Comunicação no I Colóquio de Poesia Goiana, 2017


Mesa da Nova Poesia ColoquioI Colóquio de Poesia UFG,  12 de Junho de 2017 – participação na Mesa coordenada pelo poeta Miguel Jubé, doutorando em Letras pela UFG; tema: “A nova poesia em Goiás”. Participação minha com os poetas Edmar Guimarães, Fabrício Clemente e a poetisa Dheyne de Souza.


Boa tarde!

Concordando com o escritor britânico Gilbert Keith Chesterton que: “a prova de toda felicidade é a gratidão” – gostaria que minha primeira palavra aqui fosse de gratidão. À professora doutora Goiandira Ortiz, e à equipe organizadora deste colóquio, ao professor e poeta doutor Jamesson Buarque, pela acolhida sempre fraterna e a comunhão da poesia – na admiração e no respeito mútuo – o que se estende ao coordenador desta mesa, poeta-amigo Miguel Jubé.
Pois bem, “Colóquio” – venho a descobrir, eu que nunca havia participado de um anteriormente – , que nada tem de coloquial – “o colóquio é um espaço de comunicação de certa maneira formal em comparação com outras formas comunicativas, pois sendo o objetivo a exposição ou debate sobre tema particular, não há muito espaço para se desviar, exigindo-se um formalismo na estrutura”…  Exige-se a língua culta padrão, o tom adloquial – é assim que me habilito, pois, como a devida regra manda a assim proceder.

Já havia eu escrito este texto para 15 minutos, quando recebi a mensagem do organizador sobre a orientação em 03 pontos – incluindo poemas. Desconfiado que sou de minha memória, peço que me permitam ler e não improvisar minha fala neste colóquio, tentando adaptar-me ao tempo disponível.

***Coloquio Poesia UFG dia 12.jpg

Comecemos, pois, depois dessa breve introdução, voltando-me à pauta de nosso colóquio. Cabe-me, pois, pedir socorro para orientar-me nesta jornada de um quarto de hora. Ao pensar na idade dos participantes que me circundam, e no tema desta mesa, lembrei-me de um artigo de O Espectador de Jose Ortega y Gasset:  “La vida es un viaje, decian los ascetas, y corrigiendo la puntería disparaban sus armas como dardos hacia la eterna posada…” – Por que eleger a viagem como metáfora substancial da vida inteira?! – nada me pareceu mais apropriado por ter sido considerado o poeta da viagem…

 – É o que indaga o mestre espanhol, para responder sobre a fugacidade, caráter essencial que é próprio de nossa relação com as coisas – o que me pareceu de grande utilidade para mim, hoje. Ao mesmo tempo em que dizemos a uma paisagem, de um acontecimento ou de um amigo, estão chegando (já vêm, já vêm…) temos logo que preparar nossos lábios para pronunciar: “ya se van, ya se van…” já se vão, já se vão…(Jose Ortega Y Gasset).

Estou diante de uma geração que possui muitos talentos e entre estes jovens poetas, donos de muitos recursos para a construção poética. Necessário acentuar que diante da “Nova Poesia”, sinto-me como um anão entre gigantes. É de um desses que busco a inspiração para começar a falar sobre a minha presença aqui hoje.

Há aí, em toda essa poesia nova os matizes apontados por Benedito Nunes e repisados por Jamesson Buarque de i. Verso livre; ii. Variedade rítmica; iii. Coloquialismo; iv. Estilo de mistura – em que convivem o “elevado e o vulgar, as imagens de choque e o humor”.

São CONSTANTES da nova poesia:

  1. Tematização reflexiva sobre a poesia (metapoesia);
  2. A poética do fragmento
  3. Estilo neo-retórico
  4. Configuração epigramática

Ao que eu adicionaria o palimpsesto eliotiano, dentro desta grande herança da tradição moderna.
Assim, volto a me perguntar “Por que me incluir entre os novos?
Foi uma questão que me coloquei diante do convite – ao qual repito sou muito grato.

Organizadores do evento I Colóquio de Poesia Goiana, juntamente com UF, UEG, IFEG e FAPEG.

Ou mais pertinente ainda – “Qual a função da poesia hoje?”
“Esta é uma questão – relembra-nos Robert Graves – não menos pungente porque a levantem com insolência tantos ignorantes ou porque a respondam apologeticamente tantos tolos. A função da poesia é a invocação religiosa da Musa; seu uso é a experiência de uma mistura de exaltação e horror que a presença dela excita. Mas, “hoje”?

“A função e o uso permanecem os mesmos, apenas sua aplicação se alterou. Outrora, esta fora um alerta ao homem de que deveria viver em harmonia com a família das criaturas viventes dentre as quais ele nasceu, por obediência aos desejos da dona da casa; atualmente, trata-se de um lembrete de que desprezou o aviso e virou a casa de cabeça para baixo por meio de voluntariosas experiências na filosofia, na ciência e na indústria, acarretando ruína para si e para sua família. O termo “hoje” significa uma civilização na qual os principais símbolos da poesia estão desonrados. Nela, a serpente, o leão e a águia pertencem ao circo; o touro, o salmão e o javali, à fábrica de enlatados; os cavalos de corrida e os galgos, às pistas de apostas; as árvores sagradas, às serrarias. Na atual civilização, a Lua é desprezada como satélite apagado da Terra e a mulher, considerada como “contingente auxiliar do Estado”. Nela [nossa civilização], o dinheiro compra quase qualquer coisa, exceto a verdade, e qualquer um, exceto o poeta possuído pela verdade.”
(…)
Pois bem, “Se vocês forem poetas, tomarão consciência de que a aceitação de minha tese histórica há de comprometê-los com uma confissão de deslealdade que estarão pouco propensos a fazer. Vocês escolheram seus afazeres porque eles prometiam fornecer-lhes um salário regular e algum lazer para prestar à Deus que adoram um valioso serviço de meio-expediente. Hão de se perguntar quem sou eu para avisá-los de que “Ela” exige uma jornada integral ou, então, serviço algum? …”

E mais não transcrevo porque não desejo – a exemplo do poeta inglês britânico, sugerir o abandono do emprego e a dedicação quixotesca a uma empresa fracassada, muito mais porque vivendo onde vivemos “com ou sem cauda” estou impedido de dar qualquer sugestão de ordem prática, tendo vivido o que vivi – 30 anos como comerciante e uns outros poucos como bancário – e tendo em vista as decisões que tomei após a marca dos cinquent´anos – qual seja, a de dedicar-me inteiramente à cultura e em especial à Poesia. De outra parte, porque sei estar entre pessoas que fizeram uma séria profissão de fé na Poesia.

Retomo o jovem poeta-crítico Jamesson Buarque disse em sua tese sobre o poeta Gerardo Mello Mourão que “o movimento morrer – viver – morrer – nascer” – no contexto do reconhecimento de um talento poético que só a geração seguinte foi capaz de se dar conta do valor – como o é o caso de Mourão – cabe antes citar Graves novamente para quem “embora ela (a Deusa) ame para destruir; ela destrói apenas para ressuscitar” – e voltar a Jamesson:
Diz ele: “…parece [tal movimento!] com o movimento de expatriamento muito comum aos inventores da modernidade como T.S. Eliot e Ezra Pound” [1]

Isso me faz lembrar de outros escritores “redivivos” (tais como Mourão) – Jorge de Lima e Murilo Mendes (ou um Tasso da Silveira) – todos eles seguiram aquela espécie de esperança – a Esperança com E maiúsculo que moveu a prosa e a poesia de um Lúcio Cardoso – cujo traço comum é escrever na perspectiva do Eterno e não do temporal, para os quais “Morrer é recomeçar/porque duramos//das infindáveis mortes que recomeçamos” (Cardoso)

É este esforço que sublinho em minha profissão de fé na Poesia; e hoje aqui entre jovens poetas e professores.

Já se disse de minha minguada produção que nela há nuances do poeta-viajante.
(Ercília Macedo-Eckel, 2007 e Gabriel Viviani, 2016), bem como de um poeta “contrito na sua litania” (Perna Filho, 2016)

De minha parte, considero-me apenas um poeta menor – um poeta improvável – mas um poeta que busca a sobrevida [afinal, como católico, Eu creio na ressurreição ! movimento similar ao descrito por Jamesson] – sei que sou autor de uns poucos versos felizes e uns tantos outros dos quais não tenho que me envergonhar, mas consciente de que não são de entusiasmar senão aos muito próximos e generosos – familiares e amigos. Tenho do meu lado Leodegária que me faz valer a persistência de continuar:

“Eu quero mesmo, assim, viver de lado,
Das multidões passar desconhecida,
Me alimentando de algum sonho amado.
Nada mais quero, e nada mais aspiro:
Teu casto afeto que me doira a vida,
Meus livros, minha mãe e meu retiro. ”

Tomo de empréstimo ao professor-poeta Jamesson mais duas observações que me ajudam a me sentir mais adloquial neste colóquio

  1. “Reconhecer a obra de um poeta não significa, necessariamente, pautar-se por suas posições políticas”
  2. Não menos importante do que a concisa obs. acima – para a qual peço a paciência dos srs e sras. – contextualizando que se trata sim, “Ah! O novo, o velho, o cânone – o reconhecimento, num mesmo nó entrelaçados”.

“O complexo de percepção, identificação e sensação concomitantes do presente, julgamos, está devidamente caracterizado no brado de “Tradição do novo” – de Ezra Pound. Uma poesia, por isso, é contemporânea se suas unidades culturais são recifráveis pela recepção crítica e ingênua “in praesentia” e se projeta seu discurso para aquela recepção “in absentia”. Somente se nos voltarmos para aquele rastro de cinzas, iremos vislumbrar a transcedência e a recepção futura da poesia” (Jamesson Buarque, 2007, A poesia épica de GMMourão).
Dizem por aí que a poesia morreu, que não há mais leitor que resista às linhas, aos versos, aos torvelinhos – matéria das tecelãs (os). Não têm paciência mais, dizem os entendidos da web. – Será mesmo?!

Para mim, o maior desafio em Goyaz é ampliar o público-leitor de poesia. É certo e este colóquio por certo é uma das muitas formas a que podemos lançar mão para essa tarefa.

Recentemente, Fernando Monteiro, um prosador de sucesso, perguntava em um dos poucos suplementos literários ainda em circulação em nossa imprensa nacional – Afinal, estamos escrevendo para quem?
– E poupava os poetas de responder a esta pergunta com base na seguinte afirmação:

“Os poetas não precisarão participar dessa rodada de desencanto, pois eles já escrevem para um vazio que não é só o das grandes livrarias grosseiras, com suas girândolas de livros de ocasião com capas brilhantes como catarro em parede. Os poetas, como que abençoados por Deus ou pelo diabo, estão escrevendo para leitores tão escassos (há muitíssimo tempo), que se tornaram monges trapistas da literatura, escrevendo em monastérios transformados nos palácios da mente que os libertam de escrever para quem já não possui o código da Poesia, a tábua de decifração (e salvação) do verso que foi carne, no Princípio etc.
“Enfim, os poetas estão libertados pelo silêncio que os cerca – enquanto aqui se convocam, sim, principalmente os praticantes da ficção, nesta hora “vigésima quinta” por obra e graça, em parte, das editoras voltadas, nos últimos anos, quase exclusivamente para aquilo que passou a se entender como sucessos”

Parece referir-se diretamente ao mestre Alberto da Cunha Melo, no poema Casa vazia:

Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos
uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas

seu deserto particular,
ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

Alberto da Cunha Melo, “Casa vazia”[2].

Que nos remete à poetisa polonesa WISLAWA SZYMBORSKA  (pron.: “Vissuáva Chembórska”) – 1923-2012 – prêmio Nobel de Literatura 1996 já dizia em poema que “somos dois em mil”.

Alguns gostam de poesia
Alguns gostam de poesia

Alguns –

ou seja nem todos.

Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.

Sem contar a escola onde é obrigatório

e os próprios poetas

seriam talvez uns dois em mil.

Creio que “Eu, você, nos dois – os que nesta sala se reúnem em torno da poesia – por certo estamos entre esses 2/1000. Mas nem sempre foi assim…
Tudo para mim no território de floresta negra da poesia, no entanto, está mais longe do que a experiência estética de muitos – corria o ano 1972, preparava-me para o vestibular de Física, opção 2 – Agronomia. No meu caderno de matemática e física (matérias de ênfase), anotava nas laterais, os poemas de Kilômetro Um” (1965) de Antonio José de Moura. Livro publicado em 1964, que tem uma epígrafe de Tasso da Silveira (em meio a outras – de Drummond, Garcia Lorca, Jamil Almansur Haddad, Rimbaud, Moacyr Félix e tantos outros). Para o candidato a Físico, essa foi a grnde descoberta do mundo metafísico.
Do natural, o estudante alçou ao Sobrenatural. Eram dias antes dos “Dias de fogo” (Antonio José de Moura) e para o jovem leitor foram dias de descoberta da amplidão do universo para além dos teoremas e equações.

“Fosse o mundo somente
o meu presente e mais nada;
fosse a vida apenas
um vôo inútil de pássaro,
serviria a bomba atômica
pra matar a passarada
e suicidar uma flor,
aquela flor da calçada
de nossa inutilidade
de candelabro, e mais nada…”

 

Passou o estudante de física a ser um “leitor razoavelmente disciplinado” da Poesia, de toda poesia – boa, ruim, mais ou menos; de modo a que da quantidade, depurasse a qualidade. Passou o sobrenatural a dominá-lo e a ouvir vozes. No início, não dei muita atenção a elas. Depois, descobri que mesmo sem Fôrma, os versos iam ganhando mais espaço no caderno de física do que as equações e as demonstrações de teoremas – como meu predileto: o de Döppler.
Sabe-se que “fenomenologicamente, podemos compreender o Efeito Doppler da seguinte forma: no caso de aproximação, a freqüência aparente da onda recebida pelo observador fica maior que a freqüência emitida. Ao contrário, no caso de afastamento, a freqüência aparente diminui. Um exemplo típico é o caso de uma ambulância com sirene ligada que passe por um observador. Ao se aproximar, o som é mais agudo (maior freqüência e menor comprimento de onda), enquanto que, ao se afastar, o som é mais grave (menor freqüência e maior comprimento de onda).”

Foi o jovem adulto ouvindo cada vez mais as vozes próximas e não teve como aventurar-se pelo espaço da poesia. Já formado em Comunicação Social e tendo abandonado o curso de Física…A poesia que se instaura é motivo de “vergonha” – uma pedra de tropeço – e sempre o será, pois embora não sejam vergonhosos, os versos que deixou o físico frustrado não encanta o poeta imaginado – o que poderia ter sido. Começa como um poeta protestante e passa a católico-poeta, donde cada vez mais me afirmo católico e menos, formalmente, poeta.

(*) Destacaria de meus livros os seguintes poemas, observando que não houve tempo de lê-los – poemas escolhidos: Néon (“Frágil armação”).
Prece ao anjo mago Manuel (“Cadernos de Sizenando”).
Mexicanas (4) (“Destino Palavra”).

Sarau no Coloquio de Poesia 2017

Sarau de poesia, 13/6, com Heleno Godoy, Dheyne de Souza, Salomão de Sousa, eu e Antonio Miranda. Participou também Jamesson Buarque (que não aparece nesta foto).

Poema que interpretei no Sarau (de meu livro “Frágil armação”, que ganhará 2a. edição este ano, pela Editora Caminhos, depois de 32 anos do lançamento!).Poética I e II.jpg


++++++
[1] O poeta Jamesson Buarque destaca na tese a diferença poundiana entre os diversos tipos de poetas, a saber: “inventores, que são autores de um novo processo de criação; mestres, que exploram processos inventados; diluidores – os sucessores mais ou menos competentes do que os dois primeiros; bons escritores que apresentam qualidades artísticas de notoriedade mediana, mas realizam um trabalho legítimo segundo estilos de uma época; beletristass, que cultivam apenas a elegância de bem-escrever; e lançadores de modas, que são tão populare quanto efêmeros. Para o poeta-crítico Buarque, “nossa perspectiva de poeta de “achamentos e invenção” está, grosso modo, entre as duas primeiras categorias poudianas.”

[2] VILÉM FLUSSER, em modo de pensamento em voz alta sobre o fazer poesia (ou literatura em geral): “ O intelecto ´sensu stricto` é uma tecelagem que usa palavras como fios. O intelecto ´sensu lato´ tem uma antessala, na qual funciona uma fiação que transforma algodão bruto (dados dos sentidos) em fios (palavras). A maioria da matéria-prima, porém, já vem em forma de fios.

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