romântica e verdade romanesca, para confirmar a intuição que provém dos escritores romanescos (como Dostoiévski).

O escritor russo é visto assim como um senhor dos ambientes criados pelo orgulho e a vergonha, em cuja oscilação reside o paroxismo, como se o leitor fosse jogado numa montanha-russa, num clima de esquizofrenia, em que impera a destruição pessoal (morte, suicídio, loucura), pelo fascínio que se tem pelo ódio, pela relação sadomasoquista, o desejo desmedido, a negação deste e a queda. Enfim, no homem de Memórias do subsolo, Dostoiévski compreendeu isso na totalidade.

Seguiram-se amplos debates com Tobias Goulão e Ademir Luiz, com três perguntas provenientes da plateia. Tudo valeu a pena ao celebrarmos o Bicentenário deste escritor de quem o crítico austro-brasileiro Otto Maria Carpeaux disse ser o maior do séc. XIX e o que mais influenciou o século XX, porque “o que ele fixa – e com que segurança! – são as paisagens da alma”.

Antes do início do segundo dia do Simpósio, momento de descontração com os palestrantes

O que dizem os palestrantes sobre o Simpósio.

Donizete: “O Simpósio Dostoiévski 200 anos insere-se como um marco no cenário cultural goiano. Joga literatura de alta octanagem na capital do sertanejo. Paradoxal, como a obra dostoievskiana.”

Elena Vássina: Primeiro, fiquei impressionada com o público. E não apenas com o fato que o teatro ficou lotado, mas também com aquele engajamento bacana da plateia: anotações, dúvidas, perguntas provocantes e provocadoras durante e logo depois do seminário, tudo que me fez pensar mais em Dostoiévski. Segundo: o brilho intelectual e poético do discurso da abertura de Aidenor Aires e dos debatedores e dos palestrantes do 2o dia, este brilho que estava à altura de melhores eventos literários internacionais e que foi um forte estímulo para pensar nas novas e inesperadas facetas deste clássico que sempre se atualiza em novos contextos e diálogos literários. Lembrei-me de Mikhail Bakhtin, grande estudioso de Dostoiévski: “Ser significa comunicar-se dialogicamente. Quando o diálogo acaba, tudo acaba. Por isso, em princípio, o diálogo não pode e não deve acabar.” Vamos continuar dialogando? Ah, mais uma coisinha: no seminário sentimos que Dostoievski, depois de 200 anos, está mais vivo de que nunca!

Maurício G Righi: “Amei cada momento de nosso encontro, principalmente as pessoas que conheci como a professora Elena e o Ademir. Os pontos altos foram bem levantados pela professora e penso que tivemos um encontro em alto nível, quando pudemos revisitar esse gigante russo, um imortal, tomando de empréstimo um pouco de sua sabedoria, um pouco de seu mundo imaginário genial, que nos revela enquanto pessoas, enquanto seres modernos. Parabéns a todos.”

O que dizem o Debatedores:

  • Solemar Oliveira (físico, professor e escritor): “O Simpósio: 200 anos de Dostoiévski, realizado pelo SESC em parceria com a UBE-GO, foi um marco acadêmico em Goiânia. Contando com nomes de respeito e conhecedores da obra do escritor russo, o seminário foi um momento único para o debate amplo à respeito da obra de Dostoiévski e de suas múltiplas implicações em diversas áreas do conhecimento humano, a saber: a filosofia, a psicologia, a história, a literatura, dentre outras. O debate atualizou o leitor goiano e mostrou que a leitura atenta de clássicos como Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov e O Idiota são intelectualmente enriquecedores e formadores de uma opinião crítica, social e política.”
  • Carlos Willian Leite (editor e poeta, presidente do Conselho Estadual de Cultura):
    “A questão não foi apenas discutir Dostoiévski; o importante foi fazê-lo em Goiânia, cidade onde os acordes do sertanejo ecoam pelas planícies e os ritmos de bota e chapéu dominam o cenário cultural. E com um detalhe: o teatro estava lotado em plena segunda e terça-feira.”
  • Ademir Luiz Silva (escritor e presidente da UBE/GO): “O Simpósio Dostoiévski 200 anos foi um marco para o cenário cultural goiano. Tanto pela produção profissional promovida pelo Sesc quanto pelo alto nível dos debates, mas o mais importante foi provar que existe interesse do público goiano em prestigiar eventos literários. Dostoiévski aprovaria, com certeza”.
  • Tobias Goulão (professor da Universidade Católica de Anápolis): “Imaginar um simpósio sobre o bicentenário do grande Mestre de São Petersburgo, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, em Goiânia (Goiás), e com a presença de ilustres estudiosos de sua obra conhecidos em todo o país foi o sonho de um homem que nunca pensou que isso seria ridículo. Adalberto de Queiroz descobriu ser o dever de nossa terra poder prestar essa homenagem a Dostoiévski e oferecer aos goianos um momento junto à professora russa Elena Vássina e ao grande estudioso girardiano Maurício G. Righi. Podermos, por dois dias, ouvi-los e receber um pouco do resultado de seus estudos foi uma experiência única. Tal como mencionado durante o evento, ele já nasceu como um marco histórico. Um marco indiscutível. Daquelas iniciativas de homens fortes que têm no sonho a matéria-prima para o real, para o que será feito, não ligando para os revezes das circunstâncias.”

[1] Adalberto de Queiroz é jornalista e poeta, membro da AGL e da AGnL em Goiânia.

Crônica em O POPULAR (Goiânia, GO) – O poderoso grão de mostarda

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Simile est regnum coelorum grano sinapis, quod accipiens homo seminavit in agro suo” –
“O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo” (Mt 13, 31) – cf. https://rumoasantidade.com.br/grao-mostarda-igreja-catolica/
LEIA O TEXTO COMPLETO ABAIXO

Já houve quem designasse a adolescência como o campo de provas necessário a toda a vida humana. Ao sair da infância, eu cruzei a rua e adentrei o campo de eucaliptos que havia em frente ao orfanato em direção a um destino que à época me parecia nebuloso, embora pleno de esperanças.

Senti às vésperas da adolescência a necessidade premente de desenvolver-me na arte de falar em público como uma tentativa de superação de minha timidez e alheamento às atividades coletivas – sou grato a esse exercício que me abriu muitos caminhos ao jovem adulto e nas fases seguintes. E foi assim que, ouvindo conselhos de meus pais adotivos, decidi: queria ser pastor.

Aquele ruidoso movimento de garotos em brincadeiras intermináveis (e às vezes violentas) não me agradava. A solidão me atraía; e recolhido ao alto de uma tulha de sacos de arroz, na companhia de um livro ou na biblioteca, onde degustava o silêncio, atento aos sons emanados das histórias provenientes das leituras – isso promovia o conforto ideal ao menino solitário que fui e ali parecia ouvir vozes…

À noite, em volta da minha cama, os meninos menores ouviam meus relatos das leituras diurnas, principalmente em aventuras de viagens pelo sertão, que me deliciavam na escrita de um Francisco Marins, por exemplo em “O bugre do chapéu de anta”, livro que ganhei de presente da esposa de um pastor pernambucano e que foi meu primeiro livro de milhares de outros que acumulei ao longo desses sessenta e poucos anos de vida.

Porém, não são as leituras a pauta desta crônica e sim a superação de um período dito como campo de provas necessárias à passagem à idade adulta (a adolescência) e o encontro da fé.  A decisão de ser pastor não durou muito; fui estudar Física em Goiânia e segui por caminhos tortuosos em relação àquele clima inicial de transparência mística.

No entanto, a fé em Jesus Cristo e a experiência de vida, apesar de todos os percalços, me levaram a cristalizar no coração crenças duradouras por caminhos nem sempre ortodoxos.

Ainda menino a fé desabrochou em meu interior, seguindo o exemplo dos meus pais adotivos e, principalmente, de minha avó Cecília que me ensinara as primeiras letras e me orientara nos caminhos do olhar para o sobrenatural, plantando sementes do ato de fé que se consolida na idade adulta.

Do tempo que vivi no Abrigo em Anápolis, guardo o choque do atropelamento de um menino quase da minha idade e, pouco mais tarde, outro diante da notícia dada por nossa mãe adotiva da morte de um de nossos irmãos por leucemia. Como já aprendera algumas preces, interiormente me consolei pedindo ao Pai que recebesse o irmãozinho morto. O céu, as estrelas, os fenômenos todos da Natureza pareceram sempre ao menino epifanias, revelações do alto poder de um Criador que não se esqueceria dos meninos do Abrigo.

Quando o teto do dormitório dos meninos desabou sob uma chuva intensa, buscamos esse poder do Alto, como que me antecipando aos versos do poeta católico alagoano Jorge de Lima que conheceria já adulto: “Menino Jesus, miserere nobis, /segure com força a minha mão”.

Sei que a fé é um chamado superior. Mesmo diante das mais penosas crises da adolescência procurei dar ouvidos a esse chamado. Três aspectos do ato de fé me chamam hoje a atenção: “A fé é sobrenatural, livre e racional. Esses três aspectos são complementares; sustentam-se mutuamente; implicam-se sem descontinuar, e a vida da fé consiste, entre outras coisas, em manter vivo o equilíbrio desses três polos entre os quais, como num campo de forças elétricas, oscila o ato de fé” – diz o Abade Charles Moeller).

Semeado na infância, aquele pequeno grão de mostarda continua desejoso de crescer no solo de minha alma. Afinal, certo está São Paulo, para quem “A fé é o fundamento da Esperança, é uma certeza a respeito das coisas que se não veem…” Rezo para que a fé continue sendo esse poderoso grão de mostarda.

Para além dos Eucaliptos (Crônica)

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Veja o texto original (e completo) abaixo da figura do jornal O POPULAR.

Sabe o benévolo leitor que o auge do meu dia a dia no Abrigo, naquela época, eram os fins de tarde, quando, depois do banho e de tomar nossa sopa cotidiana, eu já adolescente ficava postado em frente ao arco de entrada do prédio principal, observando o pôr do sol e as revoadas de periquitos na matinha de eucaliptos do outro lado da rua. Ali era o caminho que dava acesso às terras dos missionários americanos, lugar de passagem e de ritos importantes em minha caminhada futura.
Tudo começa naquela fase pela obtenção de alguns direitos que só “os grandes” possuíam: sair sozinho ou em companhia de um irmão mais velho, no meu caso, com a minha irmã adotiva predileta – a Laíde, a mesma do acordeon e sua inesquecível interpretação de “Saudades do Matão” [por favor, revisor, deixar o termo em francês, mesmo incorrendo em um galicismo, pois foi assim que o incorporei ao meu poema e ao meu léxico].

Percorrendo aquele caminho por entre os eucaliptos, minha irmã e eu alcançávamos em menos de um alqueire as terras do Colégio Couto Magalhães e, sozinho, com mais meio alqueire, estaria frente à porta da casa do missionário Reverendo Archibald e sua esposa Dona Mildred, onde estava a um passo de um copo de leite gelado com bolo de chocolate, servido com afeto e conversação sempre agradável, onde sobressaía o paternal tratamento que eu recebia do chefe da casa.

Carrego comigo valiosas reminiscências daquele momento em que poderia ter aprendido inglês diretamente da fonte com falantes nativos, mas eis um feito que não fui capaz de realizar à época. Depois, segui frequentando as escolas de inglês, primeiramente no Yázigi cuja primeira lição ainda guardo de cor: “Doctor Thomas Baker, an American architect, his wife Susan and their two children have just arrived at Galeao International Airport…

Ali estava o menino à beira de se tornar um rapazinho desejoso de saber mais sobre “o mundo lá-fora”, sobre tudo o que havia para além do bosque de eucaliptos. Que eventos lhe estariam reservados para o depois da epifania do pôr do sol e seus periquitos tagarelas?

Relendo o extraordinário escritor norte-americano Cormac McCarthy (1933-2023) anotei uma frase de grande sabedoria sobre o que aquele período pôde ter sido e o que é para todo menino: “era bom que Deus escondesse as verdades da vida dos garotos quando começavam a vida senão eles não teriam coragem sequer de começar.”

Foram inúmeras dificuldades, sim, o que encontrei à frente, mas nada me impediu que eu desse partida à vida de adolescente e depois de jovem adulto; nada me desanimou de enfrentar os desafios que me fortaleceram para chegar a esta quadra da existência de sexagenário. Hoje considero aqueles inolvidáveis fins de tarde eventos históricos na vida privada de um menino que sentia na pele a passagem da infância à adolescência – tudo parecia, como aprendi mais tarde em Mircea Eliade, camuflar significados de ordem espiritual e revelar uma nova dimensão existencial – quem sabe, uma onírica experiência da liberdade absoluta.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POESIA DE MARRA SIGNORELI

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            A iluminação das Dançarinas de Leucoteia

            Ou: quando a imagem dança na poesia de Marra Signorelli

            Tomemos o título para compreender que Signorelli conhece o enredo que está musicando. Falamos do canto V, da Odisseia, de Homero, por sinal texto de uma das epígrafes do livro: “Leucoteia, afamada pelos pés sedutores […] recebia agora honras de deusa marinha.” – transcrito pelo autor conforme à tradução feita por Donaldo Schüller.
Ora, sabemos através do poeta inglês Robert Graves[i], que:

Ino era Leucoteia, a Deusa Branca, e provou sua identificação com a deusa tripla fazendo uma orgia no monte Parnaso. Seu nome (“a que dá vigor”) sugere orgias itifálicas e o crescimento vigoroso dos cereais. Meninos devem ser-lhe sacrificados de forma sangrenta antes de cada semeadura invernal. Ao mesmo Zeus atribui-se a deificação de Ino como demonstração de gratidão pela sua amabilidade para com Dionísio, e Atamante tem um nome agrícola em sua homenagem.”

            Leucoteia está ligada ao nome de Atamante e relacionado ao mito com Atamânia, cidade da Tessália. São histórias arcaicas que vez por outra voltam a inspirar os poetas e os mitólogos, ou ambos, como no caso de Graves. Deusa-mãe dos centauros, (Ino) Leucoteia – a que aparece no Canto V da Odisseia, reaparece no livro do jovem poeta Marra Signorelli. Ele prova estar de acordo com o aforismo de Graves, segundo o qual “a primeira riqueza do poeta é o conhecimento e o entendimento dos mitos”.

            Na mais famosa dessas histórias poéticas está Ino (Leucoteia) ligada mesmo a “Odisseu, cujo nome significa “zangado”, e representa o rei sagrado de pele avermelhada, que em latim recebe o nome de Ulisses (ou Ulixes) – palavra provavelmente formada a partir de oulos, “ferida”, e ischea, “coxa” – referindo-se à ferida causada pela presa de um javali, que sua velha ama reconheceu quando ele voltou para Ítaca…Odisseu de algum modo havia sobrevivido à ferida” – garante Graves.

            O jovem poeta goiano, como os centauros, ele próprio filho de uma terra agrária, parece admitir a hegemonia da Deusa Branca, de que nos fala Graves, logo no início do livro, mas diverge (ou pelo menos lança dúvida) quanto à centralidade religiosa que o poeta inglês deu a ela em “A deusa branca: uma gramática histórica do mito poético”, conforme vemos no poema Prelúdio:

Ó serena Leucoteia,
vi teu cetro e teu escudo,
e o brasão d´ave sombria
mais o espelho que o rodeia

pra eficácia da magia:
quem nele se forma, em tudo
se rende às normas do cetro;
perde o juízo, se fia

em qualquer distinto metro
de seu próprio, mas a ideia
da fuga é ouvir o que voa
e achá-lo, íntimo e certo,

como a corda, que ressoa.
Ó Serena Leucoteia,
vi teu cetro e teu escudo,
e onde está tua coroa?

            Uma paráfrase me atrai muito ao ler e reler este poema: aos 66 anos, ainda me diverte o paradoxo de a poesia sobreviver obstinada na atual fase da civilização – diminua um ano na idade do narrador e estará o leitor diante do texto de Robert Graves (1895-1985) no seu consagrado e polêmico “A deusa branca” (2003). O entrecho é este:

“Embora reconhecida como profissão erudita, [a poesia] é a única para cujo estudo as academias não estão abertas e para a qual não existe um padrão de medida, ainda que tosco, com o qual se possa avaliar a perícia técnica. “Os poetas nascem, não são feitos”. A dedução esperada disto revela que a natureza da poesia é demasiadamente misteriosa para suportar um exame. Com efeito, é um mistério ainda maior do que a realeza, pois reis tanto são feitos quanto nascem e as falas citadas de um rei morto pouco pesam, quer no púlpito, quer na opinião pública.”

            A síntese desse raciocínio sofisticado de Graves leva o leitor a concluir que “a verdade é que só o minério de ouro pode ser transformado em ouro; apenas a poesia torna-se poema”. Creio que isso se aplica inteiramente a (João Antônio) Marra Signorelli neste livro que tenho sobre a mesa e que tanto me desafia como leitor e poeta menor – não considerando aí nenhum dote crítico.

            A propósito, lembro-me muito bem quando escrevo sobre poetas (e livros de poesia) daquela magistral advertência de George Steiner: “O crítico vive de segunda mão. Ele escreve sobre. O poema, o romance ou a peça têm de ser dados a ele; a crítica existe pela graça do gênio de outros homens. Em virtude do estilo, a própria crítica pode tornar-se literatura”, mas “não é a crítica que faz a linguagem viver”.

            Tal não é o caso da crítica desenvolvida por Wladimir Saldanha, que é também poeta (e dos bons), que fez o prefácio (intitulado “Se não se morre de amor”) deste livro de Signorelli e transcrita em “Modos de romper a névoa[ii]” (2020):

Seria possível demorar-me em páginas sobre os sutis jogos formais de Marra Signorelli, jogos que talvez não sejam perceptíveis facilmente. Há coroa de sonetos, personagens líricas – Dado e rara, por exemplo – e grande brilho na escolha lexical, até mesmo em versos simples, como “e agora acaricia as cores” ou “acaba de buscá-la na ambulância”. Estes dois são exemplos de uma imagem desenhada que, pela coloquialidade, deixa ver um dos caminhos possíveis da poesia posterior do autor, caminho também temático, o da vivência púbere e adolescente modulada em música sofisticada, só aparentemente simples. Tal poema, assim como os quatro avulsos recolhidos em um Apêndice – destaque para “À rosácea de Notre-Dame” [vide transcrição abaixo] – dizem muito de uma poesia já bastante consciente e ainda por ampliar-se.
“Em apresentações e prefácios, costumo não me demitir da posição crítica de resenhas e ensaios, mas aqui fiz questão de escrever em primeira pessoa e polvilhar o texto de informações que só a convivência pode fornecer. Isto porque acompanhei pessoalmente, por anos a fio, a refundição deste livro, desde que João Antônio me enviou o primeiro original, e nele reconheci a força de um poeta legítimo, alguém devotado à poesia como sua razão de ser. Leucoteia foi embelezada, engavetada, esquecida, aumentada, diminuída, finalmente lembrada, depurada, ajustada. Aqui está para os leitores, e eu me despeço dela, como Signorelli já terá se despedido. Dance livre, minha querida. Ensine-nos de novo a morrer de amor.”

            No primeiro paratexto do livro (a orelha), o poeta baiano João Filho comenta que, na sua forma integral o livro pode ser visto como uma espécie de coreografia poeticamente estruturada, que tem uma musicalidade mágica – e esse adjetivo “mágico”, garante João não é casual porque a cadência lograda por Signorelli de verso a verso, poema a poema – é encantatória.

            De fato, o livro é de uma musicalidade incrível. Afinal, o poeta é também músico e neste livro dessa espécie de balé simbólico vão se transfigurando, vão passando pela nossa frente musas nomeadas: Leucoteia, Lúcia, Rara, Mariana, Bárbara, Amanda, Helena, Cibele, Luísa…como se a deusa-branca, Leucoteia, se fundisse nas figuras humanas dessas mulheres e o poeta tome consciência da figura da Musa.

            Marra Signorelli é um desses jovens poetas surgidos daquele movimento que Wladimir Saldanha chama de “underground estético”; isto é, poetas que saíram do subterrâneo da produção, em que domina o multiculturalismo, para produzir algo novo, interessante e que nos dá um enorme prazer de leitura.

            Em vários sonetos, Marra Signorelli não apenas demonstra o domínio da forma como da musicalidade e gera prazer estético de alto nível, de forma a lançar o leitor para um espaço-tempo que vaga além do mero domínio formal. Wladimir já dissera que o poeta Signorelli está “buscando, sempre, algo além da mesma forma – aquilo que ela, ora por insuficiência, ora por crueldade, nunca lhe franqueia”. Releio este Soneto (p.23):

A vida é simples. Simples é o mistério.
Você não pense que eu lhe disse “juras
de amor”, como se tintas tão impuras
pudessem assinar contrato sério.

Bem sei que em meio a tantas amarguras
você tampouco segue o seu critério
(o complicado exerce seu império
no coração ansioso por rupturas).

E a vida é básica é elementar
a tábua em que Órion caça para sempre.
Olhemo-na, que é linda e legível

até que, enfim, ao coração adentre
não sei que luz de antigo iluminar
e o amor se torne menos impossível.

Poeta e músico João MARRA SIGNORELI

            E mais não digo, esperando que o leitor vá por si mesmo à busca das diversas vozes que modulam os movimentos de “As dançarinas de Leucoteia”, que descubra per si a musicalidade do jovem poeta goiano de quem, certamente, os futuros leitores dirão ter identificado uma voz única, o canto exato e musical de um verdadeiro cultor da poesia neste século XXI.

 À rosácea de Notre-Dame[iii]

Considere que a rosa permanece.
A espiga queima ao prato da balança,
é uma candeia que jamais perece.

Dissolveu-se no orvalho a nossa prece,
e de muito cantar a voz se cansa;
considere que a rosa permanece

e fere as chamas, como se estivesse
desabrochando na desesperança,
é uma candeia que jamais perece

mesmo se, rosa, da roseira a viesse
colher, a jovem, para pôr na trança:
considere que a rosa permanece.

Também sou cinza e a cinza me arrefece;
a lágrima combusta na tardança
é uma candeia que jamais perece,

que ora ilumina a lúcida quermesse
silenciosa na noite à qual se lança.
Considere que a rosa permanece
– é uma candeia que jamais perece.

 SOBRE O POETA

João Antônio Marra Signoreli nasceu em Goiânia, em 1989. É poeta, redator e professor de literatura. Compõe música amadoramente. Publicou o livro Klívena Klarim (Editora Kelps, 2011). Contribuiu para as revistas Diversos Afins (69º leva, 2012), Mallarmargens (Poemas Vol.1. N.2, 2012), Nichtsalsschoenheit (#3 Flucht ins Paradies, 2016) e Perseus (Vol.1. N.1, 2018). Também contribuiu para a antologia Poesia brasileira em contracorrente: o retorno estético do século XXI (Mondrongo, 2019, Bilingue: Port/Fran). Teve sua poesia musicada por Alex Nante nas composições Romántica (estreia em Buenos Aires, 2014) e Canto da perda (estreia em Paris, 2015). Também musicou seus próprios poemas nas canções Madrigais Misteriosos, estreadas no festival Goiânia Música Hoje em 2015. Essa peça, ao lado de duas miniaturas para piano foram estreadas em Buenos Aires, em 2014, e pode ser escutada em seu Soundclound (soundclound.com/marrasignoreli).



[i]GRAVES, Robert. “Os mitos gregos”, vol. 1, trad. Fernando Klabin, 2ª. ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018, item 70 4., pág. 350.

[ii] SALDANHA, Wladimir. “Modos de romper a névoa: crítica de poesia brasileira contemporânea e temas afins”. Itabuna (BA): Mondrongo, 2020. Ver p.86-93.

[iii] SIGNORELLI, Marra. “As dançarinas de Leucoteia”. Itabuna, BA: Mondrongo, 2020, p. 117. Deste poema, o autor destaca em epígrafe que foi feito em ocasião do incêndio na Catedral de Notre-Dame de Paris, em 15/IV/2019.

BICENTENÁRIO DE DOSTOIÉVSKI é LEMBRADO EM GOIÂNIA

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Tenho a honra de coordenar este projeto que traz o patrocínio do SESC/GO – Fecomércio. Um evento inédito em Goiânia, que reúne palestrantes de renome em torno de um escritor que, segundo o emérito crítico Otto Maria Carpeaux “é, senão o maior, decerto o mais poderoso escritor do século XIX; ou do século XX, pois a sua obra constitui o marco entre dois séculos de literatura”. E prossegue: “Literariamente, tudo o que é pré-dostoievskiano é pré-histórico; ninguém escapa à sua influência subjugadora, nem sequer os mais contrários”.

Esta é uma chance de reabilitar as celebrações que não foram possíveis de modo presencial em 2021, por conta da pandemia do Covid-19, sendo esta oportunidade a primeira atividade presencial em torno do homenageado. Assim, em dois dias de atividades, eméritos palestrantes falarão sobre a obra do autor russo e terão chance de debater com escritores locais e com o público em geral. O Simpósio contará com os seguintes palestrantes convidados: Elena Vássina, Maurício G. Righi e José Donizete Fraga.

Os palestrantes

Elena Vássina, professora, pesquisadora e ensaísta russa, falará sobre o “Universo literário e filosófico de Fiódor Dostoiévski”.  A palestrante resume assim sua palestra:

“Atraindo um número cada vez maior de interessados, influenciando gerações de escritores e pensadores de diversas áreas, as obras de F. Dostoiévski (1821-1881) têm uma amplitude e uma impressionante atualidade nem sempre presente para leitores de hoje. A criação de Dostoiévski é tão profunda e complexa que continua a ser um estimulante desafio a estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento científico, artístico e cultural. A palestra propõe a análise das principais características do universo literário e filosófico de Dostoiévski com foco nos seus mais importantes romances: “Crime e castigo”, “O idiota”, “Os demônios” e “Os irmãos Karamázov”.  Na nossa abordagem estarão tanto as questões da poética (sistema de personagens, composição, tempo e espaço (o cronótopo), quanto as principais vertentes da problemática da criação de Dostoiévski: seu conteúdo ideológico, filosófico e psicológico.”

Dostoiévski, o profeta da Modernidade – Uma reflexão sobre o apocalipse

No segundo dia do Simpósio, Maurício Righi abordará o tema do apocalipse na obra do autor russo, trazendo ao debate a leitura que vem fazendo desde seu livro de 2019 – “Sou o primeiro e o último” em que se vale da teoria do escritor francês René Girard para aprofundar a leitura de Dostoiévski. Escritor e autor de “Pré-História e História” e de “Sou o primeiro e o último” e tradutor de diversas obras, Mauricio faz uma leitura original do autor russo sob a inspiração do grande crítico e pensador francês René Girard, gerando um dos mais importantes estudos em teoria mimética e apocalipse, no qual Dostoiévski tem um papel relevante. Righi resume assim sua intervenção no Simpósio:

“A modernidade soube reajustar a atividade profética segundo um dispositivo criativo que ela mesma gerou, o Romance. Ambos nasceram praticamente juntos e foi desse corpo, em que se anunciava uma renovação na ciência de expressar os dramas e as inquietudes humanas, que surgiu outra maneira de fazer profecia. Essa antiga   ocupação sumamente reflexiva e corajosa, uma forma bastante rigorosa de pensar as relações que os homens têm uns com os outros como também com aquilo os ultrapassa, entrou em renovado processo de articulação e de desenvolvimento internos, quando tivemos safras abundantes de escritores que nos mostraram “as coisas ocultas,” em cuja face revelada, por meio de histórias romanceadas, descobrimos, um pouco mais e melhor, quem somos. Esses autores-profetas nos revelaram e ainda nos revelam, desnudando nossas loucuras e descaminhos, nossas ilusões e vaidades, mas também, em certos momentos, nossa grandeza. Talvez, e aqui  me amparo em alguns gigantes com a mesma opinião, Fiódor Dostoiévski tenha sido mais inspirado autor moderno desse gênero de escrita, que revela quem somos e o que estamos fazendo, e o autor russo não somente leu com perfeição a sociedade em que vivia como também foi capaz de antecipar muitos de seus principais desdobramentos: ele enxergava o que se ocultava nas entranhas dos relacionamentos humanos, enxergava as correntes de pensamento e onde se modelavam, enxergava, enfim, como um bom profeta, os “descaminhos do povo,” alertando sobre o desastre premente. E assim foi.

Maurício destaca ainda:

“Em minha exposição para o evento organizado pelo amigo, escritor e jornalista Adalberto de Queiroz farei uma defesa de Dostoievski como o profeta moderno por excelência, valendo-me sobretudo das reflexões do teórico francês René Girard sobre o autor russo. Nesse sentido pretendo mostrar como tanto Dostoiévski como Girard são autores fundamentalmente apocalípticos, como ambos se alinharam, cada um a seu modo, a uma inteligência antropológica que revela o “coração” dos homens, podendo então estabelecer julgamentos (leia-se, discernimentos) realmente precisos sobre os dramas sociais. Minha ênfase, todavia, será colocada em Dostoiévski, principalmente em três livros capitais desse autor russo: O Homem do Subsolo, Os Demônios e Os Irmãos Karamazov, com os quais abordaremos a questão do super-homem moderno e suas rivalidades crescentes. Por fim, como remate à nossa reflexão, nos caberia, penso, articular as apreensões de Dostoiévski com o tema propriamente distinto do apocalipse e de sua literatura, a apocalítica, iniciando uma breve discussão com base em alguns pontos de meu livro “Sou o Primeiro e o Último” (Editora É Realizações), lançado em 2019.

Também no segundo dia do Simpósio, teremos a oportunidade de ouvir a palestra do escritor goiano José Donizete Fraga, membro da Academia Goianiense de Letras que falará sobre o tema “Dostoiévski e o Homem Fraturado”, quando dissertará sobre o tema de seu Mestrado, abordando a escrita de Dostoiévski e a quebra do homem, tangenciando temas como; Livre-arbítrio. Dissonância. Queda e Redenção. Metanóia e Transcendência.

Link para inscrições (evento presencial em Goiânia -vagas limitadas. https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSe2hzP7FbUJArzQkA6K4ygXdUk3_kD_lKrrY7XWDCxeWbyV8g/viewform

Crônica de Hoje, 07 de agosto em O POPULAR

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Abaixo o texto na íntegra.

Havia o cronista superado aquela fase que Alberto da Costa e Silva tão bem define em seu inesquecível poema “Hoje: gaiola sem paisagem”, isto é, passava da meninice à adolescência. Creio que o benévolo leitor apreciará reler um trecho daquele poema, antes de entrar naquele cenário posterior: “Nada quis ser, senão menino. Por dentro e por fora, menino. Por isso, venho de minha vida adulta como quem esfregasse na pureza e na graça o pano sujo dos atos nem sequer vazios, apenas mesquinhos e com frutos sem rumo. / Como se escovar os dentes fosse montar num cavalo e levá-lo a beber água ao riacho! / Como se importasse à causa humana ler os jornais do dia!
 
Hoje, revisitando aquele período, como um observador privilegiado de uma adolescência e juventude que configuram tempo de dúvidas, vejo-me em igreja e cultos, em torno de livros e namoricos, de culpa; foi um tempo que ser escoteiro fez nascer um espírito de camaradagem, e o tempo de férias trazia-me primos e primas, longe do Abrigo.
 
Porém, a síntese é que vivi um tempo de medo. De todos os medos, o Medo, o mesmo que feito mancha indelével não desgruda jamais de nós quando adentramos a vida de adulto, àquela “gaiola sem paisagem” do poema.


Se, por um lado, foi ali que consolidei minha ligação umbilical com a metafísica, descobrindo um misticismo não eclesial; de outra parte, foi onde acumulei o maior conta-giros de culpas e temores.
 
Não é incomum que eu reveja um menino magricela de banho recém tomado, olhando curioso os periquitos que revoavam, no fim de tarde, em Anápolis, na florestinha de eucaliptos, a um só tempo encantado e assustado com o pôr do sol, rebrilhando nos eucaliptos da quadra em frente ao Abrigo (área dos missionários americanos, e importante caminho para o rito de passagem).
 
Criado ali por pais adotivos de confissão cristã evangélica, aprendi desde cedo “o caminho em que deveria andar”. Os protestantes daquela época, ainda em minoria no país, eram zelosos no culto dos hábitos e no hábito do Culto. Se hoje continuo rezando, devo a eles o aprendizado das preces antes da refeição, às quartas e aos domingos (cedo, quando jovem, na chamada escola dominical e, à noitinha, com os adultos).
 
Foram eles os responsáveis por consolidar minha fé no Criador, que minha avó Cecília havia transmitido desde muito cedo, antes do tempo do Abrigo. Então, quando me mudei para Goiânia, aos 17 anos incompletos, vivi um tempo de descrença e abandono de qualquer culto. Em Porto Alegre, para onde mudei-me logo que me casei, voltei a pensar menos na realidade crua do dia a dia e comecei a frequentar os cultos entre os Episcopais.
 
Finalmente, espelhado no exemplo de minha sogra-mãe (e da minha esposa), passei a comungar da fé Católica. Hoje, mais de vinte anos depois de minha Crisma na Paróquia Nossa Senhora Aparecida em Goiânia, posso dizer que meu misticismo e minha fé se fortaleceram no convívio com a Igreja e com as orientações do meu conselheiro espiritual da idade adulta, Padre Rubens.

Sigo de olho na realidade, ao mundo físico, mas com um olhar ainda mais firme para o Eterno, o metafísico. Neste olhar para o passado, no entanto, me é impossível deixar de flagrar uma melancolia tangível em torno ao adolescente assustado que fui. Parece que às vezes se pode flagrar uma lágrima. Parece, como nesses versos do chileno Vicente Huidobro (trecho de Canto V de Altazor, 1931):

Você viu o menino que cantava
O menino que cantava preso a um soluço
Ou a um latido de um cão inconsolável?
Você viu o arco-íris sem cores
Terrivelmente envelhecido
Que volta do tempo dos faraós?
O medo muda a forma das flores
Que esperam tremendo o Juízo Final…
 

CRÔNICAS AMERICANAS (2)

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Crônicas americanas (1)

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On the road again

Crônica em que se juntam Orfeu & Eurídice, George Steiner e o acordeon de minha irmã

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Crônica “Da água ao Pó (Parte 2)

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Para ler a primeira parte desta crônica, clique neste link.

Resenha crítica de “o rio incontornável” (Poesia)

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Clique no link para ler a resenha da professora/escritora Simone Athayde, da Academia Anapolina de Letras (GO).

CRÔNICA NO JORNAL O POPULAR DE GOIÂNIA

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Enchente de São José, Bernardo Élis, Ursulino Leão e as tradições goianas ligadas ao espanhol Juan Ramón Jimenez passeiam nesta e na próxima crônica do mês de abril. Confira.

Posts curtos – poema a Ursulino Leão

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Da série “Gênese de um livro”

O burrico

A Ursulino Leão.

 

Platero e eu” é história antiga
de quando os animais falavam;
quem contou foi Ursulino –
por Leão de sobrenome, mas
d’alma de cordeiro cativo.

No dia de seu octogésimo ano,
nós, seus leitores brindados
co’a história de um burrinho
queimado e malhado na testa;
burrinho de pernas rajadas
e de alma bíblica completa.

O burrinho da crônica além
de clone do jumento do Cristo,
milênios antes em Jerusalém –
nos encantava com seu dístico:

Dá-nos u’a “nesga de satisfação
na caligem dos nossos pesares”

Do burro xucro de meus dias
aprendi que escoicear o vento
inseparável companheiro cria
aos pobres, aos fracos intentos
de nossas bocas de infantes
um mundo de hosanas e vivas.
Platero e eu; eu e Platero
congresso de vida refazemos

E saio da história do amigo
desejoso de saudar o Cristo
com as palmas na mão agito
o hosana ao Filho Bendito.

Tudo por conta de um jumento
que, como de Balaão o animal,
enxerga, previamente ao seu dono,
figura do Anjo a libertar-lhes do Mal.

 O adeus do burrico é um gemido:
“uma nesga de satisfação
na caligem dos nossos pesares…”

(*) Ursulino Leão e euPlatero e eu“, título do romance de Juan Ramón Jimenez, Edição dos Livros do Brasil, sem data, desenhos de Bernardo Marques e tradução de José Bento. O livro foi tema de crônica de Ursulino Leão no jornal O Popular, Goiânia,  sob o título de “O Burrico e o meu (80°.) Aniversário”, depois reproduzida no livro de crônicas “GYN”, lançado pela Editora Contato/Kelps, 2015, p. 65/6.

Ursulino Leao e eu

Foto 1 – Com Ursulino na Casa Altamiro (1); e em visita a sua residência – (2).

O Japão, país do silêncio, aqui lembrado em crônica n´O POPULAR

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a invasão da ucrânia dura já mais de um ano… crônica n´o popular

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Sendas do Oriente ou: De volta para casa

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Crônica publicada dia 16/01/2023 no Jornal O POPULAR de Goiânia (GO).

Crônica de Natal no POPULAR

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Uma crônica sobre a solidão

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Crônica “A força inabalável do detalhe”

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O Popular, 22 de agosto de 2022.

Mais uma crônica no Jornal O Popular de Goiânia

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Crônica “Sem dó maior…” – a música na infância

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Crônica

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Publicada em O POPULAR, Goiânia (GO), 11 de julho de 2022.

Jornal O Popular, Goiânia, 11/7/2022

Crônica 27/06/2022

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No meu ofício de cronista

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Crônica de 13 de junho de 2022: ainda e sempre a infância do cronista.

Pirenópolis, Goiás…

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Acompanhe minha experiência na Newsletter no Substack.
Kawabata, Bernanos, Jung e um sonho ruim.

https://adalbertoqueiroz.substack.com/p/pirenopolis-e-mais?s=w

Leia e comente.

A Biblioteca do Futuro e um olhar para o passado

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Live com Ademir Luiz (UBE/GO) em que eu falo um pouco sobre Hugo de Carvalho Ramos e a Biblioteca do Futuro que já está no ar em sua primeira fase: https://bibliotecafuturo.com.br/

Biblioteca do Futuro é um espaço criado para os livros em formato digital. A literatura feita em Goiás ganhou sua casa para atuais e futuros leitores. Você também pode participar desta aventura. Obras contemporâneas terão espaço aqui na BF. Venha ler e colaborar. O futuro do livro é digital. Venha encontrar o futuro.

“Uma biblioteca digital é onde o passado encontra o presente e cria o futuro.”

Dr. Avul Pakir Jainulabdeen Abdul Kalam, Presidente da Índia – 09/set/2003.

Para ver a Live clique na figura abaixo.

Lançamento oficial da Biblioteca do Futuro

Destacado

BF – Biblioteca do Futuro torna-se realidade. Assista ao evento (Live) de lançamento de nosso projeto que agora se torna realidade.

Visite o site https://bibliotecafuturo.com.br/

Veja o vídeo


Rememória – 120 Anos de Cecília Meireles

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Conversei com Fernanda Correia Dias Meireles, neta de Cecília Meireles, rememorando os 120 anos da poeta, que nasceu em 1901 e faleceu em 1964.

https://www.facebook.com/plugins/post.php?href=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2Fadalberto.queiroz%2Fposts%2F10161708261402538&show_text=true&width=500

Crônica, O Popular, Goiânia 18/04/2022

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Dia de ver O Rei do Futebol

A poesia e a guerra

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Crônica no Jornal O POPULAR (Goiânia), 07/03/2022

Eu, cronista, em ação…

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Crônica de Adalberto de Queiroz, em O POPULAR, Goiânia, 21/3/2022
Crônica de 21/03/2022, em O Popular. https://tinyurl.com/betopop

Crônica em O POPULAR

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Crônica literária em Recorte Lírico

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com esta minha coluna na revista digital Recorte Lírico, a última do ano 2021, desejo aos meus leitores um Feliz Natal e um abençoado Ano Novo.

“Destarte” destaca Ursulino Leão

Destacado

Nesta quinta-feira, 07 de setembro, no Jornal Opção Cultural Online, meu artigo é sobre o cronista e romancista goiano URSULINO LEÃO.

Confira no link, clique na figura abaixo:

Ursulino Leão e eu

crônica em “O popular” (Goiânia)

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