Anotações de leituras.
Em 2006, passei boa parte do ano lendo o casal Raïssa e Jacques Maritain.
As notas de leitura são ilegíveis, mas têm para mim um significado muito especial.
Agora mesmo, trabalhando num novo livro de poemas, retomei temas que nasceram lá em 2006, com o casal Maritain, como a extensão deste verso de Raïssa, citado pelo companheiro Jacques:
“La douler m´a ravi mon enfance
Je ne suis plus qu´une âme en deuil de sa joie
Dans la terrible et stricte voie
Où vit à peine l´Espérance.”
+++++
Raïssa M., De Profundis, lettre de nuit, 1939.*
(*) Tradução minha:
“A dor raptou a minha infância
Sou apenas uma alma em luto pela alegria
E, nessa tremenda e estreita via,
É onde se vive apenas de Esperança.”
A dor da infância de Raïssa tem a ver com a dor escondida, jamais declarada que perpassou minha própria infância. Isso me levou à mitologia, onde encontrei o mito de Hefesto (Vulcano), o que no Olimpo foi capaz de dizer:
– “Eu não tenho mãe!”

Vulcano (Hefesto), lançado do Olimpo por sua própria mãe (Juno) por ter nascido feio e coxo.
Mandado a um orfanato em Anápolis, o menino que fui nunca perdoou sua Juno, aquela que me dera à luz e, sabendo-me coxo, lançou céu abaixo… sem nome de pai, sem nada.
Nunca foi fácil escrever sobre isso. Penso, reflito, mas não há senão que rezar para que o perdão aconteça…está a caminho. Afinal, nesta “via estreita/vivemos apenas pela Esperança”:

Eu, por volta dos 10 anos, no abrigo em Anápolis (GO)
“Caiu do amanhecer ao meio-dia,
Do meio-dia até a noite vir.
Um dia inteiro de verão, com o sol
Posto, do zênite caiu, tal como
Uma estrela cadente, na ilha egéia
De Lenos.”
(Milton, Livro I do Paraíso perdido, cit. por Bulfinch in O livro de outo da Mitologia: histórias de deuses e heróis, 3a. ed., Ediouro, 2006.
Post-post
Encontrei nos meus “guardados” essas notas de
sábado, 12 de novembro de 2005
Um casal admirável
Os amigos mais próximos sabem a importância de Jacques Maritain em minha caminhada espiritual.
Só mais recentemente tive acesso ao primeiro livro de sua esposa Raïssa, de quem o meu amigo Fábio Ulanin, da “Livraria Pasárgada” – garimpou pra mim o excelente “As grandes amizades“, em edição da Agir de 1964.
Agora, encontrei este website com informações preciosas em francês sobre ce couple admirable.
Os autores do artigo linkado [infelizmente o link não funciona mais, 12/08/2017!!], destacam que Jacques e Raïssa Maritain desempenham o papel de um “casal-farol” da vida intelectual e espiritual francesa, na primeira metade do séc. XX.
Neste artigo de 16/10/2003, somos informados que, tendo sido alunos deHenri Bergson, afilhados de Léon Bloy, amigos de Ernest Psichari, de Jean Cocteau (em 2003 foi celebrado o quadragésimo aniversário de sua morte), de Charles Péguy e de numerosas outras figuras ilustres, Jacques e Raïssa superaram as aparências de sua época, marcada por duas guerras mundiais, pelo positivismo que dominava o ambiente intelectual, para se consagrarem à busca da Verdade.
O testemunho de Jacques e Raïssa Maritain permanece profético até hoje. Para muitos cristãos que sonham com uma vida piedosa dedicada ao trabalho da inteligência, o casal Maritains nos ensina que “é necessário que o Amor proceda da verdade e que o conhecimento frutifique em Amor”. Aos apóstolos impacientes, tentados pelas estratégias de evangelização massiva, eles lembram que cada alma é única em seus mistério irredutível. Só a amizade espiritual pode reconciliar o chamado da caridade e o da verdade.
Este casal respondeu positivamente à vocação do sacramento do matrimônio de forma muito particular e cada um se transformou (sem que o brilho de um impusesse sombra sobre o outro) um convite à compartilhar as grandes amizades em seu caminho de santificação da vida.
Aos francófonos, boa leitura.
Seule l’amitié spirituelle peut réconcilier l’appel de la charité et celui de la vérité. Iil faut que “L’Amour procède de la vérité et que la connaissance fructifie en Amour”.
(Somente a amizade espiritual pode reconciliar o chamado da caridade com o da verdade. É preciso que o Amor proceda da verdade e que o conhecimento frutifique em Amor).
Republicou isso em Literatura Goyaze comentado:
Raïssa et Jacques MARITAIN, esperança e infância perdida…
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Olá!
O facebook me lembrou que republiquei uma tradução da Emily Dickinson em 2014, do seu blog. Ai vim ver o post de hoje. E ele é tocante. Quando me deparo com histórias extremamente pessoais uma parte de mim se sente um pouco constrangida por compartilhar tamanha intimidade sem conhecer de fato o outro… de qualquer forma.
Vim aqui para dizer algo em defesa as mães que “abandonam” seus filhos, (não que elas precisem ser defendidas – mas pode ser que te ajude no processo do perdão) sei que você provavelmente já ouviu, mas talvez, o abandono, tenha sido o maior ato de amor de uma mulher que foi geradora, mas não seria capaz de ser mãe, e talvez ter te deixado tenha sido o maior bem que ela fez por você. Dito isso, sei que pouco posso entender do seu sentimento, da sua emoção e de como é ter crescido sendo você. Mas sei que a sua dor de muitas formas, se transformou em algo belo, capaz de alcançar muitos outros, e acho (agora um achismo muito pessoal) que não é preciso caminhar em um estreito vale de esperança, quando se pode caminhar num amplo campo de confiança. rs
Obrigada por compartilhar um pouco da sua história!
obs: Tem um filme da modinha agora, chama Lyon, trata desse tema de uma maneira muito bonita. Se não tiver assistido, procure, acho que pode te emocionar de uma maneira positiva. (desculpe a extensão desse comentário estou trabalhando em ser mais sucinta) rs Até qualquer dia!
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Ah! Que bom os comentários são moderados! Olha, se não quiser publicar, ficaria grata, queria dizer isso a você, mas prefiro não ficar exposta na caixa de comentários. rs sempre fico com vergonha de comentar porque quero falar com o autor do texto, mas não com todos os passantes… rs
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Oi, Priscila. Obrigado, mesmo, por passar por aqui e deixar um pouco da sua sensível humanidade.
Abraço fraterno do Beto.
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São pouquíssimos os “passantes” por este cantinho, Priscila; e menos ainda os que se dispõem a abrir o coração com um comentário tão lindo. Não pude deixar de publicá-lo e vir dizer “Merci, mil fois, Merci!”
Beto
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Sem problemas Beto, foi uma sugestão apenas. rs
Gostei do acréscimo post-post, fiquei mais curiosa para pesquisar sobre eles!
Até breve!
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Pingback: O casal Maritain nos “Cadernos de Sizenando (2)” — Leveza e Esperança | Escuridão&Medos